Saúde

Falta de informação leva famílias a descobrirem que ente morreu com suspeita de Covid por funerárias

Situação gera revolta em parentes e dificulta serviço funerário

Por Patrícia Bastos/ 7Segundos 20/06/2020 07h07
Falta de informação leva famílias a descobrirem que ente morreu com suspeita de Covid por funerárias
Vítimas da Covid-19 não podem ser veladas pelos familiares - Foto: Reprodução

Em tempos de pandemia, que modificou a maneira como as famílias se despedem de seus entes que morreram, a comunicação de que o paciente que morreu estava com suspeita de coronavírus - que deveria ser feita pela equipe hospitalar - muitas vezes acaba sendo relegada às empresas que prestam serviços funerários. 

“É terrível para uma família que perdeu uma pessoa querida em decorrência de algum outro problema de saúde, que acredita que poderá se despedir mesmo que de maneira limitada, de acordo com seus costumes, e de repente saber que o corpo tem que ser levado diretamente para o cemitério e que a urna não pode ser aberta. Isso tem ocorrido com uma freqüência muito grande”, afirma Gilson Silva Damasceno, que é gerente de uma empresa que presta serviços funerários em Arapiraca. 

A situação é recorrente e muitas vezes acaba gerando insatisfação ou reclamações contra os serviços funerários. “É necessário reforçar com os profissionais que são responsáveis por comunicar a família sobre o falecimento de pacientes que eles informem que há suspeita ou confirmação de Covid-19, e que coloquem essa informação de maneira clara na DO [declaração de óbito]. Em muitos casos, as famílias acham que os procedimentos, como levar a urna direto para o cemitério é uma decisão nossa, quando na verdade estamos apenas seguindo o que determina os decretos municipal e estadual sobre o sepultamento de pessoas com suspeita ou confirmação de covil”, declara Hélio Valeriano, que é gerente de outra central de velórios de Arapiraca.

Ambos explicaram a situação usando exemplos semelhantes: um paciente que é hospitalizado em decorrência de qualquer outra doença sem nenhuma relação com o coronavírus, fica internado em área diferente da dos pacientes com Covid-19 e é acompanhado o tempo inteiro por familiares. O paciente morre e, em nenhum momento da internação, foi levantada qualquer suspeita de que o paciente poderia ter sido contaminado por coronavírus. A declaração de óbito, feita pelo hospital traz, entre as causas da morte, informações como síndrome gripal aguda, ou pneumonia aguda, sem fazer qualquer menção ao coronavírus. Mas, quando os funcionários das funerárias vão buscar o corpo, ele está identificado como caso suspeito, ou ainda, caso confirmado de Covid-19.

“Quando a pessoa morre de outras causas, a gente prepara o corpo, veste, pode ter velório com o caixão aberto, mesmo que a quantidade de tempo e de pessoas no local seja limitada. Mas quando é caso suspeito ou confirmado de Covid, não tem nada disso. Precisamos seguir o que determinam os decretos e as vigilâncias sanitárias. Não tem preparação do corpo, a urna não pode ter janela, e tem que ir direto para o sepultamento. Quando as famílias esperam por um velório e, de repente descobrem que não vai mais ter, ficam revoltadas, acham que é a gente que está impondo esse tipo de situação”, declarou Gilson Damasceno.

Informação omitida

A situação poderia ser diferente se a pessoa responsável por informar o óbito esclarecesse para a família o porquê do caso ser tratado como suspeito de Covid-19, ou ainda informar que colheu material do paciente que foi enviado para exame, e que a informação sobre a suspeita de coronavírus também fosse descrita entre as causas da morte na declaração de óbito. O motivo que levaria os hospitais a omitir essa informação para a família e no documento é desconhecido.

“Ouvi de um médico uma vez que eles evitam colocar Covid na declaração de óbito para evitar que posteriormente a família entre na justiça contra o profissional ou contra o hospital. Também já aconteceu caso de o hospital cancelar uma declaração de óbito que tinha informação sobre coronavírus devido a reclamação da família e fazer uma outra sem essa informação. Aí fica a dúvida: o paciente morreu mesmo de Covid, ou não?”, disse.

Hélio Valeriano sugere que tanto os hospitais como os órgãos de saúde, responsáveis pelas campanhas de prevenção ao coronavírus, também passarem para o público informações sobre os protocolos a serem seguidos desde a constatação da morte até o sepultamento da vítima de Covid-19. “Como as pessoas não tem informação, acham que os procedimentos  de segurança são exagero e ficam pressionando, mas a gente precisa cumprir à risca tudo que é determinado pelos decretos”, ressaltou.

Conflito de protocolos

Segundo os gerentes de centrais de velórios, outra grande dificuldade é em relação a falta de uniformização das normas de segurança em relação aos protocolos de sepultamento de vítimas do coronavírus. Como as empresas atendem em outros municípios e até em outros Estados, precisam lidar com diferentes regras e até mesmo com o descumprimento dessas mesmas regras pelos órgãos que deveriam fiscalizar a obediência dos protocolos.

"A recomendação do Ministério da Saúde é que os corpos das pessoas que morreram de coronavírus, ou de casos suspeitos, sejam embalados em três camadas. A primeira de tecido, de preferência com aplicação de produto que mate o vírus e outras duas camadas de plástico impermeável e higienizado. O corpo deve também ter um aviso no peito e um aviso no plástico de cima, informando que o paciente morreu de coronavírus e com a identificação dele. Em caso de óbito em casa, esse manejo deveria ser feito pelo pessoal da Saúde, acompanhado por alguém da Vigilância Sanitária. Mas quem está fazendo são as funerárias. Depois desse procedimento, o corpo ainda é colocado em um caixão lacrado e higienizado. Todo esse trabalho tem sido feito pelos agentes funerários e auxiliares, devidamente protegidos pelos EPIs adequados”, explicou Gilson Damasceno.

De acordo com ele, como a Covid-19 é uma doença nova, ainda não há um consenso sobre a forma de contaminação, o que leva a conflitos de protocolos.

“Em uma cidade onde a gente atende, tivemos uma reunião com a Secretaria de Saúde e com a Vigilância Epidemiológica local e eles disseram que para fazer o sepultamento, a gente precisava estar de capote impermeável, mas a máscara poderia ser de TNT. Quando eu perguntei para eles porque precisa cobrir as pernas com material impermeável enquanto para as vias aéreas, que é por onde o vírus entra no corpo, bastava estar coberto por TNT, eles não souberam responder. Na minha opinião, como essa é uma situação muito nova, muitos gestores estão preferindo copiar o que eles vêem em outros locais por receio de errar”, declarou.