Alagoas

MPF e Ufal constatam condições precárias de marisqueiras e pescadores na Barra de Santo Antônio

Adoecimento da comunidade Vila São Pedro e dificuldade de acesso a políticas públicas refletem em vulnerabilidade

Por 7Segundos, com Assessoria 09/05/2024 10h10 - Atualizado em 09/05/2024 18h06
MPF e Ufal constatam condições precárias de marisqueiras e pescadores na Barra de Santo Antônio
Ação ocorreu na comunidade de vulnerabilidade social - Foto: Assessoria

Durante inspeção, o Ministério Público Federal (MPF) e a Universidade Federal de Alagoas (Ufal) constataram a difícil realidade enfrentada pelos moradores da Vila São Pedro, antes conhecida como Vila Chié, localizada no município de Barra de Santo Antônio, no Litoral Norte do Estado. A comunidade está mergulhada num cenário de adoecimento, necessitando de atenção imediata. A vistoria foi feita na última segunda-feira (6).

As equipes da procuradora da República, Roberta Bomfim e da professora Dra. Eliane Cavalcanti foram recebidas por Ana Paula, representante da Rede de Mulheres Pescadoras da Costa dos Corais, e representantes da comunidade, que guiaram a visita. Esta pequena comunidade está instalada nas proximidades da área de mangue, na margem do rio Santo Antônio, é formada por marisqueiras e pescadores (cerca de 80 famílias) e se sustentam da atividade pesqueira, em especial do massunin.

Durante a visita, os moradores relataram doenças que podem ter relação com as atividades desempenhadas pelos catadores de massunim. Além dos males ósseos e articulares, que podem estar ligados à falta de vitamina e às posturas e exercícios repetitivos na prática de catar o marisco, também foi apontada a disseminação de condições como a amebíase, verminoses, diabetes e hipertensão.

As mulheres, por sua vez, enfrentam recorrentes problemas ginecológicos, muitas vezes sem acesso a exames e tratamentos adequados.

A condição de extrema vulnerabilidade social é agravada pela presença de resíduos, esgoto a céu aberto, entulho, cascas de marisco e animais soltos por toda a comunidade. Esta realidade não apenas expõe os pescadores e marisqueiras, mas também, e mais preocupantemente, as crianças, cujo desenvolvimento e saúde podem ser comprometidos por este ambiente.

A professora e bióloga Eliane Cavalcanti, que participou da inspeção, não hesitou em descrever a comunidade como adoecida e em uma situação de vulnerabilidade alarmante, informando que devem ser indicadas ações de melhoria na política de saúde pública no local.

Por sua vez, a procuradora da República Roberta Bomfim, membro do núcleo de tutela coletiva, destacou que a visita foi motivada pela necessidade de melhor conhecer a comunidade, mas que a inspeção revelou necessidades que ultrapassam em muito as doenças causadas pela contaminação da água e outros agentes poluentes. O problema se estende à falta de acesso a medicamentos, tratamentos e exames, exigindo medidas efetivas e elementares das autoridades competentes.

“Diante desse quadro, é imprescindível que os órgãos responsáveis, em todas as esferas de governo, ajam para mitigar os danos à saúde e promover a dignidade e o bem-estar dessa comunidade tão negligenciada. Os habitantes da Vila São Pedro estão adoecidos, e a inação não pode ser uma opção”, finalizou Roberta Bomfim.

Registro Geral dos Pescadores

Marisqueiros e marisqueiras da Vila São Pedro relataram que têm enfrentado dificuldades para conseguir o registro como pescadores (RGP).O RGP é um documento emitido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e tem como principal objetivo regularizar a situação dos pescadores, garantindo seus direitos e acesso a benefícios.

Legalização da atividade: Confere legitimidade à profissão, garantindo que os trabalhadores estejam em conformidade com as leis e regulamentos da pesca;

Acesso a direitos trabalhistas: Permite que os pescadores tenham acesso a direitos trabalhistas, como aposentadoria especial, seguro-desemprego, auxílio-doença e benefícios previdenciários;

Participação em programas sociais: Muitos programas voltados para a pesca artesanal exigem o RG de pescadores como critério de participação. Isso inclui programas de capacitação, assistência técnica, financiamento e subsídios;

Controle e gestão da pesca: Ao saber quantos pescadores estão atuando em determinada região, o poder público pode implementar medidas adequadas para garantir a preservação dos estoques pesqueiros;

Identificação pessoal: Além de todos os aspectos legais e de acesso a benefícios, o RG de pescadores serve como documento de identificação pessoal, facilitando o relacionamento com órgãos governamentais, instituições financeiras e outras entidades.

Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração (PELD)

Representantes do programa PELD também participaram da visita, assim como o Observatório do Manguezal. O programa é um observatório de pesquisa sobre manguezais e ecossistemas, destaca uma realidade fundamental: a saúde do entorno está intrinsecamente ligada à preservação do meio ambiente. Isso é especialmente relevante para comunidades como a Vila São Pedro, onde os desafios de saúde pública estão intimamente relacionados às condições ambientais.

Em Alagoas, a inclusão de áreas como a Barra de Santo Antônio, Paripueira e Ipioca (em Maceió) no observatório ressalta a importância de entender como problemas de saúde pública estão ligados ao meio ambiente local.

Questões como saneamento básico e gestão de resíduos, como esgoto e lixo, exigem não apenas intervenções práticas, mas também esforços de conscientização. É necessário que a comunidade esteja envolvida, especialmente considerando os territórios tradicionais, onde homens e mulheres da pesca são fundamentais.

Um levantamento detalhado dos dados da comunidade, incluindo seu histórico e origens, é essencial para compreender plenamente os desafios enfrentados. Além disso, é fundamental promover uma campanha de valorização dos pescadores e marisqueiras, destacando seu papel como trabalhadores essenciais para a comunidade e incentivando o respeito e reconhecimento de sua profissão.

Meio Ambiente, Saúde Pública e Comunidade Tradicional

O MPF vem acompanhando os impactos ambientais e sociais da poluição do Rio Santo Antônio há alguns anos. Os impactos já diagnosticados revelam danos ambientais que se desdobram em danos à saúde de todos que se relacionam diretamente com o rio, especialmente comunidades tradicionais de pescadores.

A situação da saúde, especialmente das mulheres pescadoras, já levou à realização de audiências públicas e reuniões para tratar do assunto. Nas mais recentes reuniões, ocorridas em março e abril, incluindo uma visita de Roberta Bomfim à comunidade pesqueira do Município, foi estabelecido um cronograma de atuação para viabilizar a articulação entre os órgãos envolvidos e garantir acesso ao diagnóstico e à implementação de políticas públicas de saúde para pescadoras e marisqueiras da Barra de Santo Antônio.

A inspeção desta segunda-feira (6), torna prioridade uma solução para as doenças que atingem a comunidade de Vila São Pedro.