Educação

66% dos brasileiros de 9 a 17 anos não acessam a internet em casa; veja dificuldades

Formação deficitária de professores, falta de equipamentos tecnológicos e condições precárias de saneamento básico são barreiras para educação remota durante a pandemia

Por G1 26/05/2020 10h10
66% dos brasileiros de 9 a 17 anos não acessam a internet em casa; veja dificuldades
Novos desafios na educação - Foto: Ilustração

Desde que as aulas presenciais foram suspensas, por causa da pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2), as redes de ensino buscam alternativas de educação remota. Pesquisas mostram, no entanto, que há obstáculos para o ensino à distância, principalmente pelas limitações de acesso a tecnologias.

Entre crianças e adolescentes de 9 a 17 anos, 66% não se conectam à internet em ambientes privados - seja na própria residência ou na de amigos e familiares.

  • Sem internet, merenda e lugar para estudar: veja obstáculos do ensino à distância na rede pública durante a pandemia de Covid-19
  • Dois meses após a suspensão de aulas presenciais, alunos, pais e professores relatam como está a educação durante a pandemia

Segundo o levantamento da “TIC Kids Online Brasil 2018”, formulado pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic), há uma diferença significativa entre as classes sociais.

Nas famílias cuja renda é de até um salário mínimo, 73% dos alunos dessa faixa etária não navegam na rede quando estão em casa. A partir de 3 salários mínimos, o índice é de 53%.

O número é ainda maior na zona rural: 82% dos alunos não acessam a internet em ambientes privados.

As pesquisas evidenciam também outras dificuldades:

  • casas sem espaço para estudar e sem saneamento básico;
  • falta de equipamentos como computadores e notebooks;
  • problemas na conexão à internet;
  • falta de formação dos professores para usar tecnologia na educação;
  • baixos índices de leitura.

Gabriel Corrêa, gerente de políticas educacionais da ONG Todos Pela Educação, afirma que as desigualdades já existiam, mas estão acentuadas durante a pandemia. “Precisamos buscar estratégias diferentes, porque os cenários variam muito no país. O ensino à distância pode usar a internet para os grupos que têm acesso a ela. Mas outras alternativas devem existir, como aulas pela TV ou distribuição de cadernos impressos de exercício”, diz.

Segundo ele, as atividades não vão substituir as aulas que estariam ocorrendo caso as escolas estivessem abertas, mas contribuirão para diminuir a defasagem de conteúdo e para evitar a evasão.

“Os alunos não podem perder o engajamento com a educação. Precisam manter o vínculo com o conteúdo e com os professores”, afirma.

Abaixo, veja outros números que evidenciam as dificuldades do ensino remoto no país:

Crianças sem acesso a saneamento básico, em casas lotadas

Antes de analisar questões tecnológicas, é preciso pensar em aspectos básicos das moradias. Em que condições os alunos ficarão em casa para estudar?

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2018 (Pnad), do IBGE, 17,3% das crianças de 0 a 14 anos moram em residências que não têm acesso à rede geral de abastecimento de água e 40,8%, em locais sem conexão com o sistema de esgoto.

Nas casas em que não há internet, as condições de saneamento são ainda piores: 29,3% sem rede de água e 60%, sem a de esgoto.

Outro problema é o adensamento populacional. A Pnad mostra que 15,1% das residências em que há adultos e crianças abrigam seis ou mais pessoas. Em 40%, há mais de três moradores por dormitório.

“Os problemas habitacionais também ficam mais evidentes. Temos domicílios com infraestrutura precária de iluminação e de saneamento. E há famílias de sete pessoas em imóveis pequenos, onde os alunos não terão silêncio para estudar”, explica Corrêa.

Famílias, em geral, só têm TV e celular

O equipamento que está mais presente nas residências brasileiras é o televisor (96%). Mesmo entre os mais pobres, das classes D e E, 92% têm o aparelho - mas apenas 9% com canais pagos da TV fechada.

“O uso da TV para a educação básica pode ser ocorrer por meio de videoaulas. Alguns professores são selecionados para gravar o material. A família deve ser informada de que, em determinado horário, vai ser exibida a aula de matemática do sétimo ano, por exemplo”, diz Corrêa.

Em segundo lugar, o equipamento mais comum é o celular, presente em 100% dos lares de classe A e em 84% nas camadas D e E.

No entanto, é preciso fazer uma ressalva.

“Não dá para achar que todos os alunos têm um celular à disposição deles. Há casas em que só existe um aparelho, usado pelo pai, por exemplo, que trabalha como motorista de aplicativo. O filho só vai poder acessar a internet à noite, depois do expediente”, afirma Corrêa.

Segundo a pesquisa TIC Domicílios 2018, que avalia o uso de tecnologias de informação nos domicílios brasileiros, os computadores portáteis continuam concentrados nas famílias mais ricas: na classe A, 90% têm notebook e 49%, tablet. Nas camadas D e E, os índices são de 3% e 4%, respectivamente.

Considerando o recorte regional, no Norte, apenas 19% dos lares têm ao menos um notebook. No Sudeste, que aparece em primeiro lugar, o índice é de 33%.

Ao mensurar o acesso apenas das crianças e jovens de 9 a 17 anos, 71% dos mais pobres que usam internet só acessam a rede pelo celular. Na classe AB, apenas 26% têm essa restrição - é mais comum ter também notebooks ou computadores de mesa em casa.

São números que devem ser levados em conta no ensino remoto. Os computadores ofereceriam condições de visualizar o conteúdo e os exercícios em uma tela maior.

“Os celulares estão longe de ser o melhor recurso para ver vídeo ou estudar. Além da questão da tela, existe outro problema: são associados às redes sociais. É mais difícil manter o engajamento do jovem quando, para assistir às aulas, ele precisa do mesmo aparelho usado em atividades não-escolares”, afirma Gabriel.

Segundo a pesquisa TIC Kids 2018, o WhatsApp é a rede social mais usada por crianças e jovens que têm acesso à internet - 70% dos que estão conectados têm conta no aplicativo. Em seguida, vêm Facebook (66%) e Instagram (45%).

No recorte por classe social, considerando também só os que têm acesso à internet, 81% dos alunos mais ricos trocam mensagens no WhatsApp. Nas classes DE, a porcentagem cai para 63%.