Mais de cem anos e uma fé que nunca quebra

1º de fevereiro de 1912, véspera de carnaval. Enquanto as ruas e clubes tradicionais da época se coloriam para a comemoração, ao som de marchinhas e frevos animados, Maceió estava prestes a viver uma tragédia marcada pelo preconceito e pela intolerância religiosa: A Quebra de Xangô.
Tendo como pano de fundo e motivação sanguinária as intenções políticas, o episódio se constituiu na perseguição e destruição dos terreiros onde eram realizados os rituais religiosos de matriz africana - conhecidos, então, como Casas de Xangô.
A Liga dos Republicanos Combatentes - grupo destinado à agitação popular contra o Governo do Estado de Alagoas (Euclides Malta) – foi orientada por Fernandes Lima e seu grupo político a praticar o quebra-quebra, usando o argumento de que o governador estava associado aos terreiros da cidade.
No extinto Jornal de Alagoas há os registros historiográficos, nos artigos publicados na sessão “Bruxaria”, de Oséas Rosas. Vários terreiros foram invadidos e muitos objetos sagrados retirados e queimados em praça pública. Pais e mães de santo foram espancados publicamente.
Tia Marcelina, uma das Yalorisás mais respeitadas pelo candomblé alagoano, foi apontada como sendo a preferida de Euclides Malta. Seus adversários o acusavam de freqüentar o terreiro da mãe de santo e de dar oferendas para se manter no poder.
Na noite do Quebra, o candomblé de Marcelina foi o primeiro a ser invadido. Ela teve braço e perna quebrados, ferimentos por todo e corpo e, ainda assim, não se rendeu. Em meio a pontapés, gritou a plenos pulmões: Bate moleque! Bate! Quebra braço, quebra perna, lasca cabeça, derrama sangue, mas não tira saber!
A Igreja Católica dominava absoluta, ditando as regras na formação do território alagoano. Os objetos levados à força dos terreiros profanados eram conduzidos em procissões católicas e terminavam na fogueira, numa tentativa de exorcizar a memória de seus donos. Não se sabe o número exato de terreiros destruídos, pessoas assassinadas ou os responsáveis pelo fato. As delegacias daquele tempo, de propósito, não registraram essas ocorrências.
O movimento, iniciado em Maceió, estendeu-se pelo interior de Alagoas. E ganhou corpo com a presença da milícia e multidões enfurecidas, que invadiam terreiros e retiravam paramentos e objetos de culto sagrados do interior dos templos, para serem expostos e queimados em praça pública.
Regidos pelo medo e a intimidação provocada pela violência sofrida, o povo de santo deu surgimento a uma manifestação religiosa intitulada Xangô Rezado Baixo, uma modalidade de culto praticada em segredo, sem o uso de atabaques e acompanhada por palmas.
Em 2012 - cem anos após o massacre – o então governador do Estado, Teotônio Vilela Filho, assinou um pedido de perdão oficial do Governo de Alagoas que foi dirigido a todas as comunidades de terreiros, pelas atrocidades que marcaram a liberdade de culto.
Surgiu, daí, um festival de afirmação dos cultos afrodescendentes denominado Xangô Rezado Alto. Na verdade, um resgate à memória e uma reivindicação à população alagoana e aos poderes públicos para as causas do povo do candomblé, que já não se intimida com as injustiças históricas praticadas. E para que nunca mais, em Alagoas, as religiões de matriz africana se sintam envergonhadas de viver suas crenças, reconhecido contributo para a formação da cultura alagoana.
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