Como um dependente químico se tornou um ativista no combate ao uso de drogas
Após passar por 10 internações e sete tentativas de suicídio, Williams retoma a vida e hoje é conselheiro terapêutico, atuando em parceria com a PM
Como, após chegar ao fundo do poço, uma pessoa consegue se reerguer? A resiliência pode ser um estado difícil de praticar para quem passou por árduos momentos. Mas é neste estado que o conselheiro terapêutico, palestrante, especialista em Dependência Química e acompanhante terapêutico, Williams Leite, de 36 anos, se encontra, depois de ser usuário de crack, cocaína, maconha e outros tipos de entorpecentes; tentar suicídio por sete vezes, ser internado 10; ser preso duas; morar na rua e ainda adquirir doenças psicológicas em decorrência do uso excessivo de drogas. Atualmente, o dependente químico em recuperação tem uma parceria com a Polícia Militar, e promove palestras nas escolas para prevenir o uso de drogas por crianças e adolescentes.
Williams conta que a escolha em desenvolver atividades de conscientização nas escolas ocorreu porque o seu primeiro contato com produtos ilícitos foi aos 11 anos, no banheiro do colégio em que estudava. A droga, conhecida como “Loló” e o uso constante de álcool, foram, para ele, os primeiros degraus para o vício.
“Fui contaminado por colegas de escolas, onde eu tinha um vínculo com eles. Então entrei no processo de contaminação progressiva, do menor para o maior, com outras substâncias mais pesadas”, afirma Williams.
Aos 12 anos foi à vez de experimentar a maconha, e a partir daí, segundo o relato do então usuário, seu comportamento foi caracterizado por início de euforia misturado a sentimento de conforto. Isso porque, não demorou muito para que conhecesse o Crack, Cocaína e drogas injetáveis.
“Eu fiquei muito curioso em usar outras drogas e acabei experimentando. Passei nove anos usando o crack, cocaína e Potenay injetável [espécie de medicamento destinado a animais, em especial para cavalos], mas o crack foi à droga que devastou tudo que eu tinha”, considera.
Doenças Adquiridas e tentativas de suicídios
O uso de drogas potentes como o crack levou o palestrante a adquirir doenças psicológicas expressivas, como a síndrome do pânico, esquizofrenia, depressão e bipolaridade. O vício perpassou ao campo das drogas ilícitas e se tornou recorrente também aos medicamentos que precisou tomar quando se internou em diversos hospitais psiquiátricos por dez vezes, tanto em Alagoas, como em Pernambuco. “Tomei de tudo” explana Williams, ressaltando que chegou a pesar 120 quilos, nos nove anos em que se medicou com os remédios controlados.
Além das doenças, o conselheiro também teve perdas materiais significativas. Saiu de casa e passou a dormir na rua, próximo à rodoviária de Maceió, junto a outros usuários. A academia, que chegou a abrir, foi fechada algum tempo depois. Ele também perdeu o carro em decorrência do uso.
“O mais difícil para mim foi quando eu fiquei amarrado em uma sala de um hospital psiquiátrico durante 31 dias, preso em uma maca. Os técnicos só me desamarravam às 4h da manhã para tomar banho”, lembra Williams.
As crises e ataques psicóticos levaram Williams a se mutilar e a tentar se suicidar por sete vezes. “Estava cansado de viver em função da droga, e tomei a decisão de morrer”, afirma, lembrando-se do sofrimento que isso causou aos familiares, principalmente à mãe.
As tentativas de suicídios foram motivadas pela abstinência do uso de drogas, em que, afirma Williams, ele chegava ao ponto de salivar, ansiando os entorpecentes. “Fiquei mais louco durante os tratamentos, porque fiquei sem a droga, não tinha como usar, só vivia internado”, recorda.
Na última tentativa de suicídio, o palestrante ficou em coma por 22 dias, entubado e respirando através de aparelhos respiratórios. Durante o coma, ele também teve uma parada cardiorrespiratória. Neste momento, a certeza dos médicos era apenas uma: não havia mais chances de vida para Williams.
“Sabe quando a pessoa entra no coma e ouve outra pessoa falar? Eu ouvi quando minha mãe falou e gritou do meu lado chamando por Deus. Neste momento eu reagi”, conta. “Eu tive um despertar em minha vida”, finaliza.
Surgimento de um novo homem
A história merece um livro e já se passaram cinco anos em que ela aconteceu. Atualmente, Williams está em recuperação e é um ativista na luta, combate e prevenção ao uso de drogas.
Ele atua em escolas públicas e privadas do estado de Alagoas, como colaborador da Polícia Militar – a mesma que já o prendeu, localizada em São Miguel dos Campos-, e como palestrante, promovendo ações de incentivo à educação e contando sua história de vício e superação.
“Meu alvo é a escola, porque é através dela que muitos conhecem a droga”.
Entretanto, as escolas são apenas um nicho de locais visitados por ele e sua equipe. Williams também atua em faculdades e clínicas de recuperação, atendendo todos os públicos.
“Hoje eu dou palestra para aqueles que se encontram onde um dia eu já estive”, complementa, referindo-se as clínicas de reabilitação.
Para chegar a ser conselheiro terapêutico e buscar a prevenção do uso de drogas nas escolas, o primeiro passo para Williams foi se capacitar e se especializar no assunto. “Percebi que não podia ficar parado e pedi a Deus sabedoria para ajudar outras pessoas”, conta em entrevista a uma emissora de TV.
Após capacitar-se, ele tomou a iniciativa de palestrar voluntariamente. E para isso, com uma moto que possuía, saiu pelas cidades do interior alagoano, buscando permissão nas escolas para passar mensagens e conselhos aos estudantes. “Criei um modo de dar palestras para conquistar os jovens, de forma que tenham um entendimento daquilo que estou passando”, explica.
Atualmente ele vive das palestras e ações que promove, e até já recebeu uma homenagem do Batalhão da Polícia Militar Escolar de São Miguel dos Campos. “Hoje trabalho ao lado da mesma polícia que me prendeu”, felicita.
A dura e necessária fase de recuperação
O psicólogo da Secretaria Estadual de Prevenção a Violência (Seprev), José Amilton Júnior, afirma que existem três alternativas de internação para um usuário de drogas: a compulsória, a involuntária e a voluntária. A primeira ocorre quando a determinação é judicial. O indivíduo não aceita receber ajuda, mas a justiça ver como necessária a sua internação. Ele pode ser designado para uma clínica de recuperação involuntária, ou até mesmo para um hospital psiquiátrico.
A segunda é quando a decisão parte da família. O dependente ainda resiste, mas a família entende que ele precisa ir para um local adequado para o seu tratamento. Neste caso, ela envia uma carta ao Ministério Público do seu Estado, e pede uma recomendação, assinada. Depois de concedida, a clínica involuntária busca o indivíduo para internação.
“A clínica involuntária entra para ajudar aquele que acredita não precisar de ajuda, mas precisa”, afirma Júnior, acrescentando que a resistência dos dependentes acontece, geralmente, nas três primeiras semanas, depois, eles acabam compreendendo que o ambiente foi feito para auxiliá-lo no processo de recuperação.
A terceira maneira é a mais leve, mas, segundo o psicólogo é mais eficiente. Funciona quando o próprio usuário de drogas compreende que precisa de ajuda, e ele mesmo se oferece à reabilitação. Geralmente, nestes casos, ele não usa medicamentos, mas tem acompanhamento de profissionais.
“É preciso entender que dependência química é uma doença e não uma ‘frescura’ como denominada por muitos, mas para se recuperar, o ponto primordial é a vontade de o usuário querer se ajudar, pois caso contrário, ele pode voltar a usar”, aponta o psicólogo.
E quando é o momento que o indivíduo compreende que precisa de ajuda? Williams passou por todos esses processos e chegou a ser internado em um hospital psiquiátrico devido aos inúmeros transtornos psicológicos que o afetaram e admite que só houve um resultado efetivo em seu tratamento, quando ele percebeu que precisava de ajuda, e isso só ocorreu, quando sentiu que literalmente chegou ao fundo do poço.
E o psicólogo confirma: “Se ele acha que não chegou ao fundo do poço, provavelmente ele vai ter outra recaída. A reabilitação acontece quando o indivíduo passa a entender que precisa mudar de vida, senão ele vai morrer naquela situação. Ele realmente cria forças no seu interior para começar o tratamento”.
A vontade de querer mudar é o primeiro passo, no entanto, essa condição precisa de complementos. É quando entra a psicologia, a psiquiatria, a assistência social, a espiritualidade, os grupos de apoio e o ambiente para assegurar que esse desejo de mudança permaneça.
Hospital psiquiátrico ou clínica de reabilitação?
O psicólogo explica que a escolha de um local para a recuperação depende principalmente do usuário e do grau de problema em que ele se encontra. Os hospitais psiquiátricos agem somente em casos bastante específicos, como em situações de comorbidade no paciente – quando ele possui doenças e transtornos relacionados ao uso excessivo de drogas e que agem simultaneamente no indivíduo- ou em casos de desintoxicação, em alcoolismo grave, por exemplo. No entanto, a internação em um hospital psiquiátrico depende também do nível das doenças psicológicas.
As clínicas, por sua vez, são mais voltadas para o vício e reabilitação. E São nelas que o indivíduo aprende a conviver sem o uso de drogas.
“Em todas as situações, o acompanhamento de um psicólogo é imprescindível”, assegura.