Alagoas

Familiares de vítima da ditadura militar relatam detalhes à Comissão da Verdade

Por 7 Segundos com Agência Alagoas 27/04/2016 16h04
Familiares de vítima da ditadura militar relatam detalhes à Comissão da Verdade
Comissão da Verdade de Alagoas ouviu nesta quarta-feira (27) depoimento de Carlos Menezes e Iara Menezes, irmão e filha de Denisson Menezes, preso e torturado pelo regime militar. - Foto: Adailson Calheiros

A Comissão Estadual da Memória e Verdade Jayme Miranda ouviu, na manhã desta quarta-feira (27), mais depoimentos acerca das prisões e torturas de vítimas alagoanas no período da ditadura militar. Desta vez, os depoentes foram Carlos Menezes e Iara Menezes, irmão e filha de Denisson Menezes, preso e torturado pelo regime. A reunião foi realizada no Palácio República dos Palmares.

Em seu depoimento, Carlos Menezes explicou que, na época, o irmão era estudante de medicina e seguia a carreira no Exército como oficial R/2. Ele relatou que a família viveu momentos terríveis, que o irmão desapareceu e a família não teve nenhuma informação sobre o que havia acontecido.

“Eu tinha 16 anos e lembro-me de tudo. Era um adolescente, mas o sofrimento foi grande. Os vizinhos tinham medo, os amigos se afastavam também por medo da ditadura, e nós tínhamos medo de repressão. Não podíamos comprar uma revista, que até mesmo os nossos professores nos perseguiam, dizendo: ‘não sabia que você era comunista’. Era algo triste, não quero viver isso novamente”, relatou Menezes, ao completar.

“Nós vivíamos como se tivéssemos com uma arma apontada na cabeça, com medo. A sociedade tinha um estigma, nós éramos marcados como ‘família de comunista’, era um tempo de medo”, completou o depoente.

Menezes afirmou ainda que, enquanto os familiares ainda estavam sem notícias do irmão, receberam a visita de um oficial do Exército. O depoente garantiu que não esquece que ele próprio abriu a porta para o militar e que levou com ele a informação que algum responsável comparecesse ao Exército, em Recife, sem nem saber o que era.

Ainda de acordo com Menezes, após a prisão, Denisson foi levado para o Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), no Recife, onde foi torturado, inclusive, durante as quatro horas de viagem.

“Em Recife, fomos levados a uma sala, eu e minha mãe. Lá, o coronel Púrcio, - assim como o coronel Brilhante Ustra, considerado um dos maiores torturadores do país, citado no livro ‘Brasil, tortura nunca mais’ -, entrou na sala com seus cabelos arrumados e disse: ‘O filho da senhora está aí e nós vamos mostrar ele. Seu filho é um comunista muito inteligente, e você tenha cuidado para não seguir o mesmo caminho’”, disse Menezes. 

“Quando trouxeram meu irmão, ele rapidamente abraçou minha mãe e caiu no choro. Meu irmão tinha uma marca de tortura na perna, ele mesmo dizia que o pau de arara era o mínimo que faziam. Eu realmente não sei como meu irmão conseguiu terminar o curso de medicina após essa tortura física e psicológica que ele viveu”, destacou.

Receio de retrocesso

Menezes contou que tem medo de uma regressão no país, devido ao momento que o Brasil vive atualmente, onde as pessoas concordam com a tortura. “Um momento onde um deputado federal vai, em público, numa tribuna, e homenageia um dos maiores torturadores do Brasil. Quando vejo segmentos da sociedade falando na volta da ditadura dos militares tenho receio. Vivemos uma democracia e alguns falando em ditadura. As pessoas não sabem o que significou e nem o que passamos”, esclarece.

Emocionada, a filha de Denisson Menezes, Iara Menezes, expôs o relato da mãe, Clemene Malta Menezes. Segundo ela, naquele dia o pai havia sido escalado para ser o tenente do dia e pediu que a então namorada ligasse para o quartel que ele atenderia, pois estava com um mau pressentimento.

“Minha mãe ligou e ele não atendeu. Meu pai foi preso dentro do quartel e levado para Recife. Ele ficou preso e depois foi inocentado por falta de provas. Ela me contou que no dia da ligação, meu pai pediu para enterrar alguns livros que seriam usados contra ele”, disse Iara.

“Após a prisão, ele deixou o Exército. Eu tinha 15 anos quando meu pai faleceu, mas lembro-me de que ele sempre foi muito ativo politicamente. Porém, quando o assunto eram as torturas que ele sofreu, havia um constrangimento e uma dor. Eu sentia uma mudança na feição e ele sempre silenciava sobre o assunto”, finalizou.

Após os depoimentos, os familiares de Denisson entregaram um documento da Comissão de Investigação e Sumário do Exército, instaurado em 22 de novembro de 1974, assinado por um general da época. Anexado ao documento também consta um dossiê com todas as informações da prisão política e dos prejuízos na vida de Denisson, como o afastamento de sua faculdade por três anos, possivelmente enquadrado no artigo 477.

O presidente da Comissão, Delson Lyra, reafirmou o compromisso de ouvir os depoimentos como forma de resgatar a memória do povo brasileiro, mais especificamente, dos alagoanos.