Alagoas

Justiça realiza nova audiência com usuário e seus familiares

Por Redação com Assessoria 01/08/2014 15h03

O Ministério Público Estadual de Alagoas (MPE/AL) e o Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ/AL), por meio do 3º Juizado Especial Cível e Criminal da Capital, lançaram no dia 10 de junho, a Justiça Terapêutica (JT). E nesta quinta-feira (31/07) realizaram mais uma audiência na sede do juizado. O objetivo da JT é possibilitar que os usuários de drogas lícitas e ilícitas que praticarem delitos de pequeno potencial ofensivo tenham agora uma alternativa de transação penal e recebam ajuda para o tratamento do vício, bem como de propiciar que os familiares dos usuários recebam apoio e sejam orientados a lidar com quem vivem nessa realidade.

O programa foi motivado pelo crescente número de casos que chegam ao juizado envolvendo pessoas que são apreendidas pelo porte ou uso de substâncias entorpecentes, que representa uma média de 70% a 80% dos casos. De acordo com a promotora de Justiça, Sandra Malta, o MPE/AL e TJ/AL buscavam um procedimento mais resolutivo como forma de resolver não apenas o consumo, mas de se evitar também o cometimento de outros delitos como roubo, agressão física e até homicídio.

A JT foi implantada em Maceió, mas a expectativa é que outros municípios alagoanos abracem o projeto. “A ideia é apresentar a proposta para outros promotores que atuam ligados a juizados especiais para que a JT se espalhe no Estado”, disse a promotora de Justiça Sandra Malta.

Na audiência é feita, inicialmente, uma palestra para explicar aos usuários e familiares presentes sobre o que é a Justiça Terapêutica e os benefícios que propicia para quem aceita participar do processo. É feita também uma sensibilização por parte dos grupos de autoajuda e ex-usuários de entorpecentes, com depoimentos e palestras motivacionais e educativas.

Após o primeiro contato, a família passa a ser acompanhada pelos grupos de autoajuda. Já os usuários participam de círculos de diálogos que contam com a presença de psicólogos e psiquiatras, profissionais capacitados para ouvir os usuários e identificar, por exemplo, quem é usuário iniciante ou dependente. Tudo o que estes profissionais ouvem neste momento fica restrito ao círculo.

Com a identificação de quem é usuário iniciante ou dependente, são definidas outras etapas do processo. Por exemplo, se for detectado que o participante é apenas usuário, o MPE/AL determinará que ele frequente o grupo de autoajuda e participe das palestras que vêm ocorrendo, semanalmente, na sede do próprio juizado. A participação dos usuários é registrada por meio de frequência. No caso daqueles que já são dependentes, há um encaminhamento para o Centro de Apoio Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS- AD) ou outro local que possibilite a recuperação deles.

Um fato importante do projeto é que o usuário tem a liberdade de aceitar ou não o tratamento proposto pela JT. No entanto, caso o acusado não aceite participar do programa, caberá ao Ministério Público ofertar denúncia à Justiça.

A audiência

A audiência começou com o pronunciamento do juiz Celyrio Adamastor Tenório Accioly. Ele apresentou o projeto e explicou sobre o Núcleo de Prevenção às Drogas (NPD) que foi criado para que a JT funcione de forma efetiva e alcance aos objetivos propostos.

“A preocupação com o índice e aumento de usuários de drogas é alarmante, abracei este projeto e estamos trabalhando. A droga é uma doença e nós precisamos extirpá-la da humanidade. A Justiça Terapêutica traz perspectiva de vida. Estamos possibilitando a recuperação dos usuários para que eles não voltem a cometer delitos. A carência de políticas públicas é notória e precisamos trabalhar isso, para que o futuro da sociedade possa ser melhor”, disse o magistrado.

Durante o discurso, visivelmente emocionado o magistrado chamou a atenção dos usuários para o sofrimento dos familiares. “Vocês não imaginam o quanto sofrem os seus familiares e também amigos. Enquanto vocês estão na balada, como costumam chamar, vocês não sabem como quem está em casa, ficou. Queremos convencê-los a tratar esta doença”.

O vice-presidente do TJ, Tutmés Airan Albuquerque, que integra o NPD explica a diferença entre o procedimento da justiça antes e depois da Justiça Terapêutica e fala da alegria da realização do projeto.

“O poder judiciário se sente feliz por dar um passo como esse, desde a primeira atividade ficou comprovado que estamos dando um passo muito importante, pois estamos enfrentando o problema e tentando resolvê-lo. Antes a medida do poder judiciário para traficante era a cadeia e para usuário era aplicado uma medica alternativa, porém nem a cadeia, nem a medida, resolviam coisa alguma. Na verdade, podem até aprofundar o problema, por exemplo, quem sai da cadeia, pode estar ainda mais contaminado e predisposto a cometer outros crimes. Com a Justiça Terapêutica, pela primeira vez, estamos atuando na causa, na dependência, pois um doente precisa ser acolhido e tratado, e é com esta perspectiva que estamos aqui felizes, cientes da dificuldade que teremos no trato dessa situação. Mas confiantes de que é um passo importante para toda a sociedade. Esperamos que o projeto possa semear muitos frutos para que possamos colher uma sociedade melhor”, declarou o vice-presidente do TJ.

Depois do vice-presidente do TJ, a promotora Sandra Malta fez explanação enquanto MPE/AL, destacando a participação dos grupos Amor Exigente e Narcóticos Anônimos. Ela ainda apresentou um vídeo com depoimentos de ex-usuários e pessoas que integram a rede da Justiça Terapêutica de São Paulo.

A promotora finalizou tentando sensibilizar os usuários. “O uso da droga destrói uma célula familiar. Vocês usuários se coloquem no lugar de seus pais, vocês gostariam que seus filhos seguissem os mesmos caminhos que seguem agora. Por isso, vamos ter acompanhamento tanto com usuários como com os pais, familiares que também precisam de ajuda e precisam aprender como ajudar aos seus filhos”, concluiu a promotora.

A presidente do Fórum de Combate às Drogas, a Noélia Costa Amaral, falou sobre a criação do NPD. “A formação do Núcleo de Prevenção às Drogas possibilitou que de forma imediata fosse implantada a Justiça Terapêutica. O tratamento é uma luta difícil, é um passo de cada vez, por isso, aceite a condição dada, e assim você poderá resgatar sua vida e as vidas de seus familiares. A Justiça Terapêutica é um sonho de todos que trabalham nesta causa. Vocês estão sendo contemplados. Então, digam só por hoje”, pediu Noélia.

Para prestar o depoimento de quem venceu a droga, o conselheiro terapêutico do Fórum de Combate às Drogas, que é ex-dependente químico por uso de crack, contou um pouco da sua história e buscou sensibilizar os usuários. “Há três C que pode ter um dependente químico: Cadeia, Clínica e Cemitério. Qual você escolhe? Eu escolhi o tratamento. Eu sofri muito, minha família também, então busquei o tratamento. Na época, a vontade de consumir era muito grande, mas eu consegui. Ontem mesmo, fui visitar um amigo, que também era dependente químico, um dia estávamos juntos e ele levou um tiro, por conta disso, há dez anos ele está numa cadeira de rodas. Cada um pode ter a oportunidade de sair das drogas. Vocês, usuários, estão tendo uma excelente oportunidade, por meio da Justiça Terapêutica. Espero que aproveitem, pois a droga leva ao crime e a tendência é prisão ou morte. Escolham a vida”.

A assistente social Sandra Marques, que trabalha com dependentes químicos e também integra o NPD, fez uma panorama histórico e social da realidade brasileira e local em relação ao cenário das drogas.

“O Brasil está com uma realidade revoltante de drogas, por falta de políticas públicas eficazes, precisamos entender o problema e trabalhar de forma urgentíssima. O trabalho do Núcleo é orientar, conscientizar. O usuário precisa entender a necessidade de se recuperar do mal que é a droga. A Justiça Terapêutica é a oportunidade que o usuário tem para não perder a liberdade, para não viver o caos. É preciso estar livre no físico e na alma, por isso, queremos tratar, reintegrar e ressocializar. Estamos concedendo hoje novas oportunidades para vocês”, concluiu a assistente social.

Após os pronunciamentos e palestras, a audiência foi encerrada com a oração da serenidade. Na próxima segunda-feira (04/08), às 14h, haverá uma nova reunião para os usuários e familiares.

Resultados positivos

A JT em menos de pouco mais de um mês já vem colhendo sementes do trabalho realizado, pois todos os usuários que participaram da primeira audiência aceitaram o tratamento e os familiares deles relataram as mudanças que vem acontecendo. “Alguns pais contaram para nós que seus filhos já não estão mais usando droga e alguns até estão trabalhando”, disse a promotora.

O Núcleo de Prevenção às Drogas

Integram o NPD, o vice-presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas, Tutmés Airan; o magistrado Celyrio Adamastor Tenório Accioly; a presidente do Fórum de Combate às Drogas, Dra. Noelia Costa Amaral; a promotora de Justiça Sandra Malta; a coordenadora geral do TJ, Astéria Alves Moreira; a assistente social, Sandra Marques; a enfermeira Lilian Manuelly Loureiro; a psicóloga Cleyde Maria Torres; a conselheira terapêutica, Jacqueline Costa Amaral e a médica Gabriela Maria Lemos Lyra.

A Justiça Terapêutica

O programa teve início nos Estados Unidos e, entre os anos de 1999 e 2008, foi amplamente discutido no Brasil através de reuniões e seminários. Com resultados satisfatórios no exterior, a Justiça Terapêutica ganhou espaço no Rio Grande do Sul, também por iniciativa do Ministério Público e do Poder Judiciário. Por lá, o programa ganhou apoio de advogados e órgãos públicos que funcionam como rede indispensável para o desenvolvimento e firmação do procedimento. Depois foi implementado em São Paulo e, agora, por meio do MPE/AL chega a Maceió e aos poucos será disseminado em outros municípios do Estado.

A idealizadora do projeto, a promotora da 37ª Promotoria de Justiça da Capital, Sandra Malta, tomou conhecimento da Justiça Terapêutica em São Paulo e começou a mobilização necessária para implantar em Maceió.

“Ao saber da realidade de que 70% a 80% de casos que chegam a nós estão relacionados ao uso ou porte de drogas, refleti sobre o que fazer, como fazer, como contribuir para que o usuário se recupere, então, isso se tornou possível com a rede criada e porque o TJ, por intermédio, do magistrado Celyrio Adamastor, prontamente abraçou a ideia. Temos uma equipe reunida para proporcionar o tratamento necessário para os usuários” e familiares”, declarou a promotora.

Além das audiências, dos círculos de diálogos, palestras e internação, a equipe que atua na JT buscará ajuda do poder público, dos grupos de autoajuda e de parceiros estratégicos para a realização de cursos profissionalizantes.

“Mais do que tratar, queremos que os usuários se qualifiquem e tenham novas oportunidades”, complementou a promotora.

Faz parte do projeto também a realização de visitas as escolas. Na oportunidade, serão ministradas palestras relacionadas aos malefícios das drogas. O objetivo principal é conscientizar os adolescentes e jovens para que não entrem no universo das drogas e, resgatar aqueles que já vivem no cenário das drogas, por meio do consumo ou tráfico.