Foliões gastam até R$ 2,4 mil com segurança particular em Salvador
De cima da varanda do Camarote Salvador, você, no alto de um salto anabela, shortinho jeans e abadá customizado, consegue enxergá-lo no meio da multidão. Ele atravessa a pipoca cercado de guarda-costas, sem se preocupar com o iPhone no bolso e o Ray Ban que não deixa o cabelo cair na testa. “Uaaau!”, você pensa, achando se tratar de algum global ou um figurão importante. Mas, cuidado! Pode ser, simplesmente, o gerente de banco Bruno Leal, 24 anos. Ele é um dos bacanas que, além de não poupar recursos para sair nos melhores blocos e camarotes, contrata seguranças para acompanhá-lo na folia.
Turista de Brasília, Bruno vem a Salvador pelo quinto ano seguido. Diferente do que pode parecer, jamais foi assaltado ou agredido na avenida. Mas, se sente ameaçado e incomodado com olhares suspeitos. “O valor do abadá é alto e o pessoal fica de olho, né? Gosto de levar para rua celular, relógio, óculos e, sem segurança, não dá. Antes, eu não podia sair do bloco que ouvia: ‘playboy aqui não passa’”, conta Bruno, que contrata seguranças desde 2012.
O serviço particular não ocorre somente por iniciativa de tietes vips. Os próprios camarotes disponibilizam guarda-costas para convidados. Ajudam a atravessar as multidões que eles consideram perigosas. Normalmente, deixam os clientes em um táxi ou na porta de hotéis e apartamentos alugados nas proximidades dos circuitos.
Este ano, Bruno e um amigo vão curtir seis dias de folia, sendo cinco com o Chiclete com Banana e um com a Timbalada. Em todos, sairá do bloco direto para um dos três camarotes que vai frequentar – Contigo, Expresso 2222 e Camarote Salvador. Os dois seguranças que contratou vão acompanhá-lo entre um ponto e outro. Esperam do lado de fora do camarote até o instante que os clientes resolvem ir embora. Aí, ajudam no deslocamento até o lugar em que ficarão hospedados, na Vitória.
“E, mesmo na rua, quando saio com o Chiclete, sempre tem um segurança do bloco que fica exclusivo, seguindo a gente”, revela. Mas, então, os guarda-costas atrapalham os clientes? Na verdade, eles agregam valor à pegação na festa. “Quando o cara chega acompanhado de segurança, as meninas pensam logo que é artista, que é global. Não gosto de usar esse recurso. A não ser que seja muito gata”, conta. Cada guarda-costas cobra R$ 100 por dia. Isso quer dizer que Bruno vai gastar R$ 1,2 mil com segurança particular no Carnaval.
gangues Seu xará, o publicitário baiano Bruno Mendes, 30, desembolsará o dobro. Em quatro dias de curtição, vai contratar dois seguranças para ele e a esposa a R$ 300 por dia, cada. Nos últimos anos, decidiu aderir ao serviço porque foi roubado. “Na época, eu saía com um grupo de amigos e, na saída de um camarote, tive a carteira e o celular roubados. Daí pra frente...”.
Dessa vez, Bruno vai para os camarotes Harém, Schin e Ronaldinho Gaúcho. “O cara fica visado, não tem jeito. Quero evitar confusão”, explica ele, citando até nomes de gangues que, segundo diz, atuam na festa para roubar e agredir. “O pessoal da segurança já tem a experiência, já conhece onde ficam a gangue da Cyclone, a gangue da Mahalo”.
‘A gente tem que defender, mesmo errados’, diz segurança
Apesar de faturar com esse novo filão que o Carnaval proporciona, os seguranças garantem que não é fácil cumprir esse papel. Às vezes, são os próprios clientes que procuram confusão, segundo o guarda-costas Gabriel dos Santos, 42 anos. “A maioria das situações que encontramos nesse caso é a briga. Muitas vezes são os nossos clientes que provocam. Mas, não tem jeito, a gente tem que defender, mesmo eles estando errados. Somos pagos para isso”, explica.
As noites costumam ser tensas. Envolvem brigas na pipoca, discussões sobre a entrada dos seguranças particulares nos camarotes e complicações com outros seguranças. “O cara que paga R$ 800, R$ 1 mil em uma noite no camarote acha que pode tudo. Muitos clientes passam dos limites, mexem com a mulher dos outros, mas a gente está ali pra proteger eles. Infelizmente, temos que compactuar”, admite.
Importante destacar que, se você for contratar esses serviços, opte por profissionais cadastrados e que tenham curso na Polícia Federal. “Essa é uma área que está se prostituindo muito. Gente sem condições, cobrando R$ 50 por noite. Tem que haver fiscalização”, pede Gabriel. Segundo o Sindicato das Empresas de Segurança Privada da Bahia (Sindesp), o efetivo de seguranças no estado já é três vezes maior que o da PM.
‘Não somos canibais’, critica pesquisador da Ufba
Em entrevista ao repórter Rafael Rodrigues, publicada no CORREIO na segunda-feira, o professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba) Paulo Miguez, doutor em Comunicação e Cultura, considerou “desagradável” e até “tenebroso” o fenômeno de contratação de seguranças para turistas e convidados de camarotes.
Na sua opinião, isso deve resumir-se a iniciativas particulares e jamais ser uma demanda na organização do circuito. “Não tenha dúvida que os turistas são um elemento importante da cena carnavalesca, mas você não pode organizar um circuito exclusivamente para atender o interesse do pessoal que vem de fora”, defende. E completa: “Nada é mais desagradável a nós baianos quando assistimos aquela coisa tenebrosa de seguranças vestidos de terno preto – não consigo entender isso em uma cidade tropical – com aquele corredor polonês protegendo os turistas no deslocamento do hotel para os camarotes e do hotel para o bloco, como se fôssemos canibais ali, à volta”. Para Miguez, garantir corredores especiais para que esses foliões mais abastados se desloquem “não faz sentido”.
O estudioso observa que essa iniciativa é de turistas brasileiros. “São jovens de classe média do Sul e Sudeste que vêm pra cá. Se você pegar os turistas de alguns países da América Latina e da Europa, eles querem experimentar no Carnaval aquilo que para eles é impossível experimentar fora daqui, que é o fato de estar na multidão, de conviver”. Em seu entendimento, o preço de se estar no Carnaval da Bahia é estar junto. “Existe uma ciência que estuda a distância entre dois corpos em comunicação. Entre nós baianos a distância é mínima, é quase inexistente. É por isso que nós somos a civilização da pegação”, conclui