Polícia

Órgãos infectados: técnico preso diz que laboratório reduziu o controle de qualidade de exames para economizar

Ivanilson Fernandes afirmou em depoimento que o estabelecimento deixou de fazer o controle diário para uma vez por semana

Por O Globo 15/10/2024 11h11 - Atualizado em 15/10/2024 11h11
Órgãos infectados: técnico preso diz que laboratório reduziu o controle de qualidade de exames para economizar
O técnico Ivanilson Fernandes dos Santos, responsáveis técnicos pelos laudos do PCS Lab Saleme - Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo

Preso nesta segunda-feira, o técnico de laboratório da PCS Lab Saleme Ivanilson Fernandes dos Santos afirmou que o estabelecimento passou a fazer testes de controle de qualidade de seus equipamentos semanalmente para economizar. Em depoimento à Polícia Civil, divulgado pelo Jornal Nacional, ele conta que o procedimento era feito diariamente até dezembro de 2023, mas para reduzir os custos a coordenadora Adriana Vargas ordenou que fossem feitos uma vez por semana.

"(Podem) ocorrer erros em face de que os reagentes ficam degradados por permanecerem muito tempo na máquina analítica; que o controle é uma segurança da certeza do resultado e por isso deve ser diário. Quando houve houve a mudança no controle de qualidade, Adriana Vargas disse que a ordem era economizar porque estava tendo muitos gastos", disse em depoimento.

O secretário de Polícia Civil, Felipe Curi, afirmou, durante coletiva nesta segunda-feira, que uma quebra no controle de qualidade dos testes de diagnóstico de HIV foi responsável pela infecção de seis pacientes transplantados no Rio de Janeiro. De acordo com Curi, o teste do reagente responsável por detectar a doença, que deveria ser realizado diariamente, estava sendo feito semanalmente visando a diminuir as despesas do laboratório de análises clínicas PCS Lab Saleme — contratado pela Fundação Saúde do Estado do Rio, vinculado à Secretaria estadual de Saúde — e aumentar o lucro.

— As informações iniciais colhidas até o momento dão conta de que houve uma falha operacional de controle de qualidade nos testes aplicados ao diagnóstico de HIV. E tudo isso com o objetivo de obter lucro na questão dessas análises. A questão contratual também está sendo investigada pela Polícia Civil — explicou.

O delegado André Neves, diretor do Departamento-Geral de Polícia Especializada (DGPE), complementou destacando que os reagentes precisavam ser analisados sistematicamente. A falta dessa prática aumenta as chances de efeitos colaterais nos pacientes:

— Houve uma quebra do controle de qualidade, visando à maximização de lucro e deixando de lado a preservação e a segurança da saúde dos testes. Os reagentes precisavam ser analisados sistematicamente, diariamente, e houve uma determinação, que estamos apurando, para que fosse diminuída essa fiscalização de forma semanal. E essa lacuna, você flexibiliza e aumenta a chance de ter algum efeito colateral.

Por contrato, o PCS Lab Saleme deveria analisar o sangue de todo candidato a doador de órgãos. Para saber se a pessoa era soropositivo, uma amostra é exposta a um reagente. Contudo, esse reagente precisa ser submetido a um teste de qualidade antes de ser usado. A infectologista Raquel Stucchi, do Comitê de Transplantes da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), destaca a importância de uma fiscalização rigorosa:

— A legislação proíbe a utilização de órgãos com HIV. O possível doador deve fazer os exames em um tempo preciso para que eles estejam no melhor quadro possível. Sendo assim, a pessoa não pode ter ficado muito tempo entubada, por exemplo. Os resultados dos exames devem sair no dia ou em até 24h para saber se aquele doador está inviabilizado ou não. Os laboratórios só devem trabalhar com reagentes que são registrados pela Anvisa. Para a maior parte dos testes, se não para todos, tem que existir um controle positivo e um negativo. Isso vale mesmo que o teste esteja no prazo e seja validado, é para vermos se ele está funcionando bem e vai detectar alguma doença

Mãe não pode amamentar filha por erro em exame


Uma moradora de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense do Rio, denunciou à polícia que houve um erro no exame de HIV que ela fez no PCS Lab Saleme, investigado por transplantes de órgãos infectados, e sua filha recém-nascida teria recebido tratamento para soropositivos por 28 dias. Ao RJTV, Tatiane Andrade, de 30 anos, contou ainda que sofreu estresse pós-traumático por acreditar que estava com o vírus.

A bebê, hoje com 1 ano, teve que tomar coquetel de remédios logo após o nascimento prematuro, de 7 meses. Tatiane também não pode amamentar a própria filha para evitar que a suposta infecção pelo HIV fosse transmitida para a bebê. Ela ainda foi medicada para secar o leite e nunca amamentou a criança.

O parto aconteceu na maternidade particular NeoMater de Nova Iguaçu, em setembro de 2023, e no dia do nascimento da filha, ela realizou um teste de HIV na unidade que contrata a PCS Lab Saleme para os exames. O resultado deu positivo.

"Quando o resultado saiu, no dia 19 de setembro de 2023, foi o médico e a psicóloga do hospital para me darem a notícia. Naquele momento, meu mundo acabou. Eu, que já estava debilitada, pois tinha acabado de ter uma filha e ainda mais prematura, pedia para Deus que a minha bebê não tivesse nada", contou Tatiane ao RJTV.

O laudo de HIV positivo de Tatiane foi assinado por Walter Vieira, um dos sócios presos hoje na Operação Verum por assinar um laudo com falso negativo de um doador de órgão infectado pelo HIV. Ele é tio do deputado federal Doutor Luizinho (PP), que foi secretário de Saúde do Rio no ano passado.

Segundo entrevista de Tatiane ao RJTV, ela aguardava documentos para processar a maternidade e o laboratório. Com as notícias sobre os transplantados infectados pelo HIV, ela decidiu levar seu caso à polícia. O registro foi feito na tarde desta segunda-feira na 56ª DP (Comendador Soares).

"Colheram meu sangue e minha filha nasceu. Porém, algumas horas depois, um médico foi e me disse que o teste deu positivo pra HIV e que minha filha, com minutos de vida, começaria a tomar o coquetel. Eu só me desculpava para o meu esposo falando que eu não fiz nada e pedia desculpa pra ele caso o tivesse contaminado", lembra a mulher sobre o início do protocolo especial para mães soropositivas no momento do parto.

Após o parto, ela resolveu realizar outro teste mais aprofundado na própria maternidade, mas não recebeu o resultado. O PCS Lab Saleme alegava que a responsabilidade da entrega do laudo era do hospital e o hospital dizia que era do laboratório. Ela então fez um novo teste em outro laboratório. Em 26 dias, no dia 10 de outubro, conseguiu esclarecer que nem ela, nem o marido e nem a filha estavam infectados.

"Fui à sede de Nova Iguaçu e me disseram que não era meu direito pegar o resultado. Só depois que ameacei processar e chamar a imprensa, que emitiram meu resultado, em janeiro desse ano", explicou. Ela disse ainda que até hoje não superou o acontecido. "Por razões de plano de saúde, eu faço terapia na mesma rua da sede do PCS Laboratórios, e passar por lá me entristece e me faz reviver tudo que vivi", diz.

Ao G1, a direção da NeoMater afirmou que "em razão do sigilo" não pode comentar e que "a paciente em questão recebeu todos os esclarecimentos devidos durante a permanência na unidade”. Alegando ainda que, após a alta, mantiveram à disposição todos os resultados dos exames feitos e o acesso ao prontuário.

Já o PCS Lab Saleme disse que “o resultado do terceiro teste da gestante estava disponível desde o dia 29/09/23, mesma data em que foi acessado pela maternidade" e que, entre 14 de janeiro a 12 de outubro, o resultado teria sido impresso 12 vezes pela equipe da maternidade, conforme registro do sistema. Acrescentando, ao G1, que “é responsabilidade dos hospitais informar os resultados de exames de pacientes atendidos ou internados nessas unidades". Eles não comentaram o erro no exame.