Brasil acerta contra a covid-19, mas desigualdade preocupa
Próximos dias serão cruciais para determinar a curva de crescimento do número de casos e o perfil assumido pela epidemia no País
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Especialistas brasileiros e estrangeiros concordam que o Brasil está tomando as medidas corretas, no momento certo, para reduzir o impacto da disseminação do novo coronavírus. A profunda desigualdade social, no entanto, pode se transformar no maior entrave à eficácia da estratégia. Os próximos dias serão cruciais para determinar a curva de crescimento do número de casos e o perfil assumido pela epidemia no País.
Os quase três meses entre o surgimento da covid-19 na China e o primeiro registro em São Paulo deram ao Brasil uma grande vantagem. O País ganhou tempo para analisar as estratégias adotadas por diferentes países e optar pelas mais bem sucedidas no enfrentamento da infecção.
A experiência estrangeira mostra que as medidas de isolamento e restrição de movimentos devem ser adotadas bem no início da epidemia para funcionarem. Quando cumpridas à risca pela população, são eficazes em reduzir a velocidade da disseminação da doença. Assim, preservam o sistema de saúde do colapso. Ele viria com a explosão de casos em uma quantidade muito acima da capacidade de ação dos hospitais e pessoal médico.
Mas o Brasil tem uma diferença crucial em relação aos outros países por onde passou até agora a epidemia: é uma das nações mais desiguais do mundo. Com 40% da população na informalidade, quem terá condições de ficar em casa por um longo período, sem ganhar dinheiro? Para especialistas, esse é o maior desafio imposto às autoridades brasileiras no enfrentamento da epidemia.
Se o problema não for levado em conta, explicam, as medidas não surtirão o efeito desejado. A epidemia então se abaterá com muita força, sobretudo na população mais carente. Esses brasileiros, muitas vezes, vivem em condições que propiciam ainda mais a disseminação do vírus: sem saneamento básico e aglomerada em espaços exíguos, como as favelas.
"Vejo as próximas semanas com a maior preocupação", afirma o médico Dráuzio Varella. "Não há experiência prévia dessa epidemia num país com tanta desigualdade social, em que 40% da economia é informal. Precisamos saber como será possível paralisar essas pessoas."
Levantamento divulgado na última quinta-feira, 19, pelo Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (Nois), formado por especialistas da PUC-RJ, da Fiocruz e do Instituto D'Or, analisou as estratégias adotadas por diferentes países contra o vírus. Constatou a eficácia das medidas de isolamento e restrição da mobilidade. O grupo está monitorando a curva de crescimento dos casos no País.
"Tentamos identificar em diferentes países como as ações de mitigação impactavam o curso da epidemia dependendo do momento em que são adotadas", explica o infectologista Fernando Bozza, da Fiocruz e do Instituto D'Or, que participou do levantamento. "A nossa análise mostra que os países que demoraram a adotar as medidas ou não as adotaram nacionalmente têm um resultado pior, e sugere que quando as ações são tomadas precocemente elas são mais eficazes."
Medidas como isolamento e restrições de deslocamento adotadas pela China e Coréia do Sul foram eficazes na redução das taxas de crescimento dos casos de covid-19. Países como Itália e Espanha, que demoraram mais tempo a tomar tais medidas, tiveram uma curva de crescimento de casos mais acentuada. Agora, são forçados a adotar medidas mais radicais, enquanto enfrentam grande quantidade de mortes, sobretudo de idosos.
No caso da Itália, o crescimento exponencial do número de casos em um período de tempo muito curto provocou o colapso do sistema de saúde. A Itália já ultrapassou a China em número de vítimas fatais, com quase 5.500 mortes, contra 3.270 no país asiático.
"Muitos países estão olhando agora para a Itália como um caso de estudo e os próprios médicos italianos estão dizendo 'não façam como nós fizemos'. Quer dizer, não pensem que não é nada, levem isso muito a sério", afirmou o virologista Kurt Williamson, da Universidade Will & Mary, nos Estados Unidos. "Já está claro que esse vírus pode ser transmitido pelo que chamamos de 'dispersão comunitária'. Ou seja, não é só quando uma pessoa tosse na sua cara. O contato casual com uma pessoa infectada pode ser o suficiente. Por essas razões, fechar lojas, restaurantes e escolas, trabalhar de casa, manter as pessoas afastadas de grandes aglomerações e eventos sociais é exatamente o que precisamos fazer."
O Reino Unido, inicialmente, adotou uma estratégia diferente da maioria da Europa, isolando somente os doentes, e apostando na chamada imunização de rebanho. De acordo com essa tática, depois que 80% da população tivesse a doença (a maioria de forma branda), seria criada, a médio prazo, uma imunidade coletiva. Mas Boris Johnson mudou rapidamente de ideia depois que um estudo do Imperial College de Londres mostrou que a estratégia resultaria em pelo menos 260 mil mortes no país. Já decretou o fechamento das escolas a partir de segunda-feira, 23.
"A gente sabe que não dá para evitar completamente a epidemia, mas temos que retardar a velocidade de transmissão implementando mais cedo essas medidas; ainda estamos dentro da janela de oportunidade, mas estamos bem em cima dela", explica Marcelo Gomes, especialista em saúde pública da Fiocruz. Ele é um dos responsáveis pela elaboração de um relatório que estima o risco da disseminação da epidemia no Brasil. "A questão toda agora é saber se a população vai, de fato, aderir às recomendações; esse é um ponto muito importante. Se a população não aderir, a gente vai encontrar um cenário extremamente preocupante."
Mas Gomes também chama atenção para a questão da desigualdade social. Enquanto parte da população brasileira tem condições de restringir os deslocamentos e trabalhar de casa, uma boa parcela dos brasileiros não tem essa opção.
"Não é só uma questão de passar informação e convencer as pessoas. Muita gente tem dificuldade de aderir a essas medidas, são trabalhadores informais, gente que não tem carteira assinada, que não pode fazer trabalho remoto", disse Gomes. "Como é que essa população vai conseguir aderir? Sem medidas de apoio por parte do governo, a escolha é entre o risco de adoecer e a falta de renda no final do mês. É preciso dar suporte a essa população, como foi feito na Alemanha e na França."
O ministro da Economia, Paulo Guedes, já anunciou que pretende destinar R$ 200 mensais aos trabalhadores autônomos que não recebam o Bolsa Família. Para os especialistas, no entanto, isso não é suficiente.
"A imensa maioria da população vive no limite da sobrevivência. Seria preciso garantir a ela uma renda mínima, nem que fosse provisória, durante alguns meses", defendeu o presidente do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil, Oded Grajew. "E também a criação de um imposto de solidariedade que incidisse sobre a parcela mais rica da população."
Balanço do Ministério da Saúde divulgado no domingo, 22, mostra que País já tem 22 mortes pela doença e 1.546 casos confirmados.
Medidas que os governos federal, estaduais e municipais vem tomando contra o avanço da doença
- Fechamento de fronteiras e restrição de voos
- Isolamento dos idosos, que são a população de maior risco
- Trabalhar de casa sempre que possível
- Evitar deslocamentos necessários; sair apenas para trabalhar e comprar comida
- Restrição nos deslocamento intermunicipal e dentro dos estados
- Restrição no uso dos transportes públicos
- Evitar aglomerações em shows, eventos esportivos, festas, praia
- Suspensão das aulas em escolas e universidades
- Restrição do funcionamento de restaurantes e bares
- Fechamento de shoppings centers e academias de ginástica
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