Desinformação motiva assassinato de defensores de direitos humanos no Brasil
Brasileiros não compreendem função dos ativistas e ignorância leva à violência
Ser defensor dos direitos humanos em Alagoas - estado marcado pelo coronelismo e que tem na erradicação da cultura da violência um dos maiores desafios sociais - não é uma tarefa fácil. Como parte da rotina dos que se dispõem a lutar por igualdade de direitos, os xingamentos e a equivocada ideia de que os defensores defendem ‘vagabundos’, infelizmente é algo comum.
Em escala nacional, essa realidade é ainda mais assustadora: o Brasil é o país das Américas onde mais se mata defensores dos direitos humanos, segundo um relatório divulgado pela Anistia Internacional.
A travesti Natasha Wonderfull, da Associação das Travestis e Transexuais de Alagoas (Asttral) conhece bem essa dura realidade.
“As pessoas ficam incomodadas e a todo o tempo me mandam trabalhar e cuidar da minha vida, falam para eu deixar de defender a causa gay. Sofremos muito com a falta de respeito e com ameaças de violência”, ressalta, lembrando que companheiros de luta já foram diversas vezes agredidos e até ameaçados de morte.
Alagoas ainda amarga episódios de extrema violência e intolerância a defensores dos direitos humanos, a exemplo dos assassinatos dos militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) Luciano Alves, o Grilo, ocorrido em 2003, Jaelson Melquíades, em 2005, e José Elenilson, em 2001. Todos estes casos foram registrados no município de Atalaia.
Outro caso que deixou todo o Estado consternado foi o assassinato do vereador assumidamente gay, Renildo José dos Santos, de 29 anos, em Coqueiro Seco, no ano de 1993. Conhecido por denunciar abusos de políticos alagoanos, ele foi espancado, teve as orelhas, nariz e língua decepados e as pernas foram quebradas. Entre outras atrocidades, Renildo foi castrado e teve a cabeça degolada.
Mudança de paradigma
Em agosto último, o presidente da Comissão dos Direitos Humanos (CDH) da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Alagoas (OAB-AL), Ricardo Moraes, também foi ameaçado de morte. A ameaça foi via telefone, após ter recebido, na sede da OAB, a mãe de um adolescente que denunciou agressões sofridas pelo filho dentro de sua residência.
O advogado registrou um boletim de ocorrência na Delegacia Geral de Polícia Civil, relatando que no outro lado da linha uma pessoa afirmava ser um agente da segurança pública e dizia que ele "deveria parar com as ações contra policiais militares. Caso contrário, seria enterrado junto com os bandidos".
Ainda assim, Ricardo defende que em Alagoas houve uma importante mudança de paradigma, o que, segundo ele, tem contribuído para o fortalecimento da luta por direitos. “Infelizmente episódios de violência contra defensores dos direitos humanos ainda são registrados no Brasil, em especial na região Norte e na Amazônia, por conta dos conflitos de terra. Aqui em Alagoas já foi muito mais difícil, mas com o passar dos anos, os poderes passaram a se posicionar de uma forma diferenciada, o que é visto positivamente para os militantes de direitos humanos”, pontuou.
“Eu já fui ameaçado e conheço muitos outros defensores, sejam eles públicos ou representantes de movimentos sociais que foram ameaçados. Mas uma questão importante é que em Alagoas quem entra nessa seara, se dispondo a defender direitos, não exercem suas atividades com medo”, acrescentou.
Números
O relatório da Anistia Internacional chama atenção para o aumento dos assassinatos de defensores de direitos humanos nos últimos três anos. Até agosto deste ano, cinquenta e oito ativistas foram assassinados. Em 2014, cento e trinta e seis ativistas foram mortos no mundo todo. Em 2015, o número subiu para cento e cinquenta e seis. E no ano passado, aumentou em 80%, chegando a duzentos e oitenta um assassinatos.
Nas Américas, 75% das mortes no ano passado ocorreram no Brasil, apontado pelo estudo como o país mais perigoso para defensores de direitos humanos na região. Em 2016, sessenta e seis ativistas foram assassinados. De janeiro a agosto deste ano, o número chegou a 58.
A ascensão da extrema-direita e de grupos extremistas reforçam o clima de violência. A falta de informação sobre a função dos ativistas atrelada à impunidade, tão presente em país com índices de assassinatos tão elevados, corroboram com a cultura da violência e colocam o Brasil no topo da lista.
* Com informações do JH