Eleições 2016

Dados desatualizados inflam índice de abstenção nas eleições

Não-comparecimento pode ser influenciado também pela desatualização dos dados de eleitores

Por UOL - Folha de São Paulo 04/10/2016 08h08
Dados desatualizados inflam índice de abstenção nas eleições
Dados desatualizados inflam índice de abstenção nas eleições - Foto: Divulgação/Internet

Apesar da taxa de abstenção em 17 das 26 capitais ter subido em relação às eleições de 2012, ela caiu nas cidades que realizaram o recadastramento biométrico obrigatório nos últimos quatro anos.

Isso sugere que o aumento no não-comparecimento pode ser influenciado também pela desatualização dos dados de eleitores.

Segundo dados do TSE, a taxa de abstenção média nas capitais no primeiro turno foi de 16,7% em 2012 para 16,8% neste ano. Nas 12 cidades que fizeram o recadastramento recentemente, esse número caiu de 16,55% para 13,2%.

Por outro lado, se forem consideradas apenas as capitais que nunca fizeram o recadastramento –caso de São Paulo e Rio– as abstenções chegaram, em média, a 21,2%. Em 2012, esse número foi 18,5%.

Isso pode ter acontecido porque eleitores que mudam de cidade e não se cadastram em um novo local, assim como mortes não reportadas, inflam os índices de abstenção. Nos locais onde houve o recadastramento recentemente, os dados dos eleitores estão mais atualizados e a ocorrência desses registros errados tende a ser menor.

Para José Álvaro Moisés, professor de Ciências Políticas da USP, a questão burocrática é um dos fatores que explica a subida da abstenção, mas não se pode descartar que também pode haver uma motivação política para o fenômeno.

"Na medida em que a população ganha experiência em votações, começa a questionar o porquê de o voto ser obrigatório. E, em função dessa reflexão, uma parte não comparece ao pleito", afirma Moisés. Para ele, um desestímulo causado pela crise política também pode influenciar o não-comparecimento.

Percentual de votos nulos, brancos e abstenções aumenta e desperta debate

No último domingo (2), 1.155.850 eleitores da capital paulista, 16,6% dos que foram votar, estiveram diante da urna eletrônica, mas não optaram por nenhum dos 11 candidatos à prefeitura.

O número representa aumento de 30% em relação a 2012, que teve 12,8% de brancos e nulos e é o mais alto desde a redemocratização.

É um contingente maior que a votação do segundo colocado na eleição, o prefeito Fernando Haddad, do PT, que recebeu 967.160 votos -João Doria (PSDB) foi eleito com mais de 3 milhões de votos.

O exemplo de São Paulo se repetiu em outras capitais (ver quadro ao lado) e, segundo especialistas, é sintoma do descontentamento do eleitor com a classe política.

Para o cientista político Aldo Fornazieri, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, a combinação de duas crises resultou no alto número de votos inválidos. "Nem os políticos nem os partidos deram respostas aos cidadãos sobre a crise da corrupção e nem sobre a crise do estado que não funciona", diz Fornazieri.

"O desgaste era previsível, já que a maioria da população considera que os políticos são corruptos e também não conseguem promover os benefícios e os direitos que os cidadãos necessitam", diz.

"Ficou evidente a dificuldade do sistema político em oferecer alternativas. As pessoas estão desconfiadas dos políticos de carreira que volta e meia estão envolvidos em problemas", disse Marco Antonio Carvalho Teixeira, cientista político e professor da FGV/EAESP.

"A impressão do eleitor é de que a política não pode mais ser consertada por políticos. O eleitor quer um tipo de moralidade que eles julgam só encontrar fora da política", diz.

O cientista político da USP José Álvaro Moisés diz que a Lava Jato e o mensalão foram determinantes para esse desalento dos eleitores, mas também aponta para problema estruturais. "Essas críticas se acentuaram recentemente depois dos escândalos de corrupção, mas o mau funcionamento das instituições também exerce influência sobre isso", diz.

Moisés cita como exemplo o sistema de lista aberta usado em eleições proporcionais que, na prática, possibilita que "puxadores de votos" elejam outros nomes de seus partidos, muitas vezes desconhecidos dos eleitores.

"Os eleitores não se sentem estimulados a acompanhar o trabalho de quem elegeu. Tanto que muitas pessoas esquecem em quem votaram pouco tempo depois. O sistema político não ajuda a fazer esse nexo de representação", diz Moisés.

O alto descontentamento, segundo os especialistas, é parte de um processo que começou nos protestos de julho de 2013. "Naquela ocasião o movimento pedia a política sem partidos. Hoje, com o aumento da descrença, o recado é a política sem políticos", diz Teixeira.

A derrocada do PT, segundo Aldo Fornazieri, também contribuiu para o clima de descrença. "O PT sempre foi o partido mais enraizado socialmente, implantado em movimentos sociais e o desencanto com o partido certamente provocou frustração em parte dos eleitores", diz Fornazieri.

No Paraguai, Temer diz que votos nulos e abstenções pressionam por reforma política

Ao chegar ao Paraguai para sua primeira visita bilateral ao país nesta segunda (3), o presidente Michel Temer disse que o "número imenso" de abstenções e de votos brancos e nulos mostra a "necessidade indispensável" de passar uma reforma política no Congresso.

Temer, que já havia falado sobre essa relação em sua escala em Buenos Aires, nesta segunda (3), indica que deve aproveitar esses números para tentar avançar o debate sobre a reforma política no parlamento.

AFP

"Devo registrar uma preocupação: acabei de verificar um número imenso de abstenções, votos em branco e nulos , o que revela o que ouso dizer a indispensável necessidade de uma reforma política do país", disse Temer. "Algo que penso que o Congresso Nacional deve cuidar com muita propriedade."

Só em São Paulo, 34,7% dos eleitores aptos a votar não foram às urnas ou votaram em branco ou nulo.

Questionado sobre o desempenho de João Doria (PSDB), que venceu a eleição no primeiro turno em São Paulo, o chanceler José Serra não quis comentar. O ministro apoiava seu amigo Andrea Matarazzo nas prévias tucanas.

Temer foi recebido no aeroporto de Assunção pelo chanceler paraguaio, Eladio Loizaga, e se reúne nesta noite com o presidente Horacio Cartes na residência oficial. Logo após o jantar oferecido por Cartes, Temer embarca de volta para Brasília.

Na comitiva, estão, além do chanceler José Serra, os ministros Raul Jungmann (Defesa), Alexandre de Moraes (Justiça), Sérgio Etchegoyen (Gabinete de Segurança Institucional) e Marcos Pereira (Desenvolvimento, Indústria e Comércio).

Também participam da viagem à Argentina e ao Paraguai os senadores Lasier Martins (PDT-RS) e Zezé Perrella (PTB-MG) e os deputados Roberto Freire (PPS-SP) e Luiz Carlos Heinze (PP-RS).

Pela manhã, um grupo de cerca de 20 paraguaios protestou em frente à embaixada brasileira contra a visita do presidente, com faixas com os dizeres "Fuera Temer golpista".

FRONTEIRA

O interesse brasileiro em liderar um esforço no controle de fronteiras na região deve dominar a reunião entre os presidentes. A ideia é coordenar, regionalmente, ações de combate ao narcotráfico e ao contrabando.

O governo brasileiro está articulando, para a primeira semana de novembro, uma reunião em Brasília com os ministros de Paraguai, Argentina, Uruguai e Bolívia responsáveis pelas áreas envolvidas no tema, como Defesa, Interior e Justiça.

Outro tema do encontro será o comércio bilateral. Nos últimos três anos, os investimentos brasileiros no Paraguai somaram cerca de US$ 350 milhões.

Os principais atrativos do Paraguai são uma carga tributária menor, além de terra, mão de obra e energia mais baratas.

No último sábado, a JBS inaugurou um terceiro frigorífico no país, com cerca de 400 funcionários. Outras empresas brasileiras, nas áreas de vestuário, autopeças e brinquedos, estão construindo fábricas no país.

Há a expectativa que os dois governos anunciem na noite de segunda um acordo para melhorar a conexão de internet no Paraguai, com fornecimento do Brasil, aproveitando a linha de transmissão de Itaipu a Assunção, que já possui fibra ótica.