Fantástico mostra desvios em cidades devastadas por enchente
Em 2010, uma enchente terrível devastou muitas cidades do interior de Alagoas e de Pernambuco. Uma situação dramática, milhões em dinheiro público foram enviados para reconstruir esses lugares.
Quatro anos depois, o Fantástico voltou lá e encontrou postos de saúde que não atendem ninguém, escolas caindo aos pedaços e verbas que saíam da prefeitura, para pagar serviços que jamais foram feitos.
São obras atrasadas. Além de desperdício e desvio de dinheiro público que afetam a vida de famílias inteiras. Gente que primeiro tinha sido vítima da natureza. Depois, chegaram R$ 3,5 bilhões para educação, saúde para reconstruir as cidades.
A enchente de 2010 no Rio Mundaú atingiu 19 cidades alagoanas e 68 de Pernambuco. Quase 100 mil pessoas ficaram desabrigadas, 45 morreram.
Santana do Mundaú, Alagoas, 11 mil habitantes. Mais de 700 crianças estudam na beira do rio que transbordou em 2010. É uma área de risco, condenada pela Defesa Civil. Os alunos não deveriam estar no local.
Fotos mostram o colégio novo, pronto para receber os estudantes. Mas de uma hora para outra, a escola caiu.
“A construtora já assumiu o erro, o equívoco que teve na falta de estudo de solo, já notificamos e isso não vai ter nenhum custo para o estado”, disse o coordenador do Programa de Reconstrução de AL, Herbert Motta.
Quatro anos depois da tragédia em Alagoas, das 55 escolas destruídas pela cheia, 14 ainda não foram entregues pelo Governo de Alagoas.
“Tivemos várias dificuldades não só climáticas como de terreno. E o compromisso do governo é que a gente entregue, feche esse ano, entregando 100 % dessas unidades” disse o coordenador Herbert Motta.
Em Rio Largo, a construção da nova escola ficou parada por vários meses. Segundo o prefeito, o motivo foi uma crise política. Crise que envolve o próprio prefeito. Acusado de irregularidades, como improbidade administrativa e formação de quadrilha, ele chegou a ser preso em 2012 e passou um ano e meio afastado da prefeitura. E na saúde, mais problemas e dinheiro jogado fora. Uma unidade está abandonada, no meio do mato. E sabe quanto custou? Quase R$ 500 mil.
Um outro Posto de Saúde era para atender os moradores de Rio Largo, depois da enchente de 2010. Foi até inaugurado, mas nunca recebeu um paciente. Móveis e equipamentos foram roubados.
“A gente já está em contato com a Secretaria de Estado de Saúde para que a gente possa, verdadeiramente, refazer o que tem que fazer e entregar para comunidade”, diz o prefeito de Rio Largo, Toninho Lins, do PSB.
Em Rio Largo, outro problema são ônibus escolares novinhos, que foram enviados pelo Governo Federal em janeiro.
Só que até agora são pelo menos sete ônibus parados, estacionados, que deveriam estar levando os estudantes para as escolas mas eles estão parados. O motivo, segundo o prefeito, é que os ônibus não têm seguro. “Nós estamos fazendo essa licitação que demanda de uma série de tempo para que a gente possa colocar efetivamente esses ônibus para rodar”, afirma o prefeito de Rio Largo.
Enquanto os novos não circulam, a prefeitura gasta mais de R$ 100 mil por mês com o aluguel de ônibus particulares.
“Havendo esses dois gastos de dinheiro público, inclusive envolvendo verbas federais, no caso da aquisição dos ônibus com certeza está havendo um dano ao erário e um ato de improbidade administrativa”, destaca o procurador da República Leandro Mitidieri.
O Fantástico foi até União dos Palmares, Alagoas, com 62 mil habitantes. Foi nessa cidade que a água destruiu o maior número de casas em 2010: quase cinco mil.
Muitas casas estão vazias, outras foram invadidas e algumas estão abandonadas. Mais dinheiro público jogado no lixo.
Uma das casas está completamente abandonada. Roubaram as janelas, as portas. Não tem nada dentro do local.
O Ministério Público já sabe que muitas famílias que moram nas casas populares em União dos Palmares e em outras cidades não foram vítimas da enchente.
E como o cadastro é de responsabilidade das prefeituras, a suspeita é que alguns imóveis foram liberados em troca de votos.
Prefeitura de União dos Palmares teria usado notas fiscais suspeitas
E foi em União dos Palmares que o Fantástico encontrou a denúncia mais grave de corrupção: políticos são acusados de fazer uma farra com o dinheiro público. A prefeitura teria pago por serviços que nunca foram realizados. E para tentar legalizar a fraude, usou notas fiscais bem suspeitas.
“Mil e duzentas notas fazem parte desse esquema de corrupção. O desvio chega a R$ 10 milhões no ano de 2013”, diz o relator da Comissão de Inquérito, vereador Paulo César Oliveira, do PMN.
A Câmara criou uma CPI para apurar o caso. Entre os investigados, está este homem, pai de um vereador da cidade. O nome dele aparece em várias notas e com prestação de serviços diferentes. Em uma de R$ 2 mil, ele teria transportado professores a um evento. O Fantástico checou a placa do veículo e descobriu que é de uma moto.
“Nessa data aí, 2013, setembro, ele já estava na agência para vender. Nunca saiu de lá, não. Eu acho uma safadeza muito grande, muito grande mesmo”, afirma a funcionária pública Leila Barbosa.
Prefeito alega que tudo não passou de erro de digitação
O Fantástico também conferiu uma nota de R$ 3,5 mil, novamente para transportar professores. E encontramos mais uma moto. Agora, em Maranguape, no Ceará, a quase 900 quilômetros de distância.
“Nunca emprestei essa moto para sair do município também pior ainda. Nunca, nunca, nunca. Ela nunca saiu daqui, de Maranguape”, diz a professora Marilúcia de Andrade.
O secretário de Educação foi afastado. O prefeito de União dos Palmares alega que tudo não passou mesmo de erro de digitação na hora de emitir as notas.
Enquanto isso, em União dos Palmares, uma escola está sem água desde o início do ano. O motivo: a falta de um equipamento simples para bombear água do açude. E na cidade, alunos vão para aula em paus de arara. Os caminhões não têm nenhuma segurança.