Política

Delator da Odebrecht diz que acertou esquema de fraude em MG com Aécio Neves

Licitação da Cidade Administrativa visava favorecer grandes empreiteiras, segundo ex-presidente da empresa

Por Folha de São Paulo com Folha de São Paulo 02/02/2017 05h05
Delator da Odebrecht diz que acertou esquema de fraude em MG com Aécio Neves
Senador Aécio Neves governou Minas de 2003 a 2010 - Foto: Alan Marques/Folhapress

Ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura, Benedicto Júnior afirmou em sua delação premiada à Lava Jato que se reuniu com Aécio Neves (PSDB-MG) para tratar de um esquema de fraude em licitação na obra da Cidade Administrativa para favorecer grandes empreiteiras.

A reunião, segundo o delator, ocorreu quando o tucano governava Minas.

Segundo a Folha apurou, Benedicto Júnior, conhecido como BJ, disse aos procuradores que, após o acerto, Aécio orientou as construtoras a procurarem Oswaldo Borges da Costa Filho. De acordo com o depoimento, com Oswaldinho, como é conhecido, foi definido o percentual de propina que seria repassado pelas empresas no esquema.

Ainda de acordo com o delator, esses valores ficaram entre 2,5% e 3% sobre o total dos contratos.

Em nota, Aécio repudiou o teor do relato de Benedicto Júnior e defendeu o fim do sigilo sobre as delações "para que todo conteúdo seja de conhecimento público".

Oswaldinho é um colaborador das campanhas do hoje senador mineiro. De acordo com informações obtidas pela reportagem, o ex-executivo da Odebrecht afirmou que o próprio Aécio decidiu quais empresas participariam da licitação para a obra.

Projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012), a Cidade Administrativa, sede do governo mineiro, custou R$ 2,1 bilhões em valores da época. Foi inaugurada em 2010, último ano de Aécio como governador, sendo a obra mais cara do tucano no governo de Minas.

Niemeyer não queria empresas pequenas na obra porque considerava o projeto extremamente complexo e temia que empresas pequenas não conseguissem executá-lo.

Com Oswaldinho, que foi presidente da Codemig (Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais), as empresas negociariam, ainda de acordo com Benedicto Júnior, como seriam feitos os pagamentos.

As informações fornecidas por BJ em sua delação premiada foram confirmadas e complementadas, segundo pessoas com acesso às investigações, pelos depoimentos do ex-diretor da Odebrecht em Minas Sergio Neves.

Sergio Neves aparece nas investigações como responsável por operacionalizar os repasses a Oswaldinho e é ele quem detalha, na delação, os pagamentos a Aécio.

Líder do consórcio, que contou com Andrade Gutierrez, OAS e Queiroz Galvão, a Odebrecht era responsável por 60% da obra e construiu um dos três prédios que integram a Cidade Administrativa, o Edifício Gerais.

Benedicto Júnior e Sérgio Neves estão entre os 77 funcionários da Odebrecht que assinaram acordo de colaboração com a Lava Jato. As delações foram homologadas pela presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Carmén Lúcia, e enviadas à Procuradoria-Geral da República, sob sigilo.

RECALL DA ANDRADE

A Folha apurou que, em razão das confissões de BJ e Sergio Neves, procuradores da Lava Jato exigiram dos advogados da Andrade Gutierrez, no fim de 2016, uma espécie de complementação das delações de seus executivos, que eles chamam de "recall".

Isso porque, segundo investigadores, funcionários da Andrade não detalharam o esquema de propina na Cidade Administrativa e em outras duas obras especificadas nas delações da Odebrecht: a construção do Rodoanel e do Metrô, em São Paulo.

Nas próximas semanas, o ex-presidente da AG Energia Flávio Barra e o ex-vice-presidente institucional da empresa Flávio Machado serão ouvidos novamente em Curitiba. Outros executivos da empresa também podem ser incluídos no "recall".

Barra dará detalhes das obras em São Paulo, enquanto Machado vai confirmar a versão que Oswaldinho cobrou propina de 3% do valor dos contratos da Cidade Administrativa, o que chegaria a cerca de R$ 40 milhões somente na parte da Andrade.

Esse também é o relato do ex-presidente da OAS Léo Pinheiro. Em junho de 2016, a Folha publicou que ele contaria, em sua delação premiada, que pagou a Aécio, via Oswaldinho, o mesmo percentual em relação à obra, de 3%. As negociações com a OAS, porém, foram suspensas por causa de vazamentos.

O nome de Oswaldinho também aparece em uma troca de mensagens de setembro de 2014 entre o então presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, e Benedicto Júnior, que tratavam de uma doação de R$ 15 milhões "de recursos disponibilizados a Mineirinho via Sergio Neves".

"Combinei que Sergio Neves sentaria com OSW para ver forma (dentro das limitações que temos) de 15", diz a mensagem enviada a BJ por Marcelo Odebrecht.

Na campanha presidencial de 2014, em que foi derrotado por Dilma Rousseff (PT), Aécio Neves recebeu R$ 15 milhões da empreiteira baiana como doação oficial.

OUTRO LADO

Em nota enviada à Folha, o senador Aécio Neves repudiou o teor da delação premiada de Benedicto Júnior, ex-diretor da Odebrecht Infraestrutura.

O ex-governador de Minas disse que "defende o fim do sigilo sobre as delações homologadas para que todo conteúdo seja de conhecimento público".

"E que as pessoas mencionadas possam se defender, uma vez que é impossível responder a especulações, interpretações ou informações intencionalmente vazadas por fontes não identificadas", afirmou o tucano.

A delação da Odebrecht foi homologada pela presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Carmén Lúcia, na segunda-feira (30). Ela manteve o sigilo dos depoimentos.

Aécio disse que desconhece o conteúdo do que classifica de "suposta delação". "As afirmações relatadas são falsas e absurdas", afirmou.

Segundo a nota do tucano, as informações obtidas pela reportagem "reproduzem assunto recorrente e sobre o qual o senador já se manifestou anteriormente".

E afirma: "O edital de construção da Cidade Administrativa foi previamente apresentado ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas do Estado e as obras auditadas durante sua execução por empresa independente contratada via licitação pública, não tendo sido apontada qualquer irregularidade durante todo o processo".

Em junho, quando a Folha publicou que a OAS também mencionaria um esquema envolvendo a Cidade Administrativa, o senador refutou as acusações.

Na ocasião, ele declarou que as afirmações necessitam de provas "sob o risco de servirem apenas a interesses outros que não os da verdade".

ODEBRECHT DEVE LEVAR PROCURADORIA A FAZER NOVA "LISTA DE JANOT"

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pretende entregar um pacote de pedidos de inquéritos ao STF (Supremo Tribunal Federal) contra políticos citados nas 77 delações de executivos da construtora Odebrecht.

O formato deve repetir a chamada "lista de Janot", divulgada em março de 2015, quando o procurador solicitou a abertura de investigação contra pessoas com foro citadas nas delações do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Yousseff.

Congressistas e ministros de Estado têm foro privilegiado no Supremo. O procurador precisa pedir autorização para investigá-los.

Desde a homologação do acordo com a Odebrecht pela presidente do STF, Carmen Lúcia, na segunda-feira (30), Janot está debruçado nos depoimentos, analisando quais casos e quantos políticos vão demandar investigação.

Segundo a Folha apurou, até o momento, ele não considera a possibilidade de fatiar essa fase. A ideia é enviar tudo de uma vez ao Supremo. Não há prazo para que isso ocorra, embora o procurador tenha pressa.

A expectativa na Procuradoria é que Janot não peça no curto prazo ao STF o fim do sigilo das delações.

Os casos de políticos com investigações abertas por suspeitas encontradas em outras fases da investigação serão complementados com o material da Odebrecht. Não há, por enquanto, uma estimativa de número de inquéritos que podem ser abertos a partir da delação da empreiteira.

Na primeira lista de Janot, protocolada no gabinete do ministro Teori Zavascki (morto no dia 19 passado) foram 28 inquéritos e 54 nomes. Houve também sete pedidos de arquivamento.

Também repetindo o formato das delações de Costa e Yousseff, os sigilos das delações da Oderebcht podem cair no momento em que o STF aceitar abrir os inquéritos.

Algumas investigações podem continuar em sigilo, por terem documentos que devem ser preservados, como extratos bancários.

O STF tem adotado um entendimento de que a PGR é quem tem o "domínio da lide", ou seja, cabe sempre a ela dizer quando abrir os documentos ao público e quais diligências devem ser feitas a partir das delações.

Levantamento feito pela Folha em oito dos principais acordos de colaboração premiada fechados no Supremo na Lava Jato indica que a Procuradoria optou por manter o sigilo sobre a maioria das delações, ainda que já tivessem sido homologadas.

NOVO RELATOR

A presidente do STF consultou os colegas formalmente nesta quarta (1°) sobre a transferência do ministro Edson Fachin da Primeira para a Segunda Turma, responsável por julgar os processos da Lava Jato na corte. Ela se aconselhou principalmente com os ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello.

Cármen não recebeu ainda resposta de todos os consultados. Como Fachin é o integrante mais novo do tribunal, os demais têm preferência se quiserem trocar de turma.

O entendimento no STF é que precisa ser publicada no "Diário da Justiça Eletrônico" a transferência de Fachin. Com a Segunda Turma completa, será feita a redistribuição da relatoria da Lava Jato por sorteio eletrônico, que deve ocorrer nesta quinta (2).

Alguns ministros da Primeira Turma sentiram-se preteridos por Cármen Lúcia.