A descoberta de um câncer traz muitas vezes, sofrimento tanto para o paciente como também para a família. A partir deste acontecimento, a vida do portador se transforma, e exige uma rotina programada, seja com as incontáveis idas ao hospital, como também nos horários dos remédios controlados. Pode parecer que nesse momento, o que menos importe a cada um deles seja ter sua autoestima renovada, mas a recuperação da boa aparência pode trazer até bons resultados no tratamento da doença.

Maria Cícera Santos de 30 anos descobriu, há seis meses que tinha nódulos na mama, ela contou ao Portal 7segundos que os primeiros exames não acusaram a doença. Depois que o resultado saiu, a moça realizou dezenas de quimioterapias, segundo ela, a mais pesada , classificada como vermelha. As primeiras semanas foram tranquilas apesar dos efeitos colaterais, o que assustou Cícera foi uma reação já esperada no décimo quinto dia : a queda do cabelo.

“Eu já tinha cortado meu cabelo curtinho para disfarçar, ai passei a mão na cabeça e veio um bolo de cabelo na minha mão, estava tudo solto. Neste momento meu mundo desmoronou, eu chorava bastante e me sentia triste, porque para uma mulher o cabelo é uma das coisas mais importantes para sua aparência  “ conta.

Lila, como é apelidada carinhosamente não deixou se abater. Nas idas ao hospital ela tentou vender rifas para comprar uma peruca. Vendo o empenho da moça, os visitantes e enfermeiras doaram cabelos e indicaram uma instituição que recolhe os cabelos e fornece uma peruca pronta. A troca trouxe bons resultados a Lila:

 

“Foi uma sensação incrível, principalmente porque pude fazer essa troca e já ter o cabelo na hora ainda sendo uma doação de alguém que eu não conhecia. Eu ganhei uma coisa que iria comprar e ainda consegui economizar” conta.

 

 

 

 

A última sessão de Lila ocorreu na segunda semana de junho, ela contou que esta reagindo bem após uma recente cirurgia de retirada da mama e contou que o cabelo já começou a crescer.Ela disse que aprendeu a valorizar os sentimentos e viver de forma diferente depois que enxergou que o importante era sentir se bem consigo mesma.

O trabalho de oferta de perucas que já era realizado pela Apala com apoio da Rede Feminina de Alagoas, ganhou vida em instituições particulares em Maceió, a exemplo da instituição de beleza da cabelereira Chirlys Garrido no bairro da Gruta de Lourdes que iniciou o trabalho há dois anos.

Foi através de uma visita nos alojamentos da Apala, que atende jovens com câncer no cérebro e leucemia, que a empreendedora  despertou a ideia de trabalhar com a troca de cabelos. Chirlys Garrido que trabalhou em parceria com a Apala fabricando 40 perucas, percebeu que muitas crianças e jovens de Maceió ainda não estavam sendo contempladas com a prótese por causa da baixa oferta de cabelos.

Ela conta que não tinha contato com as crianças, mas conversava bastante com a psicóloga da instituição que após as sessões notava que algumas tinham um desejo em comum. O estudo psíquico apontou que as crianças não queriam usar lenço e sim ter o cabelo de volta.

Para ajudar, a cabelereira lançou o projeto intitulado de Cabeça Feliz, ela começou a divulgação nas redes sociais e notou uma boa repercussão dentro da mesma semana, quando cerca de três pessoas doaram cabelos para a fabricação de perucas. O trabalho que ajudou crianças, ficou conhecido em alguns hospitais pela facilidade e qualidade, já que cada peruca é feita de forma artesanal e com cabelos naturais.

“Vender perucas não traz rentabilidade. Além de ser caro para essas pessoas que já tem muitas despesas é um processo que costuma demorar então nada melhor que oferecer a mão de obra  e ajudar, basta trazer o cabelo”, explica Chirlys.

Para participar, o portador da doença que tenha um cabelo doado deve leva-lo no instituto. A quantidade pesada deve ser maior ou igual a 400 gramas com 20 cm, tamanho mínimo para a fabricação da peruca. No ato da entrega, a pessoa ganha uma peruca já pronta adaptada ao tamanho da cabeça, já que o processo de fabricação demora cerca de 15 dias, período em que a queda de cabelo pode começar durante o tratamento.

Apesar de ser um trabalho solidário a cabelereira faz questão de explicar que a ação não pode ser confundida como uma doação apenas. Como o custo da fabricação com material gira em torno de R$ 700,00, porém com a quantidade de cabelo doado, ela conseguiu de simples, recuperar o custo e ajudar mais pessoas.

“Se trata de um reaproveitamento, a cliente me dá o cabelo e eu ofereço a peruca pronta, o cabelo que recebi então já serve para mais gente, além de que não corre o risco de ficar velho e sem uso, por isso o método não traz prejuízo nem para empresa, nem para o cliente “,  explicou a especialista.

 

 

 

 

São necessários alguns cuidados para quem quiser cortar o cabelo antes do fornecimento. Primeiro, o cabelo deve ser cortado molhado e diretamente do rabo de cavalo, porque já estará preso e  dificilmente os fios serão perdidos. O cabelo não deve ser guardado molhado, por isso  deve ser deixado no sol por dois dias para evitar fungos.

                                                                            

Mente sã corpo são

No século XIX, a sociedade compreendia o câncer como uma doença incurável que levava o sujeito à morte. Os pacientes eram discriminados e marginalizados, uma vez que o meio social percebia a doença como manifestação do pecado, da sujeira física e moral. Isso acabava promovendo uma baixa autoestima, relação de dependência e isolamento social.

Hoje vários são os aspectos a serem levados em consideração para um tratamento de câncer em jovens e crianças. Na maioria das vezes, o diagnostico da doença afeta mais o psicológico que o físico, fazendo com que o doente  tenha comportamentos  diferentes do normal. Por isso uma das recomendações dos psicólogos não é apenas o acolhimento familiar mais sim desenvolver estratégias para dar suporte no processo saúde-doença. A psicóloga clínica e organizacional, Bianca Catonho, que é especializada em Neuropsicopedagogia e Saúde Mental, explicou que um dos aspectos importantes a ser trabalhados é a autoestima do paciente.

“A perda do cabelo durante o tratamento do câncer é um golpe duro na vaidade feminina, um processo muitas vezes tão doloroso, quanto a doença. Para amenizar o sofriemtno e manter a autoestima das pacientes existem alternativas que auxiliam nesse processo de retormar e preservar sua rotina diária” adianta a especialista.

 

 

 

 

 

 

 

 

O significado da peruca, segundo a psicóloga, é o de resgatar e dar um novo sentido no percurso do tratamento porque talvez o cabelo seja para algumas mulheres o mais importante na aparência. Por isso é recomendável que esse aspecto seja levado em consideração já que o método funciona como um caminho para elevar e reconstruir a autoestima feminina.

“Acredito que esse conjunto de apoios fazem com que o paciente atribua novos significados em sua vida e assim surge a possibilidade de aumentar sua saúde física e psicológica” finaliza.

De acordo com o instituto nacional do câncer, em 2016 mais de 600 mil casos da doença foram diagnosticados no país. Se o número continuar crescendo, haverá 26 milhões de casos novos e 17 milhões de mortes por ano em 2030. Para diminuir esse número o INCA  está apostando na Declaração Mundial contra o Câncer, instrumento para chamar a atenção de líderes governamentais, gestores de saúde e formadores de opinião.

Um sonho real

A primeira contemplada pelo projeto foi uma garota de 18 anos . Clara chegou ao instituto com o sonho de ter uma peruca grande de cabelos naturais, já que são mais originais. A menina foi ao instituto em busca de ajuda já que sofria preconceito por causa do uso de gorro e lenços no dia a dia.

“Por onde eu andava as pessoas ficavam me olhando estranho, de cara feia e até percebi um certo ar de nojo. È triste saber que você está nessa situação e não tem o respeito do próximo”, desabafa a garota.

Clara se apoiou então na realização do sonho para ter sua auto estima de volta. Para fabricação da peruca era preciso 1kg de cabelo, ela então tentou mobilizar as pessoas a buscarem mais cabelos para realizar seu sonho. Sensibilizada com a ação da menina, a Rede Feminina doou a quantidade de cabelo necessária.

 

“O momento em que provei a peruca foi maravilhoso, era como ter meu cabelo de volta. Eu sei que pode parecer bobagem porque a saúde é mais importante, porém temos a peruca também para superar esse problema” conta Clara.

 

 

 

 

 

Ser humano também conta

O projeto apareceu mais uma vez na vida da cabelereira de uma forma especial.  Em um dia qualquer, ela foi a um hospital visitar um parente e encontrou uma moça no mesmo quarto.   “Ela me olhou de longe mesmo deitada e colocou um pano na cabeça, talvez envergonhada. Tudo aquilo para que eu não pudesse ver que ela estaria sem cabelo, mas eu vi”, lembra.

Ela recorda então que teve uma breve conversa com a moça e explicou que a situação na qual ela passava era comum. A moça que estava com câncer no intestino, tinha passado recentemente por uma cirurgia e ainda se recuperava.

Foi nessa conversa que a moça ficou sabendo do trabalho e mesmo sem pedir acabou ganhando uma peruca.“Depois de 48 horas eu consegui a peruca para ela, experimentamos, eu a maquiei e fizemos um vídeo lindo, eu a considero um anjo, foi um presente para ambas, ela ficou sem acreditar”.

Com o ar mais alegre e convidativo, Cícera foi elogiada pelos médicos e saiu da internação três dias depois.