MP recomenda que Estado e PM impeçam aglomerações em carreatas neste domingo
Recomendação afirma que a livre manifestação não podem colocar em risco os demais direitos
Os Ministérios Públicos Estadual de Alagoas (MPAL) e Federal (MPF) expediram recomendação, na noite deste sábado (2), ao Estado de Alagoas e à Polícia Militar para que ambos adotem todas as providências necessárias de fiscalização para que as supostas carreatas anunciadas para ocorrer neste domingo (3) não culminem em aglomerações de pessoas, o que contrariaria as recomendações das autoridades sanitárias e de saúde sobre as medidas necessárias ao enfrentamento à Covid-19. Os MPs também requisitaram às autoridades policiais que identifiquem os organizadores do ato para o caso de haver necessidade de responsabilização futura pelo descumprimento dos decretos estaduais e municipais que estabeleceram ações de combate ao coronavírus.
Ao Estado de Alagoas, os dois Ministérios Públicos requereram que fossem adotadas todas as “providências de fiscalização cabíveis para que sejam cumpridas as normas sanitárias e de trânsito na realização das referidas carreatas, em todos os municípios alagoanos e durante o período de vigência do Decreto Estadual nº 69.541/2020, de 19/3/2020 (renovado pelos Decreto nº 69577, de 28/3/2020, Decreto nº 69.624, de 6/4/2020 e o Decreto º 69.700, de 20 de abril de 2020), de modo que seja evitada a aglomeração de pessoas e, por conseguinte, a propagação descontrolada da Covid-19 como decorrência do descumprimento das orientações de distanciamento social”.
À Polícia Militar, foi orientado que a corporação monitore as “respectivas manifestações e concentrações, inclusive evitando que os condutores e/ou passageiros saiam dos veículos, coibindo/impedindo, de imediato, qualquer forma de aglomeração de pessoas proibida pelo Decreto nº 69.541, de 19 de março de 2020 e posteriores renovações”.
“Que em todas as manifestações, no momento de sua concentração, seja diligenciado para identificar os seus organizadores, a fim de possibilitar eventual responsabilização cível e criminal que a eles possa ser imputada, mesmo após o término do evento”, diz outro outro trecho do documento.
As justificativas
Na Recomendação Conjunta nº 04/20, Ministério Público Estadual e Ministério Público Federal lembram que a Constituição da República, em seu artigo 196, e a Lei 8.080/1990, em seu art. 2º, asseguram que“a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” e que, em 30 de janeiro deste ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o “surto do novo coronavírus (COVID-19) constitui uma ‘Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional’”.
O documento também chama atenção para o fato de a OMS, em 11 de março de 2020, classificar a situação mundial como uma ‘pandemia’, prevendo medidas de saúde pública para diminuição da transmissão de doenças infecciosas sem vacina ou tratamento farmacológico específico e enfatizando a sua adoção em relação à Covid-19, tais como: proibição de grandes aglomerações, fechamento de escolas e outras medidas, restrições de transporte público e/ou de locais de trabalho e quarentena e/ou isolamento.
As autoridades ministeriais alertam ainda que é fato público e notório a crise sanitária atravessada pelo mundo em decorrência da pandemia, que já contabilizando-se até o momento (2 de maio de 2020) mais de3,45 milhões de infectados e de 243 mil mortos ao redor do planeta e que, em Alagoas, conforme publicação do boletim epidemiológico da Secretaria de Estado da Saúde mais recente, o estado tem mais de 1.371 casos confirmados, 800 casos suspeitos e 58 óbitos.
Liberdade de expressão x direito à saúde
A recomendação faz referência ao direito à livre manifestação de pensamento, porém, destaca que ela não pode colocar em risco demais direitos, conforme entendimento pacificado dos tribunais superiores. “Os direitos à informação e à livre manifestação do pensamento não possuem caráter absoluto, encontrando limites em outros direitos e garantias constitucionais que visam à concretização da dignidade da pessoa humana”, citam os membros dos MPs ao fazem referência a uma decisão recente.
“A liberdade de expressão e manifestação deve ser compatibilizada, no presente estado de calamidade pública, com a preservação do direito difuso e indisponível à saúde de toda a população, cabendo ao poder público adotar todas as providências cabíveis, sobretudo de caráter fiscalizatório, para evitar a ocorrência de aglomerações físicas e a rápida disseminação do vírus”, diz um outro trecho do documento.
Pedir volta do AI 5 pode configurar infração penal
Por fim, os Ministérios Públicos ressaltam que essa liberdade de expressão prevista na Constituição Federal (cuja tutela/garantia é função primordial do Ministério Público) não pode ser invocada para proteger discursos que pregam a destruição do estado democrático de Direito, este, assim, garantidor de todas as liberdades individuais, e que incitar o desrespeito à democracia, a exemplo de pedir o retorno do AI 5 (Ato institucional nº 5, que recrudesceu a ditadura militar no Brasil, com medidas como o fechamento do Congresso Nacional, a cassação de direitos políticos e a proibição de manifestações de natureza política), pode configurar, em tese, a prática dos crimes de incitação ou apologia a fato criminoso, previstos nos artigos 286 e 287, ambos do Código Penal, bem como a ocorrência de crime contra a segurança nacional, previsto no artigo 23 da Lei nº 7.170/83”.
Assinaram a recomendação Márcio Roberto Tenório de Albuquerque, procurador-geral de Justiça, Micheline Tenório, coordenadora do Núcleo de Defesa da Saúde, José Carlos Castro, coordenador do Núcleo de Defesa do Patrimônio Público, Paulo Henrique Carvalho Prado, Louise Maria Teixeira da Silva, Bruno de Souza Martins Baptista, Sandra Malta Prata Lima e Stela Valeria Cavalcanti, promotores de justiça, respectivamente, das 67ª Promotoria, 26ª Promotoria, 41ª Promotoria Criminal, 37ª Promotoria Criminal e 18ª Promotoria, todas da capital, e os procuradores da República Bruno Jorge Rijo Lamenha Lins, Júlia Wanderley Vale Cadete, Juliana de Azevedo Santa Rosa Câmara, Niedja Gorete de Almeida Rocha Kaspary e Roberta Lima Barbosa Bomfim.