Bolsonaro demonstra crueldade ao debochar de assassinato, protesta OAB
Para presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, falas são ‘inqualificáveis’
O presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, afirmou que o presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), demonstra “crueldade e falta de empatia” em declaração sobre seu pai, Fernando Santa Cruz, desaparecido durante a ditadura (1964-1985). Em entrevista à imprensa, nesta segunda-feira 29, Bolsonaro afirmou: “Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto. Ele não vai querer ouvir a verdade. Eu conto para ele”.
Em nota, o presidente da OAB diz que as falas de Bolsonaro são “inqualificáveis” e que “debocha” de um assassinato. “O mandatário da República deixa patente seu desconhecimento sobre a diferença entre público e privado, demonstrando mais uma vez traços de caráter graves em um governante: a crueldade e a falta de empatia. É de se estranhar tal comportamento em um homem que se diz cristão. Lamentavelmente, temos um presidente que trata a perda de um pai como se fosse assunto corriqueiro – e debocha do assassinato de um jovem aos 26 anos”, protesta Felipe Santa Cruz.
O texto também cobra que o presidente da República esclareça o que sabe sobre os atentados ocorridos contra os direitos humanos na época. “Meu pai era da juventude católica de Pernambuco, funcionário público, casado, aluno de Direito. Minha avó acaba de falecer, aos 105 anos, sem saber como o filho foi assassinado. Se o presidente sabe, por ‘vivência’, tanto sobre o presente caso, quanto com relação aos de todos os demais ‘desaparecidos’, nossas famílias querem saber.”
Bolsonaro criticou o presidente da OAB após questionar sobre a atuação da entidade na investigação de Adélio Bispo, autor do atentado à faca durante as eleições presidenciais de 2018. Segundo o presidente da República, a instituição impediu que a Polícia Federal tivesse acesso ao telefone de um dos advogados de Bispo.
Fernando Santa Cruz era estudante de direito e integrava o movimento estudantil contra a ditadura. Ele desapareceu em 1974 depois de ter sido preso junto de um amigo chamado Eduardo Collier por agentes do Doi-Codi, no Rio de Janeiro.
Manifestações excessivas e frivolidade extrema
A OAB, em conjunto, acusou Bolsonaro de “frivolidade extrema” em sua declaração. Em nota, a OAB cobrou que o presidente da República obedeça à Constituição Federal, que instituiu o Brasil como Estado Democrático de Direito, e manifestou solidariedade às famílias de vítimas da ditadura.
“Apresentamos nossa solidariedade a todas as famílias daqueles que foram mortos, torturados ou desaparecidos, ao longo de nossa história, especialmente durante o Golpe Militar de 1964, inclusive a família de Fernando Santa Cruz, pai de Felipe Santa Cruz, atingidos por manifestações excessivas e de frivolidade extrema do Senhor Presidente da República”, protesta.
A instituição também criticou a atuação de autoridades que desrespeitam normas do Direito no exercício de suas funções. “A Ordem dos Advogados do Brasil vai se manter firme no compromisso supremo de defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático, e os direitos humanos, bem como a defesa da advocacia, especialmente, de seus direitos e prerrogativas, violados por autoridades que não conhecem as regras que garantem a existência de advogados e advogadas livres e independentes”, diz.
O documento foi assinado pela Diretoria do Conselho Federal, pelo Colégio de Presidentes e pelo Conselho Pleno da OAB Nacional.
Bolsonaro deveria defender justiça, protesta Anistia
A Anistia Internacional também se posicionou de forma crítica às falas do presidente. A organização defendeu que Bolsonaro deveria preservar o respeito à memória das vítimas de assassinato, tortura e sequestro. “É terrível que o filho de um desaparecido pelo regime militar tenha que ouvir do presidente do Brasil, que deveria ser o defensor máximo do respeito e da justiça no País, declarações tão duras”, afirmou a diretora executiva da Anistia no Brasil, Jurema Werneck.
Em nota, a organização reivindica ainda a revogação da Lei de Anista, de 1979. Segundo o texto, o ato eliminaria “dispositivos que impedem a investigação e a sanção de graves violações de direitos humanos, a investigação e responsabilização dos crimes contra a humanidade cometidos por agentes do Estado durante o regime militar”.