Ministério Público lança campanha de combate à violência sexual
Somente em Maceió, em 2016, 107 ações foram ajuizadas contra estupradores de crianças e adolescentes
“Ele me pegou pelo braço, ameaçou-me de morte caso eu tentasse fugir, fechou a porta da casa, levou-me para dentro do quarto, jogou-me em cima da cama, tirou a roupa e me obrigou a praticar sexo oral e carnal. Puxou meus cabelos várias vezes e não consegui me esquivar porque tamanha era a sua força. Depois chegou um outro homem, o Rose, que também me obrigou a praticar sexo. Ele fazia ameaças de cortar o meu cabelo se eu não fizesse o que estava mandando. Quando o Rose saiu, chegou o terceiro, que sequer sei o nome, e deu um tapa em meu rosto antes de começar o abuso. Nesse momento, o Rose e os outros agressores entraram no quarto para filmar o que estava acontecendo. Ele me mandava ficar de perna aberta, caso contrário, iria me matar”.
O relato assustador é da adolescente Maria Eduarda - nome fictício -, de 14 anos, violentada sexualmente por quatro homens entre os dias 07 e 08 de outubro de 2015, no Conjunto Aprígio Vilela, no complexo Benedito Bentes, em Maceió. A jovem, que havia saído de casa a procura do irmão, quando foi vista por um dos agressores, identificado apenas como Fábio, apelidado de 'Chapa Jhow', foi forçada a entrar na residência dele. Começavam ali os seus momentos de horror.
O caso de estupro envolvendo Maria Eduarda foi apenas mais um dos que chegaram à 59ª Promotoria de Justiça da Capital, que tem atribuições para atuar em crimes contra criança, adolescente, idoso, além de infrações de trânsito. Sob a titularidade da promotora de Justiça Dalva Tenório, a promotoria vê crescer a quantidade de abusos praticados contra crianças e adolescentes. Só este ano, ela já ajuizou 64 denúncias contra agressores. “Os casos são revoltantes e nos levam a refletir sobre a capacidade do ser humano em fazer o mal. Só uma mente má ou doentia é capaz de tamanha barbaridade. E foi justamente por causa desse número crescente de casos que vitimizam tantas pessoas que o Ministério Público Estadual de Alagoas resolveu criar uma campanha de combate ao abuso sexual infantojuventil e contra mulheres. Nosso foco serão as redes sociais que, atualmente, possuem um poder de mobilização gigantesco”, afirmou ela.
“O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é claro, em seu artigo 3°, ao dizer que criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana e que lhes devem ser assegurados, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, com o objetivo de proporcionar a eles o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Então, essas pessoas não podem estar, de forma alguma, desprotegidas, especialmente, em seu próprio lar. As famílias precisam dar aos seus filhos um ambiente de amor e de paz e agir de todas as formas para protegê-los. Inclusive, essa proteção é essencial para que, em caso de uma agressão sofrida, a vítima tenha confiança para denunciar o agressor”, explicou o procurador-geral de Justiça, Sérgio Jucá.
A campanha
Pensando em novamente alertar os alagoanos sobre os números crescentes do crime de violência sexual contra crianças, adolescentes e mulheres, o Ministério Público Estadual de Alagoas resolveu lançar uma campanha para as redes sociais. Com o nome #MPEALContraoEstupro, ela tem 11 cartelas que tratam do assunto, tipificam o crime, falam das penalidades e seus agravantes, orientam as vítimas sobre como proceder em caso de abuso, incentivam a prática da denúncia contra o agressor e alertam os pais a ficarem atentos com relação ao comportamento dos filhos.
Todo esse material será utilizado nas redes sociais do MPE/AL: Whatsapp, Facebook - www.facebook.com/mpalagoas, Instagram - @mpealagoas - e Twitter - @mpeal.
Essa não é a primeira vez que o MPE/AL faz campanha envolvendo o mesmo tema. Em 2014, a campanha 'Com criança não se brinca', realizada em parceria com a Ademi/AL, o Sinduscom/AL e o Sesi, percorreu canteiros de obras, escolas públicas e privadas e comunidades de vários bairros de Maceió para falar sobre a violência sexual que agride a infância e a juventude alagoana. A ação foi considerada um sucesso e foi às ruas com cartazes, panfletos, propaganda para TV, spots de rádio e cartelas para as redes sociais.
Agora, o Ministério Público decidiu voltar a falar sobre o assunto, um objetivo que ganhou ainda mais força depois do estupro coletivo ocorrido no Rio de Janeiro no final do mês passado, onde uma adolescente de 16 anos foi violentada sexualmente por um grupo de rapazes no Morro do Barão, Zona Oeste da capital carioca.
Os números contra as vítimas
Nas 59ª e 60ª Promotorias de Justiça da Capital, só agora em 2016, houve a propositura de 107 ações penais contra homens acusados de violência sexual. A promotora Dalva Tenório ajuizou 64 denúncias, tendo sido quatro em janeiro, 15 em fevereiro, 19 em março, 14 e abril e 12 em maio último. Já o promotor Eládio Estrela propôs as outras 43: 07 em fevereiro, 12 em março, seis em abril e as demais, 18, no mês passado. Todas as vítimas são crianças e adolescentes.
Também houve ações penais ajuizadas contra agressores que estupraram mulheres e o oferecimento das denúncias foi feito pelas Promotorias Coletivas Criminais de Atribuição Não Privativa. Para cada uma delas, um promotor atua na busca de justiça para as vítimas. E somente este ano, o Ministério Público já fez 108 manifestações em ações de crime contra a dignidade sexual. Em 2015 foram 345.
E para esclarecer, são considerados crimes contra a dignidade sexual, além do estupro, violação sexual mediante fraude, assédio sexual, tráfico de pessoa para fim de
prostituição ou outra forma de exploração sexual, rufianismo, satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente, dentre outros.
Mirya Ferro, titular da 54ª Promotoria de Justiça, confirma que os casos de estupro têm crescido contra mulheres e ela ressalta a importância das vítimas não se calarem: “Sabemos que a mulher sai de uma situação dessa completamente fragilizada, porém, ela não deve emudecer porque é nesse silêncio que os agressores se confiam. A vítima precisa procurar uma delegacia e relatar o ocorrido. Ela será ouvida pela Polícia Civil, que abrirá um inquérito. A realização do exame de corpo de delito nos momentos seguintes é fundamental para comprovar a prática do crime. Também é importante guardar a aparência física, as roupas e outros detalhes que ajudem na identificação do agressor”, lembrou a promotora.
“Evitar andar sozinha por ruas poucos iluminadas e movimentadas é uma medida importante para evitar a violência sexual. É fundamental também ter a compreensão que muitas agressões ocorrem em ambientes familiares. Então, procurar ajuda para a solução de seus problemas, antes que o crime aconteça, é primordial. Vale destacar que é importante estar atento ao comportamento de pais, companheiros, parentes e vizinhos, evitando o assédio que pode incorrer no abuso sexual”, disse a promotora de Justiça.
O crime
São diversas as legislações que tipificam como crime o abuso sexual contra crianças e adolescentes e contra adultos. A prática delitiva encontra respaldo na Constituição Federal, no Código Penal, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), na Lei nº 8072/1990 - Lei dos Crimes Hediondos - e na Lei nº 11.829/2008 – que alterou o ECA.
No Código Penal brasileiro, por exemplo, o estupro é crime previsto no art. 213 e está tipificado como a conduta de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal com o agressor ou ser forçado a prática de ato libidinoso. A pena para o criminoso que comete esse tipo de ilícito pode variar entre 6 a 10 anos de reclusão.
A penalidade pode ser aumentada a depender dos agravantes. Se a conduta resultar em lesão corporal de natureza grave, a sanção passa a ser de 8 a 12 anos. E se a agressão culminar com a morte da vítima, a pena chega a 30 anos de prisão.
O mesmo Código Penal, em seu artigo 217-A, define o estupro de vulnerável: “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (quatorze) anos implica em pena de reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos”. Mas, o tempo do acusado permanecer atrás das grades pode ser bem maior, a depender dos agravantes. Por exemplo, se a conduta do agressor resultar na morte da vítima, a pena passa a ser de reclusão entre 12 (doze) a 30 (trinta) anos.