Pedreiro tem a cabeça perfurada por larvas
As larvas que infestaram a cabeça do pedreiro Evaldo Araújo Chaves são conhecidas popularmente como bernes ou "bicheira".
Imagine um dia você sentir uma coceira na cabeça e descobrir que tem larvas morando nela. Dezenas delas. E, dias depois, saber que elas estão perfurando o seu couro cabeludo e os músculos do crânio para se alimentar. Esse é o drama enfrentado desde a semana passada por Evaldo Araújo Chaves, 48, morador de Praia Grande, no Litoral de São Paulo.
Desde que descobriu a infestação por larvas, o pedreiro passou por várias unidades de Saúde da cidade litorânea. Mas em nenhum dos atendimentos, segundo a família, o problema foi resolvido. No momento, ele está em tratamento em São Paulo, onde, segundo os parentes, está melhorando. A Secretaria de Saúde de Praia Grande diz que todos os procedimentos adotados foram corretos.
A quituteira Quézia Andrade, 25, mulher de Chaves, diz que o problema foi descoberto no último fim de semana, enquanto o casal e os filhos pequenos passavam alguns dias hospedados na casa de familiares, na capital paulista. "Ele sentia coceiras e dores na cabeça", afirma ela.
Na sexta-feira (24), ele se queixou de muitas dores com a mulher e ela, ao examinar a cabeça do marido, viu os orifícios e as larvas se mexendo lá dentro. Ambos decidiram buscar atendimento médico em um hospital de São Paulo. Segundo Quézia, os atendentes retiraram algumas larvas com o auxílio de uma pinça e aconselharam o casal a buscar atendimento médico em outro hospital das proximidades.
No mesmo dia, na outra unidade de saúde, após realizarem a limpeza das feridas, o casal foi informado que todas as larvas tinham sido retiradas e então os enfermeiros fizeram um curativo, enfaixando a cabeça de Evaldo. Porém, no dia seguinte, sábado (25), um forte cheiro de carne podre começou a exalar sob a bandagem.
Quézia então retornou ao hospital na Capital com o marido e médicos identificaram outras larvas ainda vivas na cabeça do pedreiro. Foi quando o casal resolveu interromper o descanso na casa dos familiares e retornar, com os filhos, à Praia Grande, onde moram.
Peregrinação por hospitais no litoral
"Quando chegamos, levei o Evaldo ao Hospital Irmã Dulce e o médico indicou que era necessário apenas fazer outro curativo. A gente chegou mais ou menos perto das 16h, e só saímos às 23h, mas não foi feito nada. Foi quando resolvemos buscar ajuda em Santos."
Ao chegarem a uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) em Santos, Quézia afirma que os médicos aplicaram um remédio na cabeça de Evaldo que fez com que 25 larvas saíssem quase que instantaneamente, de uma só vez. O casal se tranquilizou, pensando que o problema estivesse finalmente resolvido. Mas no dia seguinte, domingo (26), Quézia levou o marido ao Pronto-Socorro Quietude, em Praia Grande, onde receberam o diagnóstico de que ainda havia larvas vivas em sua cabeça. Novamente, Evaldo se submeteu à retirada manual das larvas e a alguns exames, que constaram que havia buracos já profundos na cabeça do pedreiro.
"Foi quando disseram pra gente que ele precisaria de uma medicação especial. Fomos então, na segunda-feira, ao Hospital Irmã Dulce e disseram pra gente que não tinha como fazer nada, só tratar com o remédio. Na terça-feira, levei ele para fazer curativo. Quando foi de noite, quando tirei a faixa porque estava sangrando muito e ele reclamava muito de dor, percebi outros buracos na cabeça dele, que não existiam antes. Parecia que não estava melhor, pelo contrário, os bichos estavam aumentando e os buracos também."
Desesperados, Quézia e os familiares de Evaldo decidiram buscar auxílio nas redes sociais. Os posts sobre sua condição de saúde se espalharam pela Internet e, com a ajuda de um vereador da cidade, conseguiram uma vaga para tratamento em São Paulo.
Atendimento em São Paulo
Desde segunda-feira (27), segundo informações da irmã do pedreiro, Regina Araújo, Evaldo passou a ser atendido na Unidade Básica de Saúde (UBS) do Jardim São Bento, na Capital. Por conta da gravidade do caso, ele precisa comparecer à unidade todos os dias, no mínimo, duas vezes ao dia, para aplicação de remédios e troca dos curativos. Os médicos ainda não sabem dizer por quanto tempo o tratamento irá se prolongar. Mas ela diz que o irmão já se sente melhor, com menos dores.
"O tratamento é um pouco lento, porque é necessário esperar todos os vermes saírem para as os buracos fecharem e as feridas cicatrizarem. Mas o atendimento está sendo realizado com sucesso. O posto é bem perto da minha casa, então foi uma luz no fim do túnel. Sem falar que tudo está sendo feito pelo SUS e os médicos e os enfermeiros são maravilhosos, tratam meu irmão com muito respeito ao próximo e ética", diz a irmã.
Outro lado
A Secretaria de Saúde de Praia Grande informou, por meio de nota, que o paciente passou pelo Pronto-Socorro Central e recebeu atendimento adequado ao seu diagnóstico, foi avaliado pelo cirurgião, liberado e orientado a dar continuidade ao tratamento através da Unidade de Saúde da Família (Usafa).
"O mesmo compareceu na Usafa Tupiry onde recebeu novamente tratamento. Ele foi orientado a retornar no dia seguinte, porém não compareceu. É necessário compreender que o caso requer um tratamento, não podendo ser solucionado de uma só vez. Como o paciente não compareceu na Usafa onde é cadastrado (Tupiry) para dar continuidade em seu tratamento, um agente comunitário de saúde foi até a residência do mesmo para verificar o motivo do não comparecimento, porém o mesmo não foi encontrado".
Entenda a doença
As larvas que infestaram a cabeça do pedreiro Evaldo Araújo Chaves são conhecidas popularmente como bernes ou "bicheira". Trata-se de uma infestação parasitária causada por larvas de várias espécies de moscas que invadem o tecido cutâneo ou orifícios naturais (olhos, nariz, ouvidos, vagina etc.) do organismo de animais vertebrados de sangue quente, incluindo os seres humanos.
"O nome dessa doença é miíase. Ela ocorre com frequência nos bovinos e equinos e é transmitida por moscas, geralmente as varejeiras, que buscam os animais para colocar seus ovos", explica o neurocirurgião santista João Luis Cabral Junior. "A miíase é frequente entre seres humanos, principalmente na região rural ou áreas com deficiência de higiene. As consequências para a saúde humana, além do incômodo causado pelas larvas, podem ser quadros de anemia, inapetência, mas dificilmente a infecção provocada pelas larvas pode levar à morte."
Tanto na miíase primária quanto na secundária, o diagnóstico é basicamente clínico e leva em conta os sinais e sintomas da doença, que não é contagiosa. Em grande parte dos casos, é possível identificar a larva do berne quando ela aflora (sai dos buracos) para respirar. O tratamento inclui a extração mecânica das larvas com pinça. No entanto, a conduta vai depender da extensão e profundidade da ferida, já que estruturas importantes do corpo (vasos, músculos, ligamentos) podem estar sendo destruídas pela voracidade das larvas.
"Usa-se o medicamento Ivermectina, em dosagem única, para matar as larvas. E então, promove-se a remoção cirúrgica. O paciente recebe anestesia local, os orifícios são abertos e então se procede a retirada das larvas, cirurgicamente", explica o neurocirurgião. "Teoricamente, a larva pode até chegar a atingir o cérebro, através de uma perfuração óssea. Mas seria necessário que as larvas permanecessem vivas sob a pele do crânio por muito tempo. Não conheço relatos de humanos com casos assim tão graves, ninguém suportaria a dor por tanto tempo."
Como evitar a miíase
A prevenção da miíase está ligada diretamente ao combate às moscas, que são os vetores, aos cuidados com a higiene pessoal, limpeza do ambiente e à implementação de saneamento básico adequado. Se você mora em um bairro ou ambiente com muitas moscas e com condições de higiene precária, as recomendações são:
Use sempre roupas que cubram a maior parte do corpo e passe repelente nas partes que ficarem expostas;
Lave as mãos com frequência, especialmente antes das refeições, depois de usar o banheiro, depois de lidar com terra, plantas e adubos orgânicos;
Coloque telas nas janelas e mosquiteiros ao redor das camas;
Procure um médico tão logo suspeite da infestação;
Mantenha o lixo doméstico acondicionado em sacos resistentes e bem fechados;
Evite deixar expostos ferimentos que possam atrair o ataque de moscas.