Em vez de flores, Dia da Mulher é dia de debate: “Feminismo existe para libertar as mulheres e não oprimir os homens”
Feminista desmistifica conceitos e afirma que feminismo é essencial na construção de uma sociedade mais justa
Mais um 8 de março, mais um Dia da Mulher. Para os homens saudosos, que costumam dizer “saudades dos velhos tempos, antes tudo era melhor”, hoje é dia de mimarem as mulheres de sua vida com flores e chocolates e declararem publicamente a sua gratidão pelos cuidados e carinho que recebem delas. Não fosse a pandemia, hoje seria dia de o comércio e a instituições se vestirem de rosa e promoverem ações para elevar a autoestima do seu público feminino, oferecendo amostras grátis de cosméticos ou “intervenções de beleza”, que levam as mulheres a acreditarem que precisam estar maquiadas ou com os cabelos alisados para se sentirem bonitas.
Iniciativas que tratam sobre a violência contra a mulher ou as dificuldades encontradas no mercado de trabalho, com palestras e campanhas educativas, são relativamente recentes. O rótulo de “mulher guerreira” - aquelas que enfrentam múltiplas jornadas diárias, de trabalho, serviços domésticos e cuidados com os filhos e marido - como um ideal a ser alcançando fazem com a exaustão, desabafos e problemas de saúde física ou mental sejam vistos como sinal de fraqueza pela sociedade, a mesma que demoniza o Feminismo, por acreditar que a revolta das mulheres contra toda a carga imposta pelo gênero significa puramente transferi-la para os homens, como se fosse literalmente a outra face da moeda do machismo.
“O feminismo não é uma luta pela igualdade de gênero. Não queremos ser como os homens e nem reproduzir os comportamentos que reprovamos. O feminismo existe para libertar as mulheres da opressão, e isso não significa oprimir os homens, como muita gente pensa. O que a gente quer é equidade, respeito, valorização, equiparação e, porque não, a reparação por gerações de direitos cerceados. É para isso que as lei Maria da Penha e outras leis que existem para defender as mulheres e demarcar seu lugar na sociedade existem. Feminismo é essencial para a nossa sociedade”, afirma a feminista Silvânia Silva.
Professora por formação e atualmente prestando serviços em um escritório de advocacia, ela é mãe de três filhas, casada e dona do perfil @gcbellhooks, que trata sobre ideias feministas no Instagram. Feminismo para ela foi libertação de padrões de beleza, buscar ser valorizada pela pessoa que ela é, antes de ser classificada pela sua aparência, mas principalmente uma desconstrução do machismo estrutural, que espera das mulheres que elas sejam “recatadas, belas e do lar”.
Como feminista, usa seus espaços de fala para defender equidade de gênero - igualdade de oportunidades, direitos e responsabilidades, considerando as particularidades dos gêneros, e observando critérios de Justiça - com o objetivo de fazer mais mulheres acordarem para o feminismo e lutarem por um mundo em que todas possam ser protagonistas de suas histórias.
“No imaginário da grande massa, feministas são aquelas mulheres raivosas que querem ser iguais aos homens, que fazem passeatas mostrando os seios, como na Marcha das Vadias, porque é isso que a mídia mostra. Então as pessoas acham que as feministas querem ser vadias, querem entrar nas igrejas e destruir altares, querem acabar com as famílias, porque é isso que é mostrado nas TV abertas. Isso aterroriza as pessoas e só serve para mistificar. Mas em todos os movimentos existem extremos e pessoas equivocadas. O movimento feminista é responsável por muitas conquistas. A gente pode votar, casar e separar, trabalhar fora e viajar sozinha, entre outras coisas. Mas a luta precisa ser constante para não existir retrocesso nessas conquistas e para que possamos criar uma sociedade mais justa, mesmo que a gente não vá usufruir dela”, declarou.
Pautas feministas
O feminismo inclui diversas pautas, que são diversificadas conforme as correntes existentes e os lugares de fala - a luta das feministas pretas inclui algumas que não fazem sentido para as mulheres brancas, e mudam também conforme a cultura que as mulheres estão inseridas. É um movimento heterogêneo, mas que apresenta também várias discussões em comum, como o enfrentamento da violência contra a mulher, a busca pela equidade nas relações interpessoais e de trabalho - que inclui divisão dos afazeres domésticos e cuidados com os filhos, respeito à mulher em suas decisões nas relações afetivas, salários iguais no mercado de trabalho, entre outros - além da auto-aceitação, inclusive de sua aparência, das características do seu tipo físico e etnia, se libertando da obrigação de seguir padrão de beleza.
“Sou casada, tenho três filhas e trabalho fora. Uso salto quando quero, uso maquiagem quando estou disposta. Quando não estou, saio de casa de cara limpa e tênis. Sou uma mulher branca de cabelos crespos que por muito tempo alisou os cabelos, mas hoje deixei que voltasse à sua forma natural. Eu posso me aceitar como sou. Não preciso me render a procedimentos de beleza como se fossem uma regra. Tem mulheres que diz: ‘fiz plástica porque eu quis’, mas será que você quis mesmo ou será que foi porque foi incutido na sua cabeça que seu corpo precisa ter aquela forma? Então ser feminista, antes de tudo, é perceber e lutar contra o machismo dentro da gente e se aceitar como é. Tem feminista que não se depila, tem quem faça depilação a laser; tem feminista que trabalha fora, outras se sentem realizadas como mães e donas de casa. E está tudo bem. Feminismo é dar conforto à mulher em suas escolhas, e que elas sejam realmente suas escolhas conscientes e não imposição da sociedade”, explica Silvânia.
A feminista afirma também que é missão das mulheres acolherem umas às outras, buscar entender suas motivações mesmo que sejam arredias ao feminismo. É a chamada “sororidade”, que é também ver as outras mulheres como aliadas e não como adversárias ou concorrentes, quebrando correntes do machismo estrutural, que também classifica como inferiores mulheres que pertencem as classes sociais mais baixas ou a outras minorias.
“Apesar de ser uma discussão um pouco controversa, o feminismo também pode acolher os homens, aqueles que entendem que o machismo estrutural da nossa sociedade também trás angústia para ele próprio. Quando ele entende os malefícios na reprodução desses comportamentos, ele entende a luta da mulher e pode chegar junto do feminismo. Ainda é difícil encontrar homens assim, mas cabe a nós feministas trazê-los para perto, fazendo que entendam o nosso protagonismo nessa luta. Não nos cabe ser professoras de marmanjos, mas a gente precisa desmistificar o feminismo para eles também”, explicou Silvânia.
Dia da Mulher
Apesar de o Dia da Mulher ter surgido como um Dia D para levantar discussões de pautas feministas, o machismo estrutural e o capitalismo conseguiram desvirtuar o sentido da data. Silvânia Silva explica que apesar do dia 8 de março ser relacionado a morte de trabalhadoras em um incêndio em uma fábrica em Nova Iorque em 1911, antes disso já existiam organizações de mulheres que lutavam por melhores condições de trabalho, salário igual aos dos homens e o fim do trabalho infantil nas fábricas.
“O primeiro Dia Nacional da mulher foi celebrado em 1908, em maio, quando cerca de mil mulheres fizeram uma manifestação em prol da igualdade na representação política e na remuneração. Depois o Partido Socialista dos Estados Unidos oficializou o dia 18 de fevereiro, em outro protesto que reuniu mais de três mil pessoas. Mas como a gente vive em um sistema capitalista, regime que transforma todas as datas em negócio, visando lucro, perdeu-se a essência dessa data. O Dia da Mulher é um dia de comemoração, mas das vitórias que tivemos até aqui, mas é sobretudo um dia de luta”, ressaltou.