Cultura

25 de Julho: ancestralidade e reconstrução do imaginário social da mulher negra

Data constitui-se um marco internacional da luta e da resistência da mulher negra em relação às opressões de gênero e raça

Por JOTA 25/07/2021 09h09 - Atualizado em 25/07/2021 10h10
25 de Julho: ancestralidade e reconstrução do imaginário social da mulher negra
Mulher negra - Foto: Reprodução

Com a chegada do Dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha, propomos uma reflexão acerca da importância da ocupação de mulheres negras, dos avanços e dos caminhos possíveis para a redução das desigualdades envolvendo este grupo social.

A data de 25 de julho foi instituída em 1992, no Primeiro Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas, realizado na República Dominicana e, desde então, a data constitui-se um marco internacional da luta e da resistência da mulher negra em relação às opressões de gênero e raça.

No Brasil, na mesma data, temos o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, homenagem à líder quilombola que liderou no século XVIII o Quilombo de Quariterê, atual fronteira do Mato Grosso e Bolívia, por força da Lei nº 12.987 de 02 de junho de 2014.

Mulheres negras (pretas e pardas) representam o maior grupo demográfico do país, com quase 30%, segundo dados da PNAD 2019. No entanto, estamos no ano de 2021 e apesar de ter uma mulher negra para cada 0,9 homens brancos no Brasil, infelizmente, as mulheres negras seguem sub-representadas na política, no Sistema de Justiça e no mercado de trabalho. É ainda extremamente comum ver mulheres negras serem precursoras na ocupação de diversos espaços e permanecerem solitárias dentro destas estruturas por anos.

Para facilitar a compreensão deste cenário, trazemos os dados do Projeto de Pesquisa Justa “que se propõe a facilitar o entendimento e a visualização de dados do financiamento e da gestão do Sistema de Justiça de maneira acessível e inovadora”:



Fonte CNJ, Censo 2018 | Elaboração Justa

Na advocacia o cenário parece não ser muito diferente. Desde o advento da determinação de cotas raciais de 30% para as eleições do Sistema OAB a partir deste ano, diversas Seccionais iniciaram a realização de Censo da Advocacia com resultados ainda não divulgados. Contudo, o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), de 2019, apontou, por exemplo, que as pessoas negras representam 1% das (os) advogadas (os) de grandes escritórios.

Nos demais setores a situação não muda. As mulheres negras possuem a menor presença em cargos de liderança, no binômio gênero-raça, vez que apenas 8% das mulheres negras brasileiras que trabalham no mercado formal ocupam cargos de gerente, diretora ou sócia proprietária de empresas e menos da metade das mulheres negras exerce trabalho remunerado (dados da pesquisa realizada pela consultoria Indique Uma Preta e Empresa Box1824)

O que isto nos diz? Precisamos todas e todos nos incomodar com este cenário de vulnerabilidade de mulheres negras e reconhecer as potencialidades da trabalhadora negra, em termos de reputação, performance e inovação.

As Gerações Y (Millennials) e Z não naturalizam as discriminações de gênero e raça e defendem pautas relacionadas ao tema. Segundo dados de Pesquisa da McKinsey em parceria com a Empresa Box1824: a geração Z é radicalmente inclusiva. Vivemos em uma sociedade onde a pauta da inclusão é basilar (capital social representativo), portanto, deve ser um compromisso social de todas as organizações, não um favor humanitário.

Em termos de performance (capital laboral quantitativo): empresas com maior diversidade são propensas a obter maior lucratividade, ou seja, a diversidade é um diferencial competitivo. Por fim, sobre inovação (capital intelectual qualitativo), mulheres negras são potências com força de transformação e inovação, porque o privilégio de se acomodar não é uma realidade para estas mulheres.

Para tanto é necessário refletir a inclusão de mulheres negras para além das armadilhas do chamado tokenismo.

O conceito de tokenismo (tokenização), ou o mito da inclusão, pode ser compreendido com esforço superficial de inclusão a partir da garantia de participação de algumas (alguns) poucas (os) representantes de grupos sociais em um dado ambiente que é vendido como democrático/inclusivo. Por exemplo, uma única mulher negra na composição dos quadros de uma determinada organização – ainda que com poder decisório – é suficiente para transformar esta organização em uma organização inclusiva?

A expressão foi utilizada pela primeira vez por Martin Luther King ainda em 1962, para quem’ “A noção de que a integração por meio de tokens vai satisfazer as pessoas é uma ilusão. O negro de hoje tem uma noção nova de quem é”.

Assim, as ações afirmativas voltadas à inserção e à manutenção de mulheres negras possuem o objetivo de reduzir as desigualdades socioeconômicas oriundas de discriminação e se afiguram como medida indispensável para o alcance da diversidade no âmbito das organizações. São formas de discriminação positiva necessárias, inclusive, para atender às diretrizes do Estatuto da Igualdade Racial[1] e da Constituição Federal, pois a própria ordem econômica tem como princípio a “redução das desigualdades regionais e sociais” (art. 170, inc. VII da CF), a partir de um referencial interseccional de gênero e raça.

Do contrário, uma proposta de inclusão e combate à desigualdade pode se transformar apenas em um marketing vazio de uma falsa inclusão de gênero e racial que não corresponda a realidade organizacional (Diversity Washing), reverberando na reputação da instituição e na saúde mental destas trabalhadoras negras que são usadas como tokens.

O dia 25 de julho é data de lembrança (não comemoração), pois, a partir dela conseguimos refletir sobre a caminhada, preservando a nossa história, e pensar nos próximos passos. Assim, nesta data reforçamos o chamado à responsabilidade de toda sociedade e todas as organizações para combater às opressões de gênero e raça, ao mesmo passo que situamos as mulheres negras em um lugar de potência e protagonismo para a transformação social, pois “a sociedade precisa reconstruir o imaginário social da mulher negra”, como aponta a Sueli Carneiro.

A própria história de aquilombamentos do país vai refletir a importância das lideranças femininas negras, por isso a referência de Tereza de Benguela é tão simbólica, sobre a força da representativa negra feminina, de sua organização e de sua capacidade social transformadora. Chamada de Rainha Tereza, ela comandou a estrutura política, econômica e administrativa do quilombo de Quariterê, que reunia mais de cem pessoas, entre negras e indígenas.

Esta reconstrução passa pelo resgate e valorização da força de mulheres negras históricas e inspiradoras, como Tereza de Benguela, Dandara, Aqualtune, Luíza Mahin, Carolina Maria de Jesus, Beatriz Nascimento, Lélia Gonzalez, e de tantas outras, sobre esta reconexão com ancestralidade de que se estamos aqui hoje é pela força das mulheres negras que nos antecederam.

Que esta data seja um chamado para conversar, ouvir, ler e seguir mulheres negras e redes de mulheres negras e que possamos, pessoas negras e não-negras, fortalecer esta luta. A coletiva Abayomi Juristas Negras, a Consultoria Indique Uma Preta, o GELEDÉS Instituto da Mulher Negra, o Movimento Black Money, Negras Plurais, Vale do Dendê, a ONG Crioulas, Odara Instituto da Mulher Negra, são apenas alguns exemplos das muitas redes de mulheres negras que têm debatido sobre os caminhos para a ocupação e representatividade da mulher negra no Brasil.

A luta da mulher negra se constrói a partir de um senso de coletividade e redes de aconchego e afeto para o fortalecimento e incentivo de cada vez mais mulheres negras.