Brasil

Dilma encara provável discurso final como presidente com 'alívio'

Dilma não queria ir ao Senado; resistiu até a semana passada, mas foi convencida por aliados

Por UOL - Folha de São Paulo 29/08/2016 06h06
Dilma encara provável discurso final como presidente com 'alívio'
Dilma encara provável discurso final como presidente com 'alívio' - Foto: Folhapress

Dilma Vana Rousseff, 68, começou a se preparar para aquele que deve ser seu último discurso como presidente da República há 13 dias.

Muitas vezes sozinha, dedicou-se exaustivamente à elaboração de sua defesa para encarar, nesta segunda-feira (29), no Senado, um de seus maiores fantasmas: a divergência.

Pediu a aliados sugestões por escrito, separou documentos —alguns jurídicos e outros, para inspiração, da Era Vargas— e reuniu números: um roteiro comum para quem já treinou 17 horas seguidas para um debate eleitoral na campanha de 2014.

No domingo (28), um pouco mais calma, recorreu a seu advogado, José Eduardo Cardozo, e a sua assessora Sandra Brandão, que conhece, com precisão decimal, os dados sobre seu governo, para discutir os últimos ajustes de sua fala, que define como o momento mais difícil desde seu afastamento do cargo.

Dilma não queria ir ao Senado. Resistiu até a semana passada, mas foi convencida por aliados de que era um bom momento para "fazer história".

Esperava encerrar logo o ciclo e, como disse aos mais próximos, ficará "aliviada" em acabar com a agonia pessoal que foi para ela o processo de impeachment.

A obsessão por afastar o contraditório teve reflexo direto na perda de condições para governar ao longo de seu segundo mandato, dizem auxiliares.

Dilma foi se desvinculando de quem discordava dela e passou a ouvir cada vez menos os divergentes, inclusive o ex-presidente Lula.

Cercou-se de pessoas que diziam "sim" para tudo o que ela ordenava, que tinham medo de seus famosos ataques de fúria quando confrontada e que não puderam evitar que esse comportamento fizesse ruir também seu relacionamento com o Congresso.

Nesta semana, enquanto revezava-se entre a elaboração de seu discurso e o mapeamento de votos que teria no Senado —para aprovar o impeachment são necessários 54 dos 81 votos—, a petista sentiu os reais reflexos de sua personalidade.

Um aliado escalado para convencer senadores indecisos a conversar pessoalmente com Dilma ouviu a constatação retórica de um deles: "Mas ela nunca me recebeu antes". Foi entusiasmado a "olhar o futuro", porém não se sabe se foi convencido.

A presidente afastada diz ter consciência de que as sessões do impeachment no Senado são "teatrais", que as decisões estão tomadas e que será muito difícil mudar algum voto com sua fala.

Preferiu não assistir aos senadores pela TV, mas pediu a assessores os discursos de aliados por escrito, para ter uma ideia do que se passava.

Ela quer fazer uma fala forte, pessoal e que sirva, em suas palavras, como um "registro histórico do golpe".

NUNCA MAIS

Caso seu afastamento definitivo seja confirmado nesta semana, Dilma quer deixar o Alvorada o mais rápido possível e voltar a Porto Alegre. Seu apartamento fica em um prédio antigo, daqueles com ambientes amplos, em um bairro de classe média alta da cidade. É ali que pretende descansar por um tempo.

Amigos apostam que Dilma deve participar de atos organizados por movimentos sociais, pode dar aula, mas não militará no PT, partido com o qual esteve às turras até a reta final do processo.

Ela também já esboçou vontade de escrever um livro e nele poderia lembrar de outro momento que, assim como no do julgamento do impeachment, foi tomada pela agonia que acabou em alívio.

Em 26 de outubro de 2014, segundo turno das eleições presidenciais, Dilma reuniu aliados na biblioteca do Alvorada.

Regados a uísque, água de coco e suco de caju, petistas assistiam apreensivos à apuração acirrada de votos pela TV.

Michel Temer, hoje presidente interino e ali candidato a vice na chapa da petista, estava sentado com a mulher, Marcela, no sofá preto, longe dos outros.

Quando sua reeleição finalmente foi anunciada, Dilma abraçou Lula, seu antecessor e padrinho político, e soltou aquele que pareceu aos presentes o seu maior suspiro: "Eu nunca mais vou fazer isso".

Dilma diz que está 'segura' e que ficará no Senado o quanto for necessário

Um dia antes do discurso que fará no plenário do Senado, a presidente afastada, Dilma Rousseff, afirmou neste domingo (28) a senadores que está "segura" e ficará no plenário "até o horário necessário".

Dilma conversou por viva-voz com senadores de sua base aliada que estavam reunidos no apartamento de Lídice da Mata (PSB-BA) e foi questionada sobre sua "disposição" em ficar muitas horas respondendo a perguntas dos parlamentares, visto que há 47 inscritos até agora.

Segundo presentes, Dilma respondeu que estava sendo "pega de surpresa" com a dúvida mas que achava melhor "esgotarmos até o horário necessário".

"Ela está disposta a amanhecer respondendo", afirmou Randolfe Rodrigues (Rede-AP) ao sair do encontro marcado para definir as estratégias que os senadores adotarão na sessão desta segunda (29), com a presença da petista.

A presidente afastada estava no Palácio da Alvorada para um jantar com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, entre outros aliados, quando recebeu o telefonema da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), que também estava na residência de Lídice. Durante a ligação, senadores e Dilma trocaram impressões sobre o julgamento e a petista agradeceu o "empenho" dos congressistas.

Apesar dos esforços, nem mesmo os auxiliares mais próximos à petista acreditam que o discurso dela possa reverter votos. A fala de Dilma deve durar pouco mais de trinta minutos, adotar um tom emocional e registrar na história os efeitos do que ela chama de "golpe".

Durante boa parte deste domingo (28) Dilma se preparou para o discurso e as perguntas que deverá responder dos senadores, tanto de sua base como de oposição.

 

Da reunião na casa de Lídice participaram cerca de 12 senadores, entre eles Humberto Costa (PT-PE), Lindbergh Farias (PT-RJ), Jorge Viana (PT-AC), Vanessa Grazziotin (PC do B-AM), Roberto Requião (PMDB-PR), entre outros. 

Oposição quer evitar 'vitimizar' durante discurso de defesa no Senado

Na véspera do discurso de defesa de Dilma Rousseff no Senado, a presidente afastada disse em telefonema a senadores aliados que está "segura" e que ficará no plenário "até o horário necessário" -47 senadores já se inscreveram para lhe fazer questões.

O ex-presidente Lula chegou no fim da tarde de domingo (28) a Brasília para se reunir com Dilma e acertar detalhes do discurso. Ele foi ao Alvorada jantar com a presidente afastada e aliados, como o presidente do PT, Rui Falcão.

Parlamentares de partidos como o PSDB, DEM e PP, por sua vez, se reuniram para definir uma estratégia. A ideia é priorizar o embate sobre aspectos técnicos que circundam o impeachment e tratar Dilma com tom respeitoso.

Mas ninguém garante que esse roteiro seguirá sem desvio. "É a presidente quem vai dar o tom", resumiu o senador Aécio Neves (PSDB-MG).

Há grande preocupação em não dar a Dilma a chance de se "vitimizar". "Agora, se o tom da presidente for outro, obviamente a reação será à altura", concluiu Aécio.

 

Líderes dos partidos orientaram senadores a manterem tom cerimonioso. "Dilma vai jogar com emoção para tentar conquistar algum voto, mas esse jogo está jogado e só resta a ela a vitimologia, argumentos não existem", disse Agripino Maia (DEM-RN). 

"A ordem é distribuir 'maracugina' para todo mundo e evitar a criação de fatos novos, sem cair em provocação."

Senadores adversários do PT não querem arcar com o ônus de protagonizar ataques pessoais à petista sem um precedente.

"Agora, lá em Goiás temos um ditado que diz que o risco que corre o pau, corre o machado", disse Ronaldo Caiado (DEM-GO).

Apesar da expectativa em torno do encontro com Dilma, a oposição minimizou o impacto de sua fala sobre os colegas de plenário. "Acho que todos chegarão aqui na segunda sabendo que botão apertar na votação", disse Aécio.

Dilma chegará ao Senado de manhã —sua fala está marcada para 9h— com o advogado de defesa, ex-ministro José Eduardo Cardozo.

Será recepcionada pelo presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), que ofereceu seu gabinete para ela se concentrar antes de entrar em cena.

Há grande expectativa sobre quem acompanhará a fala da petista no local. Entre os convidados estão Lula e o compositor Chico Buarque.

Eles podem se deparar com líderes de grupos anti-PT. A lista da acusação, entregue pela advogada Janaína Paschoal, coautora do pedido de afastamento, tem 30 nomes, como os de Kim Kataguiri (Movimento Brasil Livre), Rogério Chequer (Vem pra Rua) e Carla Zambelli (Nas Ruas).

Chico, aliás, virou alvo de gracejos dos antipetistas. Neste domingo, perguntado sobre que tema dedicaria ao cantor na sessão, Caiado cantarolou "amanhã vai ser outro dia".

Chico Buarque irá ao Senado para ver defesa de Dilma

Chico Buarque irá ao Senado para assistir à defesa da presidente afastada, Dilma Rousseff, na sessão do impeachment nesta segunda-feira (29)

 

Ele foi um dos cerca de 20 convidados da presidente afastada. Dilma pediu para que o Senado autorizasse a entrada de algumas pessoas escolhidas por ela, entre elas o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

 

A presença de Buarque foi confirmada na madrugada desta segunda.

Buarque participou de programas eleitorais de Dilma e, desde o início do processo de impeachment, militou contra o seu afastamento.

Ele também está entre os artistas que fizeram, no último domingo, carta contra o impeachment. Além dele, assinam o documento Caetano Veloso, as atrizes Camila Pitanga, Dira Paes e Marieta Severo, a poeta Alice Ruiz e os professores Jurandir Freire Costa e Marco Luchesi.