Patrimônio da cidade, destaladeiras de fumo são destaque no 2º Festival de Cinema de Arapiraca
Curta metragem sobre as destaladeiras conta com participação do saudoso Mestre Nelson Rosa
No último dia 15, fez seis anos da passagem do mestre Nelson Rosa, grande incentivador do coco de roda e do canto das destaladeiras de fumo de Arapiraca, saudoso baluarte da nossa Cultura.
E sua voz marcante pôde ser ouvida mais uma vez em depoimento inédito no curta-metragem “O Canto”, das diretoras arapiraquenses Isadora Magalhães e Izabella Vitória. O filme teve avant-première na abertura do 2º Festival de Cinema de Arapiraca no dia 13 deste mês de setembro, com exibição gratuita no Cinesystem, no Arapiraca Shopping.
Nelson — que era Patrimônio Vivo da Cultura Alagoana — conduzia o grupo das destaladeiras na Vila Fernandes e, com sua partida, quem assumiu à frente foi sua filha Regineide Rosa, agora como mestra.
Segundo ela, é preciso “cuidar do canto”, para que ele não se perca, pois os tais cantos não são mais ouvidos dentro dos salões de fumo, como antigamente.
“Estamos muito orgulhosas por esse reconhecimento! É a valorização do nosso trabalho artístico se abrindo para outros espaços, como esse aqui do cinema. Há pessoas que, de algum modo, criticam como se estivessem romantizando o trabalho árduo de destalo de fumo, mas é que, dentro dos salões, o canto nos impulsionava a ter mais leveza nessas atividades, que durava e dura horas. O canto espanta o cansaço e nos conecta num mesmo fio. O canto nos mantém acordadas para o mundo. É importante esse curta-metragem feito pelas ‘duas Isas’, por elas terem retratado as destaladeiras, também, como parte da construção econômica da cidade, para além do aspecto cultural atual. Foram essas mulheres aqui que deram duro para hoje sermos referência. Elas são a memória da cidade. E com esse filme, chegaremos a mais lugares e seremos realmente lembradas, pois o canto encanta”, diz a mestra Regineide Rosa.
O curta traz como destaque a mestra Rosália com seu pandeiro e seus óculos escuros, ora em casa se preparando para a labuta, ora destalando fumo, ora tocando e (en)cantando. Ao final do curta, todas se reúnem em festa de chita, mostrando que a vida é um processo que exige trabalho, mas, sobretudo, contato, afeto e congraçamento entre as pessoas que amamos.
Logo após a exibição, houve intervenção das próprias destaladeiras, levando o tal canto para ecoar dentro da sala de cinema, fazendo o público interagir com palmas e dançando coco. O som da presença. Nelson Rosa estava também ali.
“Estamos criando um movimento interno, ‘fervendo’ a cultura local, a partir do que essas mestras já vinham fazendo e nos ensinando. O filme carrega essa força. E essa é nossa homenagem, com profunda gratidão, a todas elas, em especial à mestra Rosália. Tudo o que elas fizeram e fazem preservam o nosso canto, o nosso lugar”, pontua Izabella Vitória, uma das diretoras do curta (confira entrevista abaixo com Isadora Magalhães).
Na década de 1970, Arapiraca foi tida como a “Capital do Fumo”, dada a pujança econômica que a cultura fumageira proporcionou à cidade, ganhando status nacional no segmento. Esse fato é registrado em músicas, literatura de cordel e no canto das nossas destaladeiras, recentemente alçadas ao título de Patrimônio Cultural e Imaterial de Arapiraca, através do vereador Wellington Magalhães.
Momento de gravação do curta metragem sobre as destaladeiras de fumo. Foto: assessoria
ABERTURA
Fizeram parte da frente de honra na abertura do 2º Festival de Cinema de Arapiraca a secretária Municipal de Cultura, Lazer e Juventude, Marília Albuquerque; o secretário-adjunto de Século Arapiraca, Januário Leite; a secretária Municipal de Educação, Eliete Rocha; a gestora de Economia Criativa do SEBRAE/AL, Helen Cavalari; o vice-reitor da Universidade Estadual de Alagoas (Uneal) campus Arapiraca, Anderson Almeida; o professor doutor Elthon Oliveira, do curso de Ciência da Computação, representando a Universidade Federal de Alagoas (Ufal) campus Arapiraca; o deputado estadual Ricardo Nezinho; e a diretora de Programas do Projeto Paradiso Multiplica, Rachel do Valle, além dos fundadores do Núcleo do Audiovisual de Arapiraca (NAVI) e organizadores deste Festival, Leandro Alves e Wagno Godez.
Este último iniciou sua fala, na verdade, cantando. Entoou um verso aboiado, homenageando o mestre Nelson Rosa e as destaladeiras ali presentes. Agradeceu pela persistência delas e pelo ideal inabalável de resgate às nossas tradições nordestinas.
“Passamos por anos obscuros recentemente, com o boicote explícito à Cultura e à Educação do nosso povo. E isso agora tem se restabelecido, reconstruído. Cabe a nós mantermos olhos e ouvidos abertos e, mais do que nunca, difundirmos os nossos saberes à frente, como o que presenciamos aqui. Para isso, pedimos a cota de telas nas salas de cinema, para que o audiovisual nordestino e brasileiro chegue a mais e mais pessoas. Temos produções fantásticas como as que vocês podem presenciar aqui no circuito de mostras do nosso Festival. É preciso igualmente regulamentar os streamings, pois além de produção simbólica, o cinema é também um mercado forte, com uma cadeia de profissionais atuando, trabalhando arduamente. Essa é a prova que há espaço, que há público. Viva o cinema independente! Viva o Festival de Cinema de Arapiraca!”, ressalta Wagno.
Na sequência, houve exibição do longa “Mais Pesado É o Céu”, do diretor cearense Petrus Cariry. Na ocasião, estava presente a atriz Ana Luiza Rios, que dimensionou o filme como “duro, tendo nascido em um momento também duro para o nosso país”. Ele conta a história de um bebê abandonado às margens de uma rodovia.