No bunker do PT, clima de velório e declarações de guerra
Após eleição de Jair Bolsonaro, dirigentes petistas pregam resistência "nas ruas, no parlamento e nas trincheiras"
No bunker montado pelo PT em um hotel nos Jardins na Zona Sul de São Paulo, o clima foi do pranto à revolta com a eleição no segundo turno do candidato Jair Bolsonaro (PSL). O resultado adverso já era esperado, mas a militância só começou a sentir o baque quando saiu a pesquisa de boca de urna que mostrava o capitão do Exército com cerca de 10 milhões de votos a mais do que o candidato do PT, Fernando Haddad, o que viria a se confirmar depois com a abertura das urnas.
Antes de sair o resultado oficial, o silêncio imperou na maior parte do tempo no saguão do hotel e só foi rompido quando o coordenador da campanha Paulo Okamotto gritou um sonoro “ganhamos”. Alguns militantes saltaram da cadeira, mas a empolgação durou pouco. Ele se referia à eleição da senadora petista Fátima Bezerra ao governo do Rio Grande do Norte – a única vitória do PT neste segundo turno. A disputa nacional, contudo, já estava decidida.
O silêncio deu lugar ao choro, quando os telejornais começaram a exibir a celebração de apoiadores de Bolsonaro nas praias do Rio de Janeiro. Do lado de fora do hotel, entrava o som de vuvuzelas, buzinaços e fogos de artifício que eram lançados a duas quadras dali, na Avenida Paulista.
Após o pranto, veio o sentimento de revolta que foi vocalizado por dirigentes petistas. “Se ele declarar a guerra mesmo, nós vamos para a guerra. Nas ruas, no parlamento e nas trincheiras”, disse o senador Humberto Costa (PT-PE), reeleito neste ano. O presidente do diretório estadual de São Paulo, Emídio Souza, foi na mesma linha: “Não estamos tratando de um presidente comum, ele chamou o país para a guerra e nós vamos para a guerra”.
O tom belicoso faz parte da estratégia petista para se firmar como protagonista na oposição ao governo Bolsonaro. O candidato do PT, Fernando Haddad, não telefonou ao presidente eleito e, em seu pronunciamento, invocou frases do hino nacional para dizer que “um professor não foge à luta, nem teme quem adora a liberdade à própria morte”. “Eu coloco a minha vida à disposição deste país. Tenho certeza que falo por milhões de pessoas que colocam o Brasil acima da própria vida, do próprio bem-estar”, completou. A militância atendeu ao apelo, chamando-o de “guerreiro” e entoando gritos de “a luta começou”.
Apesar do tom mais ameno no discurso da vitória, Bolsonaro falou na semana passada em “banir da pátria os marginais vermelhos”. “Ou vão para fora ou vão para a cadeia”, disse ele em referência aos seus adversários, o que, obviamente, causou revolta entre os petistas. Ao ouvir que ele pretendia tirar o país do socialismo no pronunciamento de hoje, transmitido pelo Facebook, um integrante da campanha de Haddad se queixou em voz alta: “Olha essa fala. Nem ganhar esse cara sabe”.
Uma reunião da direção do PT foi marcada para esta terça-feira em São Paulo para deliberar sobre uma agenda de ações contra o militar ainda neste ano. Antes, os dirigentes devem consultar o seu líder máximo, o ex-presidente Lula, que está preso em Curitiba condenado por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá (SP). Emídio irá já nesta segunda-feira. Haddad, na terça ou na quarta-feira depois de tirar um dia de descanso da campanha.
O único que já anunciou atos concretos contra Bolsonaro foi o coordenador do MTST e candidato do PSOL, Guilherme Boulos, que saiu do hotel falando em manifestações a serem realizadas nesta semana. “Bolsonaro foi eleito a presidente e não a ditador. Vamos lembra-lo disso”, declarou.
O capitão não era o único alvo de ataques dos petistas. O candidato do PDT Ciro Gomes, que ficou em terceiro lugar na disputa, também foi bastante criticado por não ter declarado o seu voto em Haddad no segundo turno – ele se limitou apenas a pedir um voto contra a intolerância. “Ele não teve uma postura de líder. Eu entendo a mágoa dele. Mas ele não tomou uma decisão que coloca o país acima de questões pessoais”, afirmou Emídio.
Os petardos contra o ex-governador do Ceará antecipam a disputa que haverá a partir de agora para saber quem liderará a oposição a Bolsonaro no campo da centro esquerda. Ciro recebeu 13 milhões de votos no primeiro turno e o seu partido, o PDT, elegeu uma bancada de 28 deputados, oito mais do que em 2014. Já Haddad perdeu para o candidato do PSL, mas não “de lavada”, como mostravam as primeiras pesquisas do segundo turno – recebeu 47 milhões de voto e a sua sigla conseguiu a maior bancada da Câmara, com 56 deputados. Tanto um como o outro saem da eleição maior do que entraram. E 2022 já começa a aparecer no horizonte.