Educação

Retorno das aulas obrigatórias na Ufal gera sentimento de incerteza em alunos

Apesar de muitos concordarem com a medida, proposta de retorno pode ter surgido em um momento inoportuno

Por Felipe Guimarães 21/02/2021 07h07
Retorno das aulas obrigatórias na Ufal gera sentimento de incerteza em alunos
UFAL - Foto: Reprodução

Após um ano inteiro com as suas atividades paradas, as Universidades Federais de todo o país apostam na retomada do calendário acadêmico, prevista para acontecer nos primeiros meses deste ano, com as suas respectivas datas a serem definidas pelas próprias instituições.

No caso da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) as aulas devem iniciar no dia 22 de Fevereiro, dando início aos semestres letivos de 2020.1 e 2020.2, de acordo com a Resolução 80, aprovada Ad Referendum do Conselho Universitário (Consuni).

Diferente do Período Letivo Excepcional (PLE), ofertado durante a pandemia como uma alternativa não obrigatória de aulas remotas, este novo semestre será obrigatório e deverá ocorrer de maneira híbrida, com aulas on-line e presenciais.

Contudo, somente os cursos da área da saúde com estágios obrigatórios e com a necessidade de realizar práticas supervisionadas, deverão comparecer ao Campus, sendo eles: Medicina, Nutrição, Odontologia, Enfermagem, Psicologia, Farmácia, Serviço Social, Educação Física, Ciências Biológicas e Medicina Veterinária.

Em virtude das decisões tomadas pela Ufal, os estudantes da Instituição vem mostrando opiniões diversas sobre a retomada das aulas, questionando se este seria de fato o melhor momento para tomarem esta decisão.

Para Vitor Romário França, estudante do 11º período de Medicina pela Ufal, o retorno das aulas neste momento não parece ser muito propício, contudo ele alega se tratar de algo inevitável

“Acho que a volta acontece em um momento não oportuno, mas ela acontece, e a gente tem que lidar com ela. De alguma forma ela precisava acontecer, mas de uma forma mais elaborada, não como a Ufal está oferecendo”, disse

Vitor França é estudante de medicina pela Ufal


Elaborando um pouco mais as suas críticas sobre a decisão proposta pela Instituição, o acadêmico apontou questionamentos sobre a realidade financeira dos estudantes.

“Estudantes de cursos como medicina não tem uma realidade híbrida. Colocar esses alunos hoje no campo de prática tem todo um outro contexto, não sabemos a realidade financeira e de saúde dessas pessoas, elas vão precisar se locomover para a Ufal, vão precisar estar em dias específicos, vão precisar de EPIs, vão precisar se manter alimentarmente, vão precisar de toda uma estrutura e a Ufal não tá oferecendo, neste momento, auxílio estudantil, não está oferecendo EPIs”, completou.

Apesar de suas críticas, Vitor França reforça que concorda com a volta às aulas e tece elogios sobre a sua experiência com o PLE, ofertada pela Ufal no ano passado, alegando ter tido boas experiências.

“Acho que é uma decisão sã, não justa nem injusta, mas é para o momento porque a gente precisava manter esse momento fluxo. Foi boa [a experiência com o PLE], eu não posso mentir, foi uma experiência que para quem já tava longe dos estágios há um bom tempo ela trouxe essa rotina dos estudos, essa discussão médica que a gente sente muita falta, foi um período de muita complacência", comentou.

Porém, mesmo elogiando a alternativa proposta pela Ufal para não congelar totalmente as atividades previstas para o ano letivo de 2020, o futuro médico comenta ter sentido falta do contato humano. Para ele, o afeto e a presença física são insubstituíveis.

“Com certeza sinto falta das pessoas, óbvio. eu trabalho com gente o tempo todo e o afeto e o carinho e as relações psicossociais é muito importante, mesmo que a gente ‘teja ‘ali pelo computador, não há um reconhecimento de voz e de fala como presencial. A universidade é um núcleo social. Eu brinco que o ano de 2020 não existiu porque não existiu contato humano, não existiam as comemorações, não existiam as passagens de ciclo, não existiram coisas que são naturais para gente”, argumentou.

Como pensam os calouros?

Com um novo semestre se iniciando, uma nova leva de estudantes se preparam para ter as suas primeiras experiências com a Universidade, ambiente de muitas expectativas e realização de conquistas profissionais.

Para muitos, entrar em uma faculdade pública é a realização de um sonho por muito tempo almejado. No caso de Matheus Henrique Ayres, isso não foi diferente. Com 19 anos de idade, o jovem está atualmente cursando o primeiro período letivo de Licenciatura em História, pela Ufal.

Matheus Henrique iniciou a graudação em história de forma não presencial

Sem nunca ter tido a experiência de poder andar pelo Campus como um universitário recém chegado, Matheus relatou como foi ter iniciado a sua vida acadêmica através da tela de um computador.

“Eu não tinha tido um contato com a universidade antes. Quando eu tive o primeiro semestre pelo PLE, percebi o quanto sentia saudades do Campus e da aula presencial. Eu nunca os vi pessoalmente [seus colegas de turma], então são como amigos virtuais”, comentou.

Mesmo ansioso para poder vivenciar os seus primeiros momentos enquanto universitário, o jovem demonstra estar um pouco apreensivo sobre a dinâmica das aulas

“O desempenho na aula presencial é maior. Não tem distrações, problemas na câmera, microfone, etc. Já esperava que fosse acontecer alguma hora [ a volta às aulas ], mas estou tranquilo. Tomara que não seja exaustivo... é complicado prestar atenção por horas consecutivas ao computador. Acho que deveria continuar no modelo do PLE”, afirma Matheus.

Na visão dos especialistas

Na visão dos profissionais de saúde, a substituição da interação social para a virtual é um assunto controverso. Não é um consenso afirmar que essa troca possa ocasionar problemas psicológicos ou emocionais, todavia é necessário estar atento para possíveis agravantes em quadros já existentes.

A psicóloga Bárbara Cavalcante ofereceu às suas perspectivas sobre o assunto, para ela, a retirada das interações sociais podem externar problemas adormecidos.

“Esse cenário de pandemia e isolamento social pode levar ao desenvolvimento ou agravamento dos sintomas de transtornos mentais, tanto dos já diagnosticados, mas principalmente dos não diagnosticados. Porque as pessoas com transtornos precisam de acompanhamento contínuo, o que é favorecido quando você tem uma rotina social. A pandemia ou retirou completamente, ou prejudicou em vários aspectos essa rotina social, o que por sua vez, pode repercutir no acompanhamento e autocuidado continuado dessas pessoas, somado a todas as questões específicas da pandemia, para além do isolamento, como a preocupação de familiares e amigos que contraíram, que possam estar internados, etc Além disso tudo, lares disfuncionais ou ambientes familiares tóxicos podem ser somados para deteriorar ainda mais a saúde mental da pessoa”, explicou.

Bárbara Cavalcante é psicológa formada pela Ufal


No entanto, mesmo sendo preciso ter bastante cuidado com o possível agravamento da saúde mental, a profissional reforça a importância da internet como uma possível ferramenta para combater pioras no quadro de doenças psicológicas.

“Existem vários contextos, mas ao invés de pensar que o uso prolongado do computador possa ser diretamente associado a efeitos negativos nas pessoa, nessa situação da pandemia a gente não pode descartar o cenário de que, para muitas pessoas, o convívio social e as interações estão acontecendo justamente pelo acesso a essa tecnologia e redes de informação. Permitindo inclusive a possibilidade do acompanhamento continuado com profissionais da saúde mental, ainda que seja de forma virtual”, afirmou.