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Um ano após operação no centro de SP, cracolândia resiste e ganha filiais

Dependentes se espalharam pela cidade 

03/01/2013 16h04
Um ano após operação no centro de SP, cracolândia resiste e ganha filiais
Um ano após a Prefeitura de São Paulo e o governo estadual intensificarem as ações contra o crack, a chamada cracolândia no Centro da capital resiste e ganha "filiais". Dados da administração municipal e da Defensoria Pública, relatos de policiais militares, guardas-civis e ex-dependentes químicos, além de flagrantes do G1, indicam que ruas e avenidas da região central seguem ocupadas por usuários e traficantes de drogas. Moradores de bairros das zonas Sul, Norte, Leste e Oeste da cidade também passaram a conviver com usuários reunidos em minicracolândias.


Em 3 de janeiro de 2012 foi intensificada a Operação Integrada Centro Legal, com objetivo de combater o tráfico e dar tratamento aos usuários com ações de agentes de saúde, sociais e da Polícia Militar e Guarda Civil Metropolitana.

Especialistas ouvidos pela reportagem apontam alguns dos motivos que explicam a continuidade e a expansão da cracolândia, entre eles a falta de organização da ação. Além disso, decisões judiciais que impediram a repressão ao consumo de drogas pelas forças de segurança, truculência da PM e da Guarda Civil Metropolitana (GCM) e falta de internação compulsória dos viciados também foram citadas como causas dos problemas.

Depois de a operação começar, o número de vias da região frequentadas por usuários saltou de 17 para 33. O levantamento é da Coordenadoria de Atenção às Drogas, órgão ligado à Secretaria de Participação e Parceria da Prefeitura. Agentes da pasta tiveram de ampliar o monitoramento das vias no Bom Retiro, Santa Cecília e República. Os craqueiros se espalharam após forças policiais tentarem expulsá-los da Luz.

Alegando que os dados são irrelevantes diante de toda a ação, a administração pública não forneceu à equipe de reportagem o mapa atualizado com os nomes das ruas e avenidas.

A Operação Integrada Centro Legal existe desde 2009, mas, no início do ano passado, quando passou a contar com policiais militares e guardas-civis, parte dos viciados da cracolândia começou a migrar para outras regiões da cidade, numa fuga chamada por eles de "procissão do crack". De acordo com a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo, já foram identificados grupos de viciados em entorpecentes em dez bairros: Sé, Santa Cecília, República e Bela Vista (no Centro); Cambuci e Itaim Bibi (Zona Sul); Pari (Zona Norte); Mooca e Belém (Zona Leste); e Barra Funda (Zona Oeste).

Apesar de dependentes continuarem a usar drogas na cracolândia, o secretário municipal da Saúde na gestão do prefeito Gilberto Kassab (PSD), Januario Motone, afirmou que a ação da pasta teve êxito. "Melhoramos a saúde dessas pessoas. Elas tinham tuberculose e outras doenças", disse o secretário, comemorando a atuação dos agentes de saúde, que oferecem tratamento aos viciados.

De acordo com Montone, como a internação dos usuários é voluntária, dados mostram que a maioria desiste do tratamento e volta às ruas. "Não existe política de combate à droga. Temos o número de 71% de pessoas viciadas que desistem do tratamento, segundo dados mais recentes. Isso porque São Paulo é a única cidade com 300 vagas para clínicas terapêuticas".

Segundo a pasta, até 19 de dezembro foram feitas 89.291 abordagens, que resultaram em 11.279 encaminhamentos para serviços de saúde e 1.363 internações para tratamento de dependência química.

Cracolândia

Na Luz, a maior concentração de usuários continua sendo vista na esquina da Rua Helvétia com a Alameda Dino Bueno, segundo policiais e guardas que pediram para não terem os nomes divulgados. Grupos de 200 a 500 viciados, entre homens, mulheres, idosos e até crianças, perambulam com cachimbos artesanais e latinhas de refrigerantes amassadas para fumar o crack na frente de bases móveis da PM e GCM. Os agentes da lei alegam que não podem fazer nada.

"Desde que a Justiça nos proibiu de revistar e abordar suspeitos na cracolândia, eles não se intimidam com as nossas presenças", falou um guarda-civil sobre a decisão da Justiça de impedir a exposição de dependentes químicos à situação "vexatória, degradante ou desrespeitosa" na região.

A determinação judicial proíbe a polícia de retirar usuários de droga das calçadas e ruas. O pedido foi feito pelo Ministério Público logo após a Operação Integrada Centro Legal, em janeiro de 2012. A Promotoria também ajuizou uma ação civil pública cobrando R$ 40 milhões do estado pela operação, considerada pelos promotores um "fracasso", que "violou direitos humanos" e trouxe prejuízos para a toda sociedade.

O Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública de São Paulo recebeu quase 80 denúncias de agressões de policiais contra usuários no início do ano passado na cracolândia. "Verificamos violações aos direitos das pessoas, truculências da PM e violação grave aos direitos das pessoas que estavam ali", disse o defensor público Carlos Weiss, coordenador do núcleo.

"Toda e qualquer pessoa é portadora de direitos inalienáveis. Não existe autorização para espancar quem é fora da lei, usuário, etc. O intuito de dispersão para pessoas que precisam de saúde é inaceitável", afirmou a defensora Daniela Skromov de Albuquerque.

Sem ações de repressão policial, como a ocorrida no início do ano passado (veja foto abaixo), traficantes também encontram facilidade para agir na cracolândia. "Se há consumo é porque há tráfico", disse um policial militar. Cada pedra é vendida por preço que varia entre R$ 5 e R$ 10. Quem é viciado chega a fumar até 15 delas por dia.

"No começo [após a ação da PM] a gente teve dificuldade em encontrar o crack. Teve gente que foi para outras regiões, mas voltou depois. Depois dessas decisões a nossa situação ficou melhor. Teve menos rigidez dos guardas", afirmou ao G1 Paulinho, viciado que há anos frequenta a cracolândia. "O que é mais difícil fica mais prazeroso".

Nos primeiros dias da ação integrada na cracolândia, o poder público investiu contra pontos de uso e tráfico, fechando seus acessos e aumentando a vigilância em suas cercanias. Os viciados, porém, rapidamente se adaptaram à nova realidade e encontraram alternativas para manter o vício, como buracos em viadutos e canteiros de movimentadas vias.

Quem passa pelas avenidas 23 de Maio e Jornalista Roberto Marinho, por exemplo, se depara com pessoas sob efeito da droga caminhando entre os veículos. São moradores de rua e pessoas que abandonaram emprego e família. Passaram a viver nas vias ou em pensões para alimentar o vício. Eles são os protagonistas da cracolândia e das minicracolândias.

Centro

Na região central, parte da Praça da Sé chega a ficar intransitável por causa dos usuários. "Aqui sempre teve bêbado perto da igreja [catedral]. Agora tem os 'craqueiros' que ficam do outro lado, numa sujeira só", afirmou um funcionário de uma banca que não quis ter o nome revelado. "É bem difícil passar por lá. Toma cuidado para não ser roubado", alertou.

Andar em grupos é uma estratégia adotada pelos viciados. Além de garantir a segurança deles, isso facilita na hora de fugir da polícia. "Eles conseguem se espalhar e não perdem a droga que ainda possuem", disse o consultor no tratamento e prevenção de droga Fabian Penyy Nacer, ex-viciado em crack. "Os traficantes se misturam com os usuários e não são pegos com tanta facilidade".

Nacer contou que apenas um terço dos usuários mora nas ruas. A maioria se refugia em hotéis baratos, casarões e terrenos abandonados para fumar sem ser incomodado. "Longe dos olhos das pessoas, os viciados se matavam e as meninas e meninos de 13 anos faziam sexo com os mais velhos em troca de pedra. Eu sei porque passei dois anos dentro destes casarões".

O G1 também notou a presença de viciados em ruas e avenidas que antes eram frequentadas por moradores de rua. Ainda no Centro, há a Rua Amaral Gurgel, sob o Elevado Costa e Silva (popularmente conhecido como Minhocão), onde os usuários aproveitam o canteiro central, pouco frequentado por pedestres, e usam a droga sem se importar com o movimento intenso de veículos.

A equipe de reportagem também flagrou consumo da droga no túnel sob a Praça Roosevelt, além da concentração de usuários no Largo do Paissandu, em trecho da Avenida Nove de Julho, na Praça Marechal Deodoro e no Túnel Noite Ilustrada (entre Rebouças e Doutor Arnaldo).

Zona Sul

O bairro de Cidade Dutra, na Zona Sul, a cerca de 30 km da cracolândia original, foi um dos pontos escolhidos pelos usuários e traficantes que ficavam na região da Luz para, respectivamente, usarem e venderem o crack.

Diariamente, dependentes concentram-se em praças e edifícios abandonados entre as avenidas Atlântica e Senador Teotônio Vilela. Por conta dos "vizinhos indesejados", quem mora ou trabalha na região evita passar por esses pontos. "O pessoal fica deitado ou espalhado na Atlântica, em grupinhos", relatou um frentista que não quis revelar o nome.

Abordagem

Quando a Operação Integrada Centro Legal teve sua fase mais intensa, agentes de saúde relataram que tiveram dificuldades para convencer viciados a se tratarem. "Alguns pensavam que a gente trabalhava com os policiais. Foi uma fase difícil", lembrou a agente Maria Helena de Santana, de 53 anos.

O G1 acompanhou o trabalho dos agentes após o Natal. Em grupos identificados por um colete azul, eles saem pelas ruas e abordam não só os viciados, mas os moradores de rua também. Sem recriminar o usuário pelo vício, procuram monitorar como está a saúde dele e se precisa de algum cuidado, principalmente por conta de doenças.

"Essa população, como qualquer outra, também tem direitos. Não só de não ser espancada, mas também de receber tratamento de saúde", disse a coordenadora da parte de Saúde da operação, Maria Isabel Campos. "Mas só se eles quiserem o tratamento. Não há forçação de barra".

Governo estadual defende PM

O governo estadual defendeu que o uso da PM na cracolândia foi necessário para "quebrar a logística do tráfico de drogas naquela região e resgatar a cidadania". Como exemplo de eficiência, a corporação destacou, em nota, a desobstrução da Rua Helvétia, "que era ocupada por centenas de dependentes químicos". Em nota, apontou ainda que 763 suspeitos foram presos e 211 foragidos, recapturados até 2 de janeiro.

O número de apreensões de drogas na região central, porém, é modesto se comparado a outras ações policiais. Desde o início de 2012, foram encontrados na região cerca de 32,7 kg de crack, 19 kg de cocaína e 48 kg de maconha. Em apenas uma semana da Operação Saturação na Favela de Paraisópolis, na Zona Sul, a PM apreendeu 30 kg de cocaína e 333 kg de maconha.

Para o coronel Benedito Roberto Meira, comandante da Polícia Militar do estado de São Paulo, é preciso haver a ação de outros segmentos para acabar com a região conhecida como cracolândia. "Mas, se não houver internação compulsória, a cracolândia vai se expandir mais", disse Meira.

Há pouco mais de um mês no cargo, ele avaliou que a polícia precisa estar integrada às ações. "O viciado é doente, mas pode ser criminoso também. Quando é viciado somente, a atuação não é da Polícia Militar, mas dos órgãos de saúde porque é uma questão de saúde. Quando passa a ser criminoso, compete à PM agir", afirmou.