Botijão de gás chega a custar 10% do salário e pode superar R$ 100
O preço do gás de cozinha começou a aumentar muito a partir de 2019, quando a Petrobras aumentou sua política de preços e passou a acompanhar o mercado internacional.
Uma das tantas promessas de campanha do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) era a de ter um botijão de gás a R$ 35. Hoje, porém, um botijão pode chegar a R$ 100 em algumas cidades. Na segunda reportagem da série "Cortina de Fumaça", do Jornal da Band, o repórter Yan Boechat mostra porque o preço subiu tanto e como muitas famílias estão se virando com lenha para cozinhar seus alimentos.
A família do mecânico Marcos Pastro não usa lenha. Ele não depende do auxílio emergencial para sobreviver. Mas também sente os impactos do aumento acelerado do gás.
“A gente só faz comida uma vez por dia, né? O fogão muito de manhã e à tarde praticamente não usa, ou usa o micro-ondas”, diz Pastro. “Era diferente: cozinhava de manhã, fazia à tarde, fazia bolo... Nem bolo estamos fazendo. A gente vem de uma família que sempre gostou de fazer as coisas, torta, bolo. Não se faz mais nada disso e nem usa forno também.”
Nos últimos meses, a família de Marcos optou por abandonar o forno para poder economizar o gás. As delícias feitas por Dona Mércia seguem apenas na memória.
“A torta de atum... Nossa, maravilhosa. A torta de atum, todas as reuniões tinham torta de atum. O pão franciscano que ela faz, bolo de banana... Mas não estamos fazendo por conta do gás, né?”
O preço do gás de cozinha começou a aumentar muito a partir de 2019, quando a Petrobras aumentou sua política de preços e passou a acompanhar o mercado internacional.
No ano passado, o preço do gás de cozinha disparou junto com a cotação do dólar. Hoje, em algumas partes do Brasil, um botijão de 13 kg já equivale a quase 10% do valor do salário mínimo.
Nesses pouco mais de dois anos à frente do Super Ministério da Economia, Paulo Guedes ficou célebre por promessas não cumpridas. A lista é longa e variada, mas nenhuma delas parece tão distante do mundo real quanto a da redução do preço do gás de cozinha.
“Já existe um programa aí que nós estamos fazendo, o choque da energia barata. Daqui a dois anos o botijão de gás vai chegar à metade do preço na casa do trabalhador brasileiro”, prometeu Guedes em abril de 2019.
Quem tomou como certas as palavras do ministro tinha a esperança de pagar R$ 35 pelo botijão de gás neste mês de abril. Doce ilusão: hoje o brasileiro está pagando em média R$ 83 pelo gás de cozinha, uma diferença de 137% entre a promessa e a realidade.
Nesse ano de pandemia, o que já era ruim piorou. Só entre março de 2020 e março deste ano, o preço do gás de cozinha subiu 20%, quase quatro vezes a inflação no mesmo período. Em algumas regiões do país, como no Centro-Oeste, um botijão de 13 kg já está sendo vendido a R$ 120.
“É um valor muito alto”, reconhece Patrícia Costa, economista do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). “Por exemplo, a gente pode fazer um paralelo: considerando o auxílio emergencial de R$ 150, provavelmente vai dar para pagar o gás. Como a pessoa vai optar por não comprar o botijão porque ela precisa comer, então provavelmente ela vai ter que cozinhar com lenha caso ela perca o emprego durante esse período de pandemia”, acrescentou.
Na casa de Carmem Lúcia dos Santos, equivale a mais ou menos isso. Ela está desempregada e o marido vive de catar o que encontra na rua para sobreviver. Com o dinheiro do auxílio emergencial que recebeu no ano passado, investiu em um forno a lenha.
“Eu fiz mais é por causa mesmo do gás”, afirma Carmem Lúcia. “Eu tenho na raiz o fogão de lenha, mas só que (o gás) está muito caro. Eu fiquei aqui, lutando com o fogão. O gás chegou a quase R$ 100. Quando me falaram que o gás estava R$ 200, eu falei: ‘não, vou fazer um fogão, imagina’. Eu falei: ‘Deus, eu não sei, mas o senhor vai me ensinar’. Aí comecei a procurar pela internet e vi um fogão lá. Não era assim, mas na minha mente veio mais ou menos assim.”
No começo, foi difícil. “Veio até gente correndo, achando que eu estava colocando fogo na favela. Foi muito incrível aquilo. Deu um fumaceiro aqui. Mas eu disse: ‘não, gente, é o fogão que está apurando”, descreveu.
Hoje, nem o calor, nem a fumaça incomodam mais. Carmem Lúcia se acostumou a esse estranho novo normal.
“Eu costumo fazer arroz aqui porque a gente gosta da comida daqui. Ela é mais forte. Eu fiz aqui. O que eu fiz aqui foi moqueca. Encasquetei que queria aprender, e como eu já tinha o fogão, nossa, ficou lindo.”