Hoje eu não quero ouvir especialistas políticos, nem comentaristas dos jornais que acompanho ou reprises dos discursos raivosos do mandatário nacional. Eu quero ouvir "Pais e Filhos", de Legião Urbana. Para isso até já separei o vinil. Não quero que me venha nada à cabeça - sei que é pedir demais - além da voz de Aneilson Pereira.

Aneilson Pereira me colocou aqui, diante dessa tela, e me motivou a escrever sobre ele - embora esse texto seja também sobre nós. Porém, sei pouco de sua vida. Aliás, sei apenas sobre o trágico e inesperado fim da sua vida. Sei quase nada mais do que diz uma nota de rodapé. Sim, porque, certamente, a vida de Aneilson fora mais ampla. É que as informações, por mais que choquem, são impessoais quando não tratam da gente ou de alguém que está próximo, que amamos ou, simplesmente, queremos bem. 

Até pensei em tentar contato com sua família, mas como iniciar uma conversa com o parente de alguém que você acabou de "conhecer" justamente por que essa pessoa não está mais aqui? Justamente por que ela foi vítima de um inimigo invisível? Um inimigo que dividiu ainda mais as pessoas de um país inteiro, quando na verdade, devia unir? 

Por isso decidi falar sobre o que sei da findada vida de Aneilson Pereira. Sobre o que não sei, resolvi fantasiar e acreditar. Aneilson Pereira teve amores, abraçou as manhãs e tocou o orvalho, sentiu as plantas molhadas pelo sereno; sorriu para os pais  - os abraçou - e pediu perdão na medida em que perdoou e foi perdoado - ao menos.

Aneilson começou de novo quando a vida lhe impôs. Ele valorizou cada momento com os amigos, brincou com os filhos e sobrinhos, ajudou pessoas que buscaram seu auxílio. Aneilson contemplou super luas e admirou o sol nas vezes em que o percebeu se despedindo do dia, anunciando esperança. Ele teve esperanças. Aneilson nos deixou uma mensagem: "cuidem uns dos outros".

Aneilson é meu exemplo de hoje. Não quero saber dos seus erros. Hoje eu quero ficar com o seu olhar de cuidado. Aneilson esforçou-se para nos deixar esta mensagem. Seu esforço não pode ser negligenciado. Nosso esforço é apenas entender que tudo nunca foi tão improvável quanto tem sido nos dias atuais.