Brasil

Chopeira, cama de casal, chuveiro e fogão: conheça os 'luxos' de Fusca adaptado por morador em SP

'Tudo que põe nele fica bonito', diz Benevides Paganelli, que cuida do carro há 22 anos

Por G1 Ribeirão Preto e Franca 20/01/2023 09h09 - Atualizado em 20/01/2023 09h09
Chopeira, cama de casal, chuveiro e fogão: conheça os 'luxos' de Fusca adaptado por morador em SP
'Fusca-hotel' de seu Benevides em exposição em Franca (SP) - Foto: Arquivo Pessoal

Por fora, o Fusca do pintor e escritor Benevides Paganelli, de São Joaquim da Barra (SP), é um carro comum. Mas por dentro, o modelo, que é do ano de 1985, é praticamente uma casa completa: tem cama de casal, chuveiro, mesa, frigobar, recursos multimídia, fogão e até chopeira.

“Tudo que a gente põe nele, de efeito, equipamento, acessório, ele agradece. Tudo que você põe nele, fica bonito”, afirma.

O Dia Nacional do Fusca é celebrado nesta sexta-feira (20). A data marca o aniversário do início da fabricação do modelo da Volkswagen no Brasil, em 1959. Em 2023, portanto, o automóvel clássico completa 64 anos no país.

Desses 64, seu Benevides é apaixonado pelo modelo há 62 - desde que nasceu, mais especificamente. Essa paixão foi o combustível para o pintor aceitar um desafio em 2001: mostrar que o modelo, conhecido por ser compacto, pode acolher muito mais coisas do que as pessoas imaginam.

Dono e o carro não passam despercebidos por onde vão. Desde que apareceram no programa da TV Globo, "Mais Você", da conterrânea Ana Maria Braga, o pintor e o fusca-hotel ficaram conhecidos em todo o país. Quem deu o apelido para o carro de seu Benevides, inclusive, foi o Tom Veiga, intérprete e criador do Louro José, mascote da atração na televisão.

Como o pintor é um grande fã do programa, ele adotou o nome sem pestanejar. Mas a verdade é que o carro está mais para uma casa do que para um hotel, já que o pintor não o aluga para ninguém. Ele usa o carro no dia a dia para trabalhar, passear, acampar, e para marcar presença nos diversos encontros de carros antigos que participa na região de Ribeirão Preto.

E tal como uma casa, quem conhece melhor o fusca-hotel é seu dono.

“Pra guardar as coisas dentro do Fusca, só eu mesmo. Outra pessoa não consegue guardar. Não sabem onde vai, como é que coloca essa peça ou aquela. Tem tudo no lugar certo, eu fiz tudo sob medida”, se orgulha seu Benevides.

O início

As adaptações no Fusca começaram em 2002, cerca de um ano após o pintor comprar o carro. A primeira delas foi uma mesa improvisada. A ideia surgiu em uma noite em que tinha saído para comer um lanche com a namorada. Logo depois, veio a ideia de colocar uma televisão, que, na época era, de tubo. A cama de casal foi uma maneira de pôr os pingos nos ‘is’.

“Fiz para desafiar o espaço do Fusca, que todo mundo comenta que é um carro pequeno, não leva um bujão de gás, uma caixa de cerveja… Muita gente falava isso na época”, lembra seu Benevides.

Mas o pintor nunca subestimou o potencial do Fusca, e a lista de adaptações foi aumentando. Frigobar, fogão a álcool, mesa externa e interna, caixa d ' água com bomba para abastecer o chuveiro acoplado, suporte para guarda-sol, além de objetos como saboneteira, tapete de box, lixeira, cortinas e espelho.

“Tudo que você imaginar que uma casa tem, tem no meu carro”, afirma.

Fã do Fusca desde criança, já admirava o modelo do tio quando ainda era pequeno. Seu Benevides comprou o primeiro Fusca aos 28 anos, mas vendeu e comprou o atual, que tem o motor mais econômico. E desde então, não pensa em trocar de carro.

“Naquela época, as pessoas começavam com um Fusca para ter um carro bom. E hoje, ao contrário: quem teve Fusca e vendeu quer voltar a ter um”, afirma.

Parado no tempo?

O carro pode ser o mesmo, mas 22 anos são uma vida. As coisas mudam, e com o fusca-hotel não foi diferente. A TV de tubo virou uma LCD, que acabou dando lugar para uma de Led. O DVD hoje é uma central multimídia, onde dá pra assistir filmes e séries.

A chopeira ganhou uma torneira e o teto, hoje, é solar. A qualidade da cama de casal e do chuveiro acoplado melhorou. Mas tem uma mudança que vai ficar para sempre: a imagem do Louro José fixada na lateral da cama em homenagem a Tom Veiga, companheiro de Ana Maria Braga que batizou o veículo e faleceu em 2020.

A primeira vez que seu Benevides apareceu no Mais Você foi em 2003. Foi naquela ocasião que o carro foi batizado pelo Louro. Em junho de 2022, ele voltou ao programa da Globo para mostrar todas as melhorias que fez no fusca-hotel ao longo dos anos.

Mas apesar de todas as mudanças, na opinião do seu Benevides, ainda se pode dizer que o Fusca é atemporal.

“Você pode usar todo dia, em qualquer lugar, usar uma peça velha e ninguém repara. A mesma coisa é um Fusca. Você, tendo um fusquinha, entra e sai em qualquer lugar. [...] Agora os outros, o pessoal fala: ‘ah, comprou esse carro aí? Esse carro já era, não acha mais peça, saiu de linha… Cada um põe um defeito. Agora, o Fusca, não. Você chega num Fusca, todo mundo admira: ‘que fusquinha ajeitado, que fusquinha legal, esportivo”, explica.

Família de fusqueiros

O relacionamento que inspirou a ideia da mesa, a primeira adaptação no fusca-hotel, não vingou. Hoje, seu Benevides é solteiro e divide o tempo entre trabalho, escrever poesias, cuidar da mãe acamada e, claro, do Fusca, que trouxe mais felicidade do que ele poderia imaginar.

Os encontros com outros amantes do carro fizeram seu Benevides conhecer pessoas novas, criar amizades e formar uma verdadeira família de “fusqueiros”. Reconhecido por onde passa, ele coleciona histórias. Dentre elas, ele destaca uma vez em que um padre de Barretos (SP) viajou para São José de Rio Preto (SP) só para conhecê-lo. “Foi uma emoção muito forte”, lembra.

Nesses encontros, o fusca-hotel é sempre uma estrela. E seu Benevides, tal como uma celebridade já acostumada com os holofotes, fica à vontade.

“Eu sempre sou eu mesmo nos encontros, sabe? É muito bom [...] O ambiente é muito agradável, com músicas de época…”, diz ele, que gosta de cantores como Roberto Carlos e Ronnie Von.

Se hoje em dia muitos jovens adaptam vans para viajarem em motorhomes, seu Benevides conseguiu, com seu fusca, criar raízes em diversos lugares. De Ribeirão Preto a Campinas (SP), de Franca (SP) a Capitinga (MG), ele leva a casa e a família consigo. Para ele, é quase uma forma de mudar o mundo.

“No mundo de hoje, a gente está precisando de família, para melhorar esse mundão do jeito que tá indo. Preservar a cultura, de uma forma geral, porque infelizmente parece que ela tá indo embora, e nós precisamos resgatar ela”, afirma.

Fusca vai ser doado


Essa família também proporciona uma parceria que ajuda seu Benevides a continuar mantendo o carro. Eles trocam dicas de peças, de lugares mais baratos, indicam profissionais. O investimento ao longo dessas duas décadas foi alto, já que, hoje em dia, manter um Fusca sai caro, mas compensa.

“É um carro que sempre me deu prazer e satisfação”, afirma. “Apesar dos perrengue que a gente passa na vida, tem coisas que o dinheiro não paga”.

Os encontros de fusqueiros, que costumam ser beneficentes, também o inspiraram a tomar uma atitude nobre. Sem filhos, ele fez um testamento do fusca e da casa, seus bens materiais mais valiosos, para deixá-los para o Hospital de Amor de Barretos.

Para seu Benevides, não existe maior recompensa que ajudar o próximo e as emoções que sente ao encontrar o público que vem dar uma espiada no fusca-hotel. Por isso, o sentimento que mais diz ter é gratidão. Mas ele acha que não está sozinho nessa.

“Se meu Fusca falasse, eu acho que ele falava pra mim 'obrigado, meu jovem, meu parceiro', diz.

Tags: