Saúde

Maceió registra 1.224 casos de HIV/Aids e estigma social ainda faz parte do imaginário popular

Nesta reportagem conversamos com o professor de dança Fênix Zion sobre esta problemática social

Por Felipe Guimarães* 27/06/2021 08h08
Maceió registra 1.224 casos de HIV/Aids e estigma social ainda faz parte do imaginário popular
HIV - Foto: Agência Brasil

A epidemia do HIV/Aids, ocorrida no início da década de 80, no Brasil, ficou marcada na memória nacional como uma das maiores tragédias enfrentadas pela humanidade. Hoje, apesar dos avanços e das pesquisas mais atualizadas já terem esclarecido como a doença funciona no organismo, o risco de contrair o vírus nunca deixou de existir.

Segundo o boletim epidemiológico da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Maceió, entre os anos de 2014 a 2019, foram registrados pelo menos 1.224 casos de Aids somente na capital alagoana. Destes, os anos com o maior índice de identificação para o sexo masculino foram 2017 e 2018, enquanto para o feminino foram 2016 e 2018.

Analisando os dados apresentados pela SMS, foi possível perceber que o grupo de indivíduos mais afetados pela doença, nos últimos seis anos, foi o de homens, nas idades de 20 a 39 anos, e sendo estes moradores do bairros Tabuleiros dos Martins, Benedito Bentes, Cidade Universitária e Jacintinho.

Os dados mais recentes comprovam esta tendência de homens, jovens e periféricos em relação à doença. Em 2020 foram catalogados 326 casos de HIV em homens adultos e  127 em mulheres. Em 2021, foram registrados 102 casos em homens e 35 em mulheres. A aparente queda no número de casos registrados, pode estar diretamente relacionada ao isolamento social ocorrido pela pandemia da Covid-19.

Já em relação aos casos de Aids registrados entre os homens de Maceió, em 2020, foram identificados 127 casos em homens e 44 em mulheres. No ano de 2021, foram catalogados 20 casos em homens e outros 14 em mulheres. Nestes dois anos, os bairros com maior frequência nos diagnósticos foram os do Benedito Bentes (22), Jacintinho (31), Tabuleiro dos Martins (15), Trapiche da Barra (11), e Cidade Universitária (11).


Em relação à taxa de mortalidade da população vivendo e convivendo com a doença, tivemos um total de 416 óbitos registrados entre os anos de 2014 e 2019. Conforme exposto no gráfico abaixo, os anos com a maior taxa de mortes registradas foram 2015, com 86 mortes, e 2017, com 73.

Os dados seguem: 2014 (71) 2015 (86) 2016 (70) 2017 (73) 2018 (67) 2019 (49)





Vivendo e convivendo com o vírus


Em busca de pessoas dentro deste perfil anteriormente mencionado, a nossa reportagem encontrou Fênix Zion, uma pessoa negra, trans não-binárie e residente no bairro do Jacintinho, em Maceió. Fênix é professor de dança pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal), atua com moda e recebeu o seu diagnóstico há quase seis anos.

Em seu relato, Fênix nos contou ter descoberto o seu diagnóstico de HIV positivo no dia 17 de setembro de 2015, quando resolveu fazer o seus exames de ISTs após o término de uma relação amorosa. Com o resultado e seu exame, o seu mundo teria mudado completamente.

“Naquele momento meu medo não era a morte, chorei com o receio de perder a liberdade da minha vida, do meu corpo e dos palcos, mas como eu já vinha participando de algumas movimentações sobre negritudes e a comunidade LGBTQIAP+, eu não me dei tempo para respirar, iniciei a Terapia Antirretroviral (TARV) ao mesmo tempo também comecei a estudar sobre o Movimento HIV/Aids”, comentou.

Questionado se teria sido difícil conseguir prosseguir com o seu tratamento em Maceió, o artista alegou não ter encontrado grandes barreiras. Contudo, essa facilidade foi graças aos movimentos sociais que lutaram pelo acesso aos medicamentos.

“Inicialmente não [encontrou dificuldade], porque eu morava numa região central de Maceió e se qualquer pessoa seguir o protocolo pré-estabelecido pelos Serviços de Assistência Especializada (SAE), aparentemente está tudo bem, mas quando fui estudar o início da epidemia da AIDS até chegar no Brasil, percebi que havia uma movimentação de ativistas e coletivos que contribuíram para a estruturação do Movimento HIV/Aids no mundo, fazendo dessas pessoas fundamentais”, revelou.

Contudo, apesar da importante contribuição feita no passado, viver e conviver com a doença não afeta todas as pessoas da mesma maneira. Como explicou Fênix, existem recortes sociais que afetam a experiência do indivíduo com o vírus.

“Faço parte de um núcleo de ativistas dentro do Movimento HIV/Aids no Brasil que pensa e produz na compreensão de que a AIDS é uma doença social, por isso afeta públicos específicos, sendo assim, a população negra, periférica e tranvestigêneres (travestis, mulheres trans, homens trans e trans não-binaries) são os mais afetados por não ter uma política pública afetiva”, esclareceu.

Indo além em suas análises, o dançarino criticou a postura adotada pela população alagoana, identificando o preconceito e o estigma vigente na sociedade até os dias atuais.

“O raciocínio na maioria das pessoas que vivem em Alagoas é preconceituoso, mesmo quando se tem acesso a informação, as pessoas escolhem a hipocrisia ou o silêncio que são vestígios dos estigmas da Aids ainda dos anos 80, quando a igreja e estado propagavam o discurso sorofóbico ou aidsfóbico da peste gay”, criticou.

Essas questões o afetam, inclusive, em sua busca por necessidades humanas básicas, como o direito de se relacionar afetivamente com alguém.

“Muitos se assustam quando acessam algumas das minhas produções, ou quando veem minha sorologia pública nos aplicativos de relacionamentos. Tem muitas pessoas que me admiram, me respeitam, me desejam e se apaixonam, nesse último caso, aceitar que está sentindo afeto por alguém que vive de maneira aberta com a sorologia para o HIV é complicado, porque todos esperam de mim e das pessoas que vivem com HIV ou pessoas que vivem com Aids é o silêncio, e minha história de vida não é essa, sou um artista e ativista, eu tenho um legado e não será de silêncio e solidão”, pontuou.

Recomendações


A história de vida relatada por Fênix Zion, está longe de ser considerada um relato individual sobre como a doença afeta a vida de milhares de brasileiros, todos os anos.

Como sugestão para se aprofundar nessas narrativas, indicamos o documentário brasileiro “Carta para além dos muros”, disponível nas plataformas de streaming digital.

Neste filme, acompanhamos a trajetória histórica do vírus HIV e da AIDS no imaginário brasileiro, desde a epidemia que tomou o mundo e deixou milhares de vítimas nas décadas de 1980 e 1990, até os dias atuais. Através de entrevistas com médicos, pessoas que vivem com o vírus, ministros, personalidades e representantes de movimentos sociais sobre a epidemia, o diretor André Canto propõe uma reflexão sobre a evolução dos tratamentos e os desafios e estigmas ainda enfrentados por portadores de HIV.

*Estagiário com supervisão da editoria