Mundo

'O dia em que descobri que meu cabeleireiro era meu irmão'

Andrea Fleck fez descoberta surpreendente após resolver pesquisar passado de seu pai, que tinha sido adotado quando bebê; seu incrível relato foi contado no podcast 'Que História!'

Por BBC 18/06/2021 11h11 - Atualizado em 18/06/2021 12h12
'O dia em que descobri que meu cabeleireiro era meu irmão'
Por razões diferentes, tanto Andrea como Troy, quando se conheceram, já estavam pensando em fazer testes de DNA para saber mais sobre suas origens - Foto: Troy Winget e Andrea Quint Fleck

Os canadenses Andrea Quint Fleck e Troy Winget se conheceram no salão de cabeleireiro. Troy era o dono do salão e Andrea, uma nova cliente que tinha acabado de se mudar para a cidade.

Eles imediatamente se tornaram amigos, e os assuntos das conversas no salão aos poucos se expandiram para além do cabelo de Andrea. Eles tinham outros interesses em comum, como as várias dúvidas sobre suas origens familiares e a vontade de pesquisar sobre o assunto. E jamais imaginariam que suas descobertas em exames de DNA mudariam, para sempre, sua relação.

Ambos relatam os meandros desse caso cheio de surpresas no podcast Que História!, da BBC News Brasil, apresentado por Thomas Pappon.


O novo cabeleireiro


Andrea Quint Fleck se mudou, em 2012, com o marido e os filhos pequenos, para a cidade de Calgary, no meio-oeste do Canadá. Uma das primeiras coisas que ela fez foi buscar indicações de um bom cabeleireiro. Ela tinha orgulho de seu cabelo escuro e grosso e, por ser ex-modelo de penteados, fazia questão de ter o melhor.

"Quando me mudei pra Calgary, tinha um conhecido, Trevor, que tinha um cabelo incrível", contou Andrea ao programa Outlook, da BBC. "Perguntei quem cuidava do cabelo dele, e ele me recomendou seu amigo Troy. Ele disse que Troy tinha alguns salões de beleza e tinha acabado de abrir um perto da minha casa. Marquei uma hora e foi assim que tudo começou."

Para Troy Winget era praxe dar atenção especial a novos clientes, garantir uma boa impressão inicial e, assim, conheceu Andrea pessoalmente.

"Eu sempre pergunto, 'como é que você ouviu falar na gente?'. 'Por que resolveu vir aqui?'", contou Troy, também ao Outlook. "Aí faço várias perguntas sobre seu estilo de vida. E, aos poucos, tento ver se ela está confortável comigo."

"Nessa primeira consulta", disse Andrea, "eu saquei que seria cliente de Troy por um bom tempo". "Após o primeiro corte, já pensava 'tomara que ele não se aposente tão cedo'. A conversa fluía super bem. E, logo, a ida ao cabeleireiro passou a ser como visitar um amigo."

Enigmas do passado

Troy era cabeleireiro havia vários anos. Ele nasceu em Calgary, seus pais eram Maxine e Don.

"Don era do Exército canadense", disse Troy. "Quando ficou grávida, minha mãe tinha 16 anos e ele, 18. Minha avó disse 'ou você se casa ou você dá o bebê' — que era eu — 'para adoção'. Eles se casaram e ela me teve, aos 17 anos. Mas Don tinha sido enviado para fazer parte de forças de paz [canadenses] no Chipre, onde havia um conflito entre turcos e gregos cipriotas. E minha mãe praticamente me criou sozinha, como mãe solteira."

Os pais de Troy se separaram quando ele ainda era pequeno. Troy ficou com a mãe. Don, o pai, se casou de novo e se mudou para o outro lado do Canadá. Troy tinha pouco contato com ele. Mas, quando estava com sete anos, a mãe passou por dificuldades e enviou o filho para passar um tempo com Don.

"Minha mãe me colocou num avião", ele conta. "Eu ia ficar com meu pai, com quem nunca tivera uma relação. Estava bem ansioso e animado. Eu nunca esqueço quando cheguei a Toronto, e Don foi me buscar no aeroporto. Achei estranho o comportamento ele. Ele andava na minha frente, não interagia comigo. Um mês depois fui mandado de volta para minha mãe. Ele se afastou completamente de mim. Foi um mistério. Nunca me disseram por quê."

Também houve mistérios na história de Andrea. Seu pai, Erik Quint, tinha sido adotado e ela sempre ficou intrigada com a origem dele, especialmente ao encontrar um artigo de jornal de 1943 sobre a adoção.


"Minha avó era uma socialite e voluntária de várias causas", disse Andrea. "Ela estava trabalhando em um comitê ligado a uma escola, onde um assistente social fez uma apresentação sobre adoção. Ele estava contando como era difícil conseguir que algumas crianças em particular fossem adotadas. E deu como exemplo meu pai, dizendo que o lugar de onde veio, sua etnia, o tornariam indesejado para adoção. Era um bebê de pele e cabelo escuros, olhos castanhos. Achavam que tinha origem parte judia e parte indígena americana. Hoje em dia uma adoção internacional é algo de certa forma comum, mas na época, em 1943, as pessoas não queriam adotar crianças que fossem muitos diferentes dos pais adotivos."

"Minha avó, então com 60 anos, disse 'Eu adoto esse bebê!'. O assistente social disse que não seria possível. Provavelmente pensou que ela era velha demais ou louca (risos)... Mas minha avó insistiu. Quando chegou em casa disse a seu marido que queria adotar o bebê. E, como ele era uma pessoa influente na comunidade e pela determinação dela, eles conseguiram adotar meu pai."

Troy, por sua vez, passou duas décadas intrigado com o comportamento do homem que achava ser seu pai. E, aos 27 anos, resolveu ligar para Don, para saber por que o pai o havia enviado de volta à sua mãe e depois cortara o contato com ele.

"Ele disse: 'Tenho que te dizer Troy. Quando você saiu do avião, assim que olhei para você, eu vi que você não era meu filho. Lamento estar te contando isso agora. Mas eu disse isso para sua mãe na época e me dispus a fazer um teste de DNA. Eu parei de pagar pensão e me conformei com o fato de que você não era meu filho porque tua mãe nunca me pediu para fazer o teste e provar que eu era seu pai. E eu ainda aceito fazer o teste de DNA'."

Don nunca fez o teste e Troy achou que não seria uma boa ideia pressionar a mãe pela verdade. Ele decidiu deixar o assunto de lado. Mas ele continuava acompanhando a vida de Don pelo Google, até chegar a um obituário dele, em 2011. Esse obituário dizia que Don tinha deixado três filhos, todos do seu segundo casamento. Troy ficou fora.

A trilha do DNA

Por razões diferentes, tanto Andrea como Troy, quando se conheceram, já estavam pensando em fazer exames de DNA para saber mais sobre suas origens. E, aos poucos, o assunto foi entrando nas conversas no salão.

"A gente conversava sobre nossas famílias", conta Andrea. "Disse a Troy que meu pai tinha sido adotado e ele mencionou que sua mulher também tinha sido adotada e que tinha feito um teste de DNA, para saber mais sobre de onde veio e de onde era sua família. E eu disse: 'que interessante, eu também estava pensando em fazer um teste, porque meu pai foi adotado e eu adoraria saber mais da minha origem étnica, e eventualmente conhecer parentes biológicos'. E meu pai deu força nisso. Ele dizia 'isso é fantástico, vai fundo, você nunca sabe o que pode descobrir'."

Troy tinha ganhado um kit de DNA de sua mulher em um Natal, mas levou quatro anos para fazer o exame. Acabou que ele e a cliente Andrea fizeram o teste de DNA e receberam os resultados mais ou menos na mesma época. Andrea recebeu primeiro, na última semana de 2018.

"O teste confirmou que eu era judia", disse ela, "mas, em vez de indicar que eu era parte indígena, eu era parte chinesa, vietnamita e uma pequena parte tailandesa. Essa foi a descoberta mais interessante: que eu também sou asiática."

Troy: "A gente se via a cada seis semanas, mas era amigo no Facebook. E eu lembro quando recebi o resultado de responder a ela dizendo: 'Hey, eu também sou parte asiático, não é louco isso? E judeu também!'."

Andrea e Troy tinham a mesma porcentagem de DNA judeu e asiático, mas não deram muita bola para isso, achavam que muita gente devia ter um desenho genético parecido. Mas, pouco tempo depois, através de cruzamentos no banco de dados da empresa de DNA, Andrea fez uma descoberta preciosa: encontrou um tio, meio-irmão de seu pai, chamado P.J. Lennon.

Ela passou horas ao telefone conversando com o tio. Ele contou de sua infância difícil, disse que tinha outros irmãos e irmãs, mas que o pai de Andrea havia sido o único entregue para adoção. Dias depois, P.J. ligou para contar a Andrea que tinha acabado de encontrar, no banco de dados, outra pessoa com um perfil de DNA bem próximo deles.

"Ele disse que essa pessoa também vivia em Calgary e que tinha uma relação genética próxima com P.J. e comigo, portanto, deveria ser um primo ou um sobrinho. Alguns minutos depois ele me passou uma mensagem dizendo que estava mandando uma foto dessa pessoa. E, quando abri a foto... era o Troy!"

Troy contou que conversara por cerca de 45 minutos com P.J. pelo telefone. "Ficamos falando da família. Eu estava tremendo. Me perguntou se podia passar minha foto para essa sobrinha que ele tinha descoberto em Calgary. Dois minutos depois ele me liga de volta dizendo 'Meu Deus, Troy! Ela te conhece. Ela é tua cliente!' Eu comecei a perguntar 'Qual o nome dela? Qual o nome dela?' E ele disse, 'vou fazer uma teleconferência'. E era Andrea. Ficamos chorando, rindo, foi muito emocionante, com muitas risadas."

Andrea e Troy descobriram que eram meio-irmãos. Que Erik, o pai de Andrea, era o pai de Troy. Erik não lembrava da mãe de Troy e não tinha ideia de que tinha tido um filho com ela 15 anos antes de Andrea nascer. Eles aparentemente tinham tido um breve encontro antes de Erik conhecer a mãe de Andrea.

"Tivemos alguns encontros cheios de emoção", relatou Troy. "Quando apresentei Andrea à minha mãe, ela chorou muito. No dia de Ação de Graças, levei minha mãe à casa de Andrea para se encontrar com a família dela. Foi muito emocionante. E tiro o chapéu para Karen, a mãe de Andrea, que sempre foi aberta e carinhosa comigo."

"Para ela, Troy é como um filho", acrescentou Andrea.

Andrea encontrou um meio-tio e um meio-irmão. Troy encontrou um meio-tio, uma meia-irmã, um meio-irmão (o irmão de Andrea) e seu pai biológico.


E Andrea ainda ganhou um bônus, pois, segundo Troy, "agora ela ganha cortes e pinturas de cabelo de graça".