Seleção brasileira abre as portas para um técnico estrangeiro
CBF está em busca de um nome de consenso para o cargo
Sem um brasileiro que gere consenso e a caminho de completar 24 anos sem conquistar a Copa do Mundo, o Brasil está disposto a quebrar uma regra não escrita: contratar um técnico estrangeiro para a Seleção.
O trabalho de busca está nas mãos do presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ednaldo Rodrigues, que abriu as portas para um estrangeiro ocupar o cargo pela primeira vez em quase sessenta anos.
"Não temos preconceito de nacionalidade", garantiu o dirigente no dia 17 de janeiro, quando iniciou oficialmente as buscas após rescindir o contrato de Tite, cuja saída havia sido anunciada independentemente do resultado no Mundial do Catar.
"Queremos que ele seja um técnico respeitado, que possa dar um nível de jogo de acordo com os atletas. Queremos fazer o que o Brasil sempre procurou fazer: ser muito ofensivo", completou.
Em muitos outros países a cor do passaporte passaria despercebida, mas não na pátria da seleção mais vezes campeã mundial (1958, 1962, 1970, 1994 e 2002), feito sempre conseguido com um brasileiro no banco.
O jejum, porém, mudou as coisas: a seleção canarinho não ergue a taça desde 2002; foi eliminada pelos europeus nas últimas cinco Copas do Mundo; a Argentina, arquirrival, se sagrou campeã em Doha, e nenhum técnico brasileiro recebeu apoio unânime.
"Temos boa qualidade, mas antigamente nós formavámos mais técnicos do que na atualidade. A nova geração ainda não está fixa, não ganha títulos suficientemente para ser inconstestável", disse recentemente Luiz Felipe Scolari, último técnico a vencer uma Copa do Mundo com o Brasil.
Tabu do 'gringo'
Desde antes de Tite deixar o cargo, no qual formou um time de recordes, mas sem conseguir superar as quartas de final na Rússia-2018 e no Catar-2022, a imprensa local e internacional já havia ventilado nomes de inúmeros candidatos.
Entre eles se destacam os espanhóis Pep Guardiola e Luis Enrique, o italiano Carlo Ancelotti, o francês Zinedine Zidane, o português José Mourinho e os argentinos Marcelo Gallardo e Mauricio Pochettino.
Também apareceram portugueses com conhecimento do futebol local, como Abel Ferreira (Palmeiras) e Jorge Jesus (ídolo do Flamengo). Guardiola e Ancelotti já descartaram assumir a seleção brasileira.
"Até o final do ano passado acho que ouvi 26 nomes. Vamos buscar alguns deles", disse Rodrigues, que espera confirmar o novo comandante até março.
A tarefa de contratar um técnico de nível mundial em tempos em que os clubes têm cofres cheios parece difícil.
Mas também não é fácil dizer aos brasileiros que um 'gringo' vai comandar a Seleção: 48% são contra e 41% são favoráveis, segundo pesquisa de dezembro do Instituto Datafolha, que pelo menos mostra uma queda na rejeição em relação às pesquisas anteriores.
"No Brasil há essa ideia de que nós temos o melhor futebol do mundo e não precisamos de um técnico estrangeiro dizendo como jogar, nós que sabemos formar grandes jogadores, que em parte criamos o drible, o jeito de jogar bonito. Como vamos aceitar um estrangeiro dizendo como nós brasileiros devemos jogar?", diz à AFP Victor Figols, historiador e editor do portal esportivo Ludopédio.
Falta matéria prima?
Os estrangeiros foram barrados quando o Brasil, com seu talento da casa, se firmou como potência do futebol mundial.
Apenas três estrangeiros ocuparam o cargo, todos de maneira fugaz e circunstancial: o uruguaio Ramón Platero (1925), o português Jorge Gomes de Lima, juntamente com o brasileiro Flávio Costa (1944), e o argentino Filpo Núñez (1965).
O empirismo venceu a corrida contra os estudos, e a terra de Pelé viu poucos de seus filhos (Scolari, Vanderlei Luxemburgo, Carlos Alberto Parreira, Ricardo Gomes, Zico) conquistarem espaço em outras latitudes.
"O Brasil construiu uma imagem da seleção brasileira e do futebol brasileiro de que nós sabemos formar grandes jogadores e consequentemente nós sabemos formar grandes técnicos. O que não é verdade. Se a gente observa o ranking da Fifa dos melhores treinadores do ano, os brasileiros não estão nem entre os dez", acrescenta Figols.
A imprensa brasileira aponta Dorival Junior (campeão com o Flamengo da Libertadores-2022), Fernando Diniz (Fluminense), Renato Portaluppi (Grêmio) e Mano Menezes (Internacional) como opções da casa.
Nenhum tem os retrospecto de Tite quando assumiu: ele havia conquistado tudo ao alcance de um clube brasileiro, inclusive o Mundial de Clubes (2012) pelo Corinthians, o último conquistado por uma equipe sul-americana.
"Independentemente de se contratar um estrangeiro ou brasileiro, é necessário melhorar o nível dos que vivem aqui", escreveu Paulo Vinicius Coelho, autor do livro "Escola Brasileira de Futebol", no jornal Folha de São Paulo.
"Guardiola não virá. Isso não impede que o Brasil possa sair do sonho e começar a criar condições para ter uma geração de técnicos modernos. Formar o nosso próprio Pep Guardiola em alguns anos, como um dia formamos Zagallo e Telê Santana", acrescentou.