Juiz condena Faro e Record a indenizar cuiabano em R$ 137 mil
Walmor Ferreira foi “instruído a ficar feio” e foi submetido a remoção de vários dentes
O juiz Yale Mendes, da 7ª Vara Cível de Cuiabá, condenou o apresentador Rodrigo Faro e a TV Record a indenizarem, em R$ 137 mil, por danos morais e estéticos, o cuiabano Walmor Ferreira, que alegou ter ficado traumatizado após ter participado do programa “Hora do Faro”.
A decisão é da última quarta-feira (24) e cabe recurso.
Do valor, R$ 57,4 mil são para ressarcimento com despesas de reabilitação bucal; R$ 50 mil como dano moral; R$ 30 mil a título de dano estético; e R$ 470 por dano material.
Na ação, Walmor Ferreira afirmou que foi “instruído a ficar feio” para participar do quadro “Arruma meu marido”, que foi exibido em 2011, no antigo programa “O Melhor do Brasil”.
Após a seleção, Walmor Ferreira relatou que a produção do programa, via e-mail, lhe orientou a ficar nove meses sem fazer o cabelo e a barba.
No final de 2011, ele foi a São Paulo para dar prosseguimento nos tratamentos estéticos exigidos, incluindo o odontológico.
Porém, a clínica parceira do programa, segundo ele, ao invés de realizar o tratamento prometido, optou por fazer o procedimento de extração de seus 12 dentes (ele não possuía a maioria deles), procedimento realizado em apenas dois dias, para incluir uma nova prótese.
Em razão da intensa dor resultante do procedimento, Walmor Ferreira resolveu desistir de participar do quadro. Mas a produção, conforme alegou na ação, o teria coagido a participar, “uma vez que não poderiam mudar a grade do programa”.
O cuiabano disse que foi instruído, no dia da gravação do programa, a não fazer movimentos bruscos com a boca, “vez que a prótese dentária poderia se deslocar enquanto falava”.
“Narra que concordou em participar do programa porque tinha esperança de que ganharia um tratamento dentário, mas hoje vive um drama, pois está praticamente sem dentes, passou 04 meses se alimentando de líquidos e apesar das súplicas ao produtor do programa para que solucionasse o problema nada foi feito, a não ser o envio de uma prótese dentária móvel por sedex que sequer pôde ser utilizada, pois não fixa em sua boca em razão da gengiva ter sido praticamente mutilada pela dentista do programa”, diz trecho da ação.
Walmor contou que teve que contar com a ajuda de parentes para arcar com as despesas de quatro próteses móveis, tendo até mesmo que vender sua moto, “além do tratamento médico psiquiátrico para reverter o quadro de fobia social, pois passou a ser alvo de olhares e chacota por onde passava e tornou-se uma pessoa deprimida, com dificuldade para trabalhar, pois ao invés de sua vida ter mudado para melhor, conforme desejado, piorou”.
“Alega, ainda, que durante a apresentação do programa o requerido Rodrigo Faro, por diversas vezes, expôs o Autor ao ridículo perante milhares de pessoas, comparando-o com animais da fauna pantaneira”, completa.
Defesa
Já Rodrigo Faro e a Record alegaram que os argumentos do cuiabano eram “fantasiosos”, pois, em nenhum momento, foi prometido a ele o tratamento dentário que incluísse implante.
“Afirmam que antes de sua participação no programa ele já não possuía a maioria dos dentes e que foi instalada uma prótese provisória enquanto seria confeccionada outra de material mais refinado, a qual foi enviada pelo correio, que é uma forma habitual de entrega do material”.
Os réus argumentaram que Walmor Ferreira recebeu o tratamento estético, além de R$ 500 em espécie e R$ 1 mil em roupas.
“Quanto ao tratamento odontológico, afirmam que ele concordou expressamente, pois tinha pleno conhecimento dos termos e procedimentos, além do seu estado de sua saúde bucal já estar altamente deteriorado, visto que os dentes existentes estavam em estado calamitoso e sua gengiva se mostrava absolutamente comprometida”.
Em relação às supostas ofensas de Faro, o apresentador e a emissora disseram que o cuiabano tinha pleno conhecimento da natureza do quadro, “das brincadeiras realizadas pelo apresentador e o resultado final esperado, fazendo parte a comparação do ‘antes’ e ‘depois’”.
“Também alegam que ele autorizou expressamente a utilização de sua imagem, conforme termo de acordo de participação em programa televisivo”.
“Tortura”
Para o juiz Yale Mendes, apesar de Walmor ter autorizado o “tratamento dentário”, o documento citava a extração dos dentes como “exodontia dos elementos dentais 35, 34, 44, 45, 18, 15, 13, 12, 11, 21, 23 e 25”, termos que uma pessoa simples não tinha como saber do que se tratava.
“Constata-se, ainda, que a gravação ocorreu em 21/12/2011 e o documento de fl. 213 definindo o tratamento que seria realizado pela Clinica Oral Vitallis, está com a data de 20/12/2011, portanto, foi assinado 01 dia antes da gravação, o que inacreditável, pois além de ter extraído 12 dentes em 02 dias, o Requerente foi obrigado a fazer o molde da prótese dentária e a usá-la com a boca inchada e extremamente dolorida, tanto que, conforme afirmou na exordial, foi aconselhado a não fazer movimentos bruscos durante a conversa que teria com o apresentador Rodrigo Faro, uma vez que a prótese móvel (dentadura) poderia se soltar da gengiva”.
“Todos esses fatos levam à conclusão que o Autor foi submetido à tortura física e emocional, o que não é possível admitir e considerar ‘normal’”.
O magistrado citou que a perícia feita em Walmor constatou que a extração dos 12 dentes não era necessária, tampouco recomendável, “pois não é seguro e nem confortável para o paciente".
“Quando indagado qual o tratamento indicado para solucionar o problema em definitivo, o perito respondeu que, diante da perda dos 12 dentes somada ao tempo que passou, houve claramente um comprometimento de toda parte óssea nas áreas onde os dentes foram extraídos. Portanto, o tratamento seria uma reabilitação com protocolo cirúrgico para colocação de implantes, enxerto ósseo nas regiões com pouco osso e colocação de próteses sobre implantes [...] Também esclareceu que após a extração, se não houver a reabilitação com próteses ou implantes, podem surgir problemas de ATM (articulação têmporo mandibular), como dores, estalos e dificuldades de mastigação”.
Outro depoimento que contribuiu para a condenação foi o da dentista Patrícia Gallo, responsável pela extração dos dentes. Na oitiva, ela afirmou que em razão da precariedade dos dentes de Walmor e da pouca disponibilidade de tempo até a exibição do programa, teve que optar pela extração dos 12 dentes.
“Logo, vê-se que a preocupação era com o programa da TV e o pouco tempo que dispunham para deixar ‘aparentemente’ arrumados os dentes do Autor, não se preocupando se estavam mutilando-o, causando dor e humilhando-o”, disse o juiz.
Yale Mendes mencionou que o relatório do psiquiatra Andre Dualib também evidenciou que o cuiabano, após ter participado do programa, passou a ter vergonha de sair de casa, sentindo “tristeza, choro, raiva, diminuição acentuada da autoestima, insônia, embotamento emocional e revivencia o trauma muitas vezes ao dia”.
“Também se encontra nos autos uma Escritura Pública de Declaração em que Gerval Batista de Almeida, conhecido do Autor, afirma que ele não mais recebe os amigos em casa, não vai aos churrascos que fazem nos finais de semana e não consegue ir às entrevistas para conseguir emprego. Declarou que é nítida a perturbação emocional do amigo e que está assim desde que participou do programa da Record”.
“Patente, portanto, o ato ilícito e a obrigação de indenizar diante da extração desnecessária dos dentes do Requerente e da forma como foi realizada, negligentemente, ofendendo a sua boa-fé e com interesse somente na audiência do programa”.
Segundo o juiz, o apresentador e a emissora, além do dano moral e do tratamento dentário, também devem ser responsabilizadas pelos danos estéticos causados a Walmor Ferreira.
“Apesar da aparência do Autor não ser das melhores antes da participação no quadro “Arruma meu Marido” pelo fato de já faltar vários dentes em sua boca, indubitavelmente, após a extração de mais 12 elementos, ficou pior, murchou, conforme se constata à fl. 96, quando sua filha informou à Rede Record que seu pai tinha vergonha de sair de casa até para trabalhar”.