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Há 3.000 anos, bebês já tomavam leite em mamadeiras de cerâmica

Descoberta revela detalhes do cotidiano na pré-história europeia e como a criação de animais modificou a demografia humana

Por Folha de São Paulo 25/09/2019 16h04
Há 3.000 anos, bebês já tomavam leite em mamadeiras de cerâmica
Uma réplica das mamadeiras pré-históricas foi até usada para oferecer leite ao pequeno Noah - Foto: Helena Seidl da Fonseca

Por volta do ano 1000 a.C., crianças que viviam no sul da atual Alemanha já tomavam leite em mamadeiras de cerâmica, indicam análises químicas de artefatos achados em sítios arqueológicos.

A descoberta, além de revelar detalhes do cotidiano infantil na pré-história europeia, também mostra como a criação de animais modificou a alimentação e a demografia humana, já que o consumo de leite bovino, caprino ou ovino provavelmente facilitou o desmame dos bebês e permitiu que suas mães tivessem mais filhos.

“Não conseguimos dizer com certeza a espécie de animal que forneceu o leite, mas eram ruminantes, como vacas, cabras e ovelhas. Todas têm essencialmente a mesma fisiologia, o que se reflete na composição da bebida”, explicou à Folha a arqueóloga Julie Dunne, da Universidade de Bristol (Reino Unido). Dunne coordenou o estudo que identificou os resíduos lácteos, publicado na edição desta semana da revista científica Nature.

Vasilhas de barro com bicos laterais finos e compridos, cujo formato parecia adequado para o uso como mamadeira, já eram conhecidas há tempos no registro arqueológico europeu, e as mais antigas têm cerca de 5.000 anos de idade.

Entre o fim da Idade do Bronze e o começo da Idade do Ferro (mais ou menos entre 1200 a.C. e 800 a.C.), tais artefatos ficam mais comuns e passam a ser achados em túmulos de crianças, o que fortalecia a hipótese do uso para fornecer leite aos pequenos. Alguns têm formato de animais. Faltava, porém, um teste direto dessa hipótese.

Foi o que Dunne e seus colegas conseguiram. Eles analisaram três recipientes de formato aberto, como o de uma cuia, mas com os “biquinhos” típicos dessas vasilhas, que vieram do vale do rio Altmühl, um afluente do Danúbio que corta o estado alemão da Baviera.

Dois dos artefatos foram achados em túmulos do começo da Idade do Ferro, enquanto o terceiro é do fim da Idade do Bronze. Nos três casos, as tumbas eram de crianças pequenas (com idades entre 1 e 6 anos), uma das quais foi cremada. Não se sabe a qual grupo étnico as crianças pertenciam, embora a região, séculos mais tarde, tenha sido habitada por povos de origem celta, como os gauleses da atual França.

As análises químicas mostraram que os restos do conteúdo das vasilhas continham moléculas de ácidos graxos que são produtos típicos da degradação de gordura animal. E o número de átomos de carbono em algumas dessas moléculas correspondia bastante bem ao que se vê na gordura do leite fresco. Embora a composição batesse com a do leite de animais ruminantes, há sinais de que talvez tenha havido uma mistura com outros tipos de leite — de suínos ou mesmo de seres humanos — em uma das vasilhas.

Povos de caçadores-coletores, que não criam nenhum tipo de animal, normalmente levam vários anos para desmamar seus bebês, e esse processo longo em geral também diminui a fertilidade da mãe (o que é bom, já que ela não conseguiria alimentar outro bebê). Entre grupos que criam animais leiteiros, o processo de desmame pode começar mais cedo, em torno dos seis meses, o que tem potencial para encurtar o intervalo entre os nascimentos dos filhos.

Por isso, acredita-se que o uso do leite de ruminantes tenha impulsionado, em parte, o aumento da população em diferentes regiões do mundo depois da domesticação de animais, com nascimentos mais frequentes. O paradoxo, porém, é que isso pode ter afetado negativamente a saúde das crianças, tanto porque a composição do leite de origem animal não é tão adequada para a nutrição delas quanto pelo risco de transmissão de doenças dos bichos por meio da bebida.

Uma réplica das mamadeiras pré-históricas foi até usada para oferecer leite ao pequeno Noah, de um ano de idade, filho de uma amiga de outra autora do estudo, Katharina Rebay-Salisbury, do Instituto de Arqueologia Oriental e Europeia da Academia Austríaca de Ciências. Noah não teve dificuldades para mamar no artefato.