MPF pede condenação de Eduardo Cunha e cita dissimulação extrema
O Ministério Público Federal no Paraná pediu ao juiz federal Sergio Moro a condenação do deputado federal cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) por corrupc?a?o passiva, lavagem de dinheiro e evasa?o de divisas pela manutenc?a?o de depo?sitos na?o declarados no exterior" por 14 vezes.
Além disso, os procuradores querem que o político seja condenado "a? reparac?a?o dos danos materiais e morais causados por suas condutas, no valor de US$ 77,5 milhões (R$ 232 milhões), valor total do prejui?zo do nego?cio apurado pela Petrobras".
O MPF quer, ainda, que Cunha pague multa de 5.400 salários-mínimos de 2011 (R$ 2,9 milhões, no total), época em que o crime atribuído ao político foi cometido.
O pedido está nas alegações finais apresentadas pelo MPF em processo derivado da operação Lava Jato em que Cunha é acusado de receber US$ 1,5 milhão em propina paga na compra pela Petrobras de campos de petróleo em Benin, na África, e de ocultar o dinheiro em contas bancárias na Suíça.
Apenas o crime de corrupção passiva pode render de dois a 12 anos de prisão. No caso de Cunha, o MPF pede ainda extensão da pena em um terço, conforme prevê o artigo 317 do Código Penal.
O que diz o MPF
O documento de 112 páginas, assinado por dez integrantes da força-tarefa da operação Lava Jato no MPF e anexado no fim da tarde de segunda-feira (6) ao processo, diz que Cunha se utilizou de um "engenhoso e sofisticado esquema" para receber e ocultar a propina.
Por conta disso, "o acusado deve ser condenado pela pra?tica dos crimes de corrupc?a?o passiva, lavagem de dinheiro e evasa?o de divisas, todos em concurso material, somando-se as penas legalmente cominadas em raza?o da autonomia de desi?gnios entre cada um destes delitos."
"As condutas de corrupc?a?o, lavagem de dinheiro e manutenc?a?o de depo?sitos na?o declarados no exterior sa?o completamente auto?nomas entre si. Por essas razo?es, na?o ha? que se falar em consunc?a?o entre crimes, devendo ser somadas as penas em concurso", argumentam os procuradores.
"Restou plenamente comprovada a pra?tica, por parte do re?u, do crime de corrupc?a?o passiva pelo recebimento de vantagem indevida em raza?o da func?a?o de deputado federal exercida na e?poca dos fatos, bem como a pra?tica de ato de ofi?cio que infringiu os deveres funcionais de parlamentar", diz o documento.
Também "na?o ha? qualquer du?vida de que [o deputado cassado] tinha total controle dos "trusts" e de suas respectivas contas banca?rias, sendo efetivamente o 'beneficia?rio econo?mico' destas contas e consequentemente dos valores nelas depositadas. [Ele] Tinha plena e total disponibilidade destes depo?sitos que nunca foram declarados a?s autoridades brasileiras", prossegue o texto.
"É elevada a culpabilidade de Eduardo Cunha em raza?o do seu elevado conhecimento do injusto, na medida em que, como economista formado e poli?tico profissional, sabia muito bem do cara?ter ili?cito dos atos que praticou, notadamente constituir contas secretas no exterior para receber propinas. Ale?m disso, e? inega?vel que poderia agir de modo diverso, sobretudo em raza?o dos altos cargos e responsabilidades de sua alc?ada", argumenta o MPF.
"Ademais, em toda a fase de investigac?a?o de seus crimes, Cunha adotou um agir antie?tico, mendaz e ate? mesmo afrontoso a?s instituic?o?es pu?blicas que buscam responsabiliza?-lo por seus atos. Com efeito, durante toda a fase de investigac?a?o preliminar [ele] praticou diversos atos que buscaram atravancar as investigac?o?es, com a utilizac?a?o de artifi?cios regimentais para atrasar seu processo de cassac?a?o, a demissa?o de funciona?rio da Ca?mara dos Deputados que produziu provas em seu desfavor e ate? mesmo ameac?as e intimidac?a?o de testemunhas, colaboradores e advogados que poderiam prejudica?-lo", escrevem os procuradores da força-tarefa da Lava Jato.
"Tal conduta permaneceu, inclusive, no curso do presente processo, tendo em vista a posic?a?o intimidato?ria do acusado na formulac?a?o de quesitos a?s testemunhas ouvidas no presente processo, inclusive do presidente Michel Temer, com perguntas potencialmente incriminato?rias alheias ao objeto da ac?a?o penal e com o fim especi?fico de causar constrangimento e servir como uma espe?cie de 'ameac?a' aos depoentes", afirma a acusação.
"Nível extremo" de dissimulação
Para o MPF, Eduardo Cunha tinha "efetiva administrac?a?o e total disposic?a?o dos valores que transitavam nas contas [na Suíça], os quais nunca sai?ram de sua esfera de propriedade, a despeito de sua alegac?a?o de que o responsa?vel por essa movimentac?a?o era o 'trust' da conta e que a propriedade dos valores havia sido transferida sem o?nus, a exemplo de uma doac?a?o."
Os procuradores anotam no documento apresentado a Sergio Moro que os "trusts" que alegam pertencer a Cunha na?o foram "facilmente identificados", mas "descobertos somente porque houve uma meticulosa investigac?a?o por parte das autoridades sui?c?as, apo?s alertadas pela investigac?a?o iniciada no Brasil. Ale?m disso, esse fato somente foi descoberto apo?s o decurso de mais de dez anos da instituic?a?o de tais 'trusts' e quase sete anos depois da abertura das respectivas contas nas quais transitaram as propinas."
Para a Lava Jato, "a sofisticac?a?o desta atividade de ocultac?a?o e dissimulac?a?o chegou a um ni?vel extremo". A "intenc?a?o [de Cunha] de manter ocultos tais valores foi evidenciada por diversas vezes durante seu interrogato?rio, ate? mesmo de forma debochada, como quando respondeu sobre as razo?es de ter mentido a? Comissa?o Parlamentar de Inque?rito da Petrobras sobre manter contas no exterior."
O caso
O documento do MPF afirma que a Petrobras teve prejuízo de de US$ 77 milhões com "atos de corrupc?a?o" na compra do campo de petro?leo de Benin. "Por outro lado, as propinas totais acertadas neste contrato chegaram a USD 10 milho?es de do?lares americanos."
Ao longo das 112 páginas, os procuradores afirmam que pareceres técnicos da própria Petrobras que não recomendavam a compra dos campos na África não foram considerados pela diretoria Internacional, que resolveu prosseguir com o negócio. Dizem, ainda, que o à época diretor Jorge Zelada omitiu informações à diretoria executiva que poderiam barrar a aquisição.
Para os procuradores, há "diversos indicativos de que todo o projeto de contratac?a?o estava previamente arranjado, pouco importando os dados te?cnicos produzidos ou as normas de governanc?a da companhia. Em verdade, os documentos produzidos pela equipe da Diretoria Internacional serviram apenas ao suporte documental exigido para
formalizac?a?o do contrato."
"Conforme descrito na denu?ncia e comprovado (...) na presente ac?a?o penal, um percentual dos valores dos contratos celebrados pela Diretoria Internacional da Petrobras – entre eles o de aquisic?a?o de 50% dos direitos explorato?rios do campo de petro?leo em Benin – era repassado indevidamente ao grupo poli?tico responsa?vel pela nomeac?a?o dos cargos mais importantes na referida pasta. No caso, a partir de 2007, o partido responsa?vel era o PMDB", diz o MPF.
"Existem diversas provas de que tanto o PMDB quanto Eduardo Cunha beneficiaram-se direta e indiretamente do esquema de corrupc?a?o na Petrobras, sobretudo no a?mbito da Diretoria Internacional da companhia", sustenta a acusação.
Outro lado
Testemunhas arroladas pela defesa de Eduardo Cunha --inclusive o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva-- negaram ou disseram desconhecer que o deputado cassado tenha indicado nomes para a diretoria da Petrobras ou participado do processo de compra dos campos de petróleo em Benin.
A reportagem entrou em contato com o escritório de Marlus Arns de Oliveira, advogado que defende o peemedebista no caso, e aguarda uma posição sobre as acusações do MPF. Tal qual fez a acusação, a defesa de Cunha também apresentará suas alegações finais a Sergio Moro, última etapa antes que o juiz possa proferir sentença no processo.