Política

Fiscais paulistas doaram para 1/3 dos deputados estaduais

Os fiscais teriam doado ao todo R$ 2 milhões para 40 candidatos nas últimas eleições

Por Estado de S. Paulo 12/05/2019 14h02
Fiscais paulistas doaram para 1/3 dos deputados estaduais
João Doria anunciou pagará indenização para famílias das vítimas - Foto: Amanda Perobelli / Reuters

Principais beneficiários de dois projetos de lei que tramitam em ritmo acelerado na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), os fiscais da Receita estadual ajudaram a financiar campanhas de 30% dos 94 deputados estaduais. Registros das prestações de contas eleitorais de 2018 mostram que 1.056 agentes do Fisco paulista, entre ativos e aposentados, doaram ao todo R$ 2 milhões para 40 candidatos à reeleição. Destes, 29 se reelegeram e vão agora votar as propostas de interesse da categoria.

Os projetos foram enviados em regime de urgência ao Legislativo pelo governador João Doria (PSDB) no início de março, duas semanas antes da posse da nova legislatura, no dia 15 daquele mês. Ambos permitem que os agentes fiscais de renda, considerados a elite do funcionalismo público paulista, aumentem seus vencimentos mensais, inclusive extrapolando o teto estadual de R$ 23 mil, que é o salário do governador.

O projeto de lei complementar (PLC) 4 prevê fracionar em parcelas mensais o pagamento de bônus por resultados, que hoje é pago trimestralmente. Assim, evita que os valores ultrapassem o teto para uma parcela da categoria que ainda ganha menos do que o governador. Já o PLC 5 cria uma verba de indenização por "serviços extraordinários", como reuniões em conselhos, para o alto escalão da Receita estadual permitindo, na prática, o recebimento de vencimentos acima do teto legal.

Embora nem o próprio secretário estadual da Fazenda, Henrique Meirelles, saiba informar qual será o impacto das medidas no Orçamento paulista, os projetos andam com celeridade - entraram na pauta em apenas cinco dias e estão prontos para apreciação do plenário. O ritmo é mais acelerado do que o do projeto das privatizações de Doria, principal bandeira de campanha do governador.

O PLC 4 chegou a ser colocado em votação na semana passada, mas teve apenas 38 votos, dez a menos do que o necessário. Deputados atribuem a tentativa de aprovação frustrada ao constrangimento causado pela divulgação de que parlamentares tiveram suas campanhas financiadas por fiscais. O caso veio à tona em um discurso provocativo feito há dez dias na tribuna pelo deputado novato Arthur do Val Mamãe Falei (DEM), que levantou suspeita sobre a relação eleitoral entre os servidores e seus pares. "Será que foi para defender este projeto? Só estou perguntando", provocou.

Doações

Cruzamento de dados feito pelo Estado com os registros de doações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o cadastro de servidores no portal da transparência do governo paulista mostra que um quinto dos cerca de seis mil fiscais aposentados e da ativa doaram dinheiro para deputados da Assembleia. As contribuições, todas legalmente registradas, beneficiaram políticos de 13 partidos, entre os quais PSDB, PT e DEM, que controlam a Casa há duas décadas.

Em uma eleição marcada pela falta de dinheiro depois da proibição das doações empresariais, as contribuições dos fiscais foram relevantes, chegando a quase um terço dos valores recebidos pelos candidatos. Quem mais recebeu foi o presidente da Alesp, o tucano Cauê Macris, que tem a prerrogativa de definir a pauta de votação no plenário. Foram R$ 160 mil. Em segundo aparece o líder do PSOL, Carlos Giannazi, com R$ 120 mil em contribuições de membros da categoria.

Em alguns partidos as doações provocaram constrangimento. O líder do PT na Alesp, Teonílio Barba, teve de dar explicações à bancada da legenda, que não sabia que ele tinha recebido R$ 57,5 mil dos fiscais. Segundo deputados petistas, Barba chegou a sugerir que o partido suspendesse temporariamente a estratégia de obstruir todas as votações na Casa até a criação de uma CPI para investigar denúncias de corrupção na Dersa, para que os projetos de interesse dos fiscais fossem votados em plenário. Ele nega. "Não deixei a bancada do PT votar. Se não fosse por isso, o PLC 4 teria sido aprovado. O que eu disse é que quando o governo tiver os 48 votos vou liberar a bancada", afirmou.

Um fiscal ouvido pelo Estado sob condição de anonimato revelou que as doações foram estimuladas pelo sindicato da categoria como forma de lobby para aprovar projetos de interesse dos fiscais. Pelo menos cinco membros da diretoria da entidade fizeram doações, alguns no mesmo dia. O deputado Fernando Cury (PPS), que recebeu R$ 62 mil, disse que foi procurado por dois fiscais de sua cidade, Botucatu, que ofereceram doações e disseram que outros colegas de cidades vizinhas também queriam contribuir.

No ano passado, a Assembleia chegou a aprovar o aumento do teto do funcionalismo para R$ 30 mil, beneficiando os fiscais, mas a medida foi considerada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça.

Parlamentares negam vinculação

O Sindicato dos Agentes Fiscais do Estado de São Paulo (Sinafresp) negou em nota que tenha organizado a estratégia de doações a deputados estaduais, mas admitiu que é favorável aos projetos de lei 4 e 5, em tramitação na Assembleia Legislativa.

"(O sindicato) não organizou doações eleitorais nem indicou candidatos para que os filiados fizessem doações. Os PLCs 4 e 5 são projetos de iniciativa do Poder Executivo estadual que visam adequar a forma de pagamento de parte da remuneração dos agentes fiscais pelas atividades desenvolvidas, logo, o Sinafresp é favorável às duas propostas", diz a nota.

Deputados estaduais ouvidos pelo Estado negaram que as doações estejam vinculadas a apoio aos projetos.

O campeão das doações foi o presidente da Alesp, Cauê Macris (PSDB). Procurado pelo Estado, Cauê respondeu por meio de nota que "todas as doações recebidas foram legais, declaradas e aprovadas pela Justiça Eleitoral". "O deputado não solicitou doações e não foi o único candidato a recebê-las, vindas de fiscais de renda. O PLC 4 é de autoria do Poder Executivo, que, por meio de seu líder de governo, indica as proposituras do governo para a pauta", afirma o comunicado.

A assessoria de imprensa do deputado Ed Thomas (PSB) disse que "o pessoal resolveu doar e doou" e que ele vai avaliar se apoia os projetos quando eles chegarem ao plenário.

Marina Helou (Rede), que votou contra o projeto, disse que recebeu doações "familiares" do pai e do avô, ambos fiscais. "Meu pai e meu avô doaram na condição de família, porque acreditaram em mim e no meu projeto de fazer boa política", disse a deputada.

Carlos Gianazzi, do PSOL, segundo parlamentar que recebeu mais doações, afirmou que o montante é resultado da admiração dos fiscais pelo trabalho do partido na Assembleia. "Foi uma coisa espontânea. Nós do PSOL não temos poder para determinar votações", disse.

Caio França (PSB) declarou que foi procurado por alguns fiscais e recebeu doações espontâneas de outros, mas em nenhum momento negociou com o sindicato. "Eu sempre fiz a defesa dos servidores públicos. Inclusive, recebi apoio de diversas categorias do serviço público nesta eleição. Defendo melhores salários e condições para outras categorias, mas, infelizmente, essa matéria é de competência exclusiva do Executivo."

Por meio de sua assessoria, Luiz Fernando (PT) também disse que não falou com o sindicato. "Uma vez que as doações foram realizadas espontaneamente, temos que as mesmas deram-se em razão dos doadores conhecerem a atuação do nosso mandato e acreditarem no trabalho realizado."

Ex-sindicalista, Teonílio Barba, líder do PT, disse que recebeu as doações em razão de sua atuação. "Os trabalhadores se organizaram e doaram em razão das minhas relações no movimento sindical."

Rafael Silva (PSB) e Wellington Moura (PRB) não responderam à reportagem.

Impacto será calculado

A Secretaria estadual da Fazenda afirmou, em nota, que a alteração da periodicidade do pagamento, aos fiscais da Receita estadual, da participação dos resultados, de trimestral para mensal, prevista no Projeto de Lei Complementar nº 4 (PLC 4) não causa impacto no orçamento do Estado. "A mudança na periodicidade para mensal confere maior transparência na aplicação do teto remuneratório e não haverá impacto orçamentário nessa medida", diz o texto.

Já em relação ao PLC 5, que institui o pagamento de indenizações a fiscais de renda que participarem de atividades extraordinárias, a Fazenda afirmou que o impacto orçamentário só será calculado após a aprovação da lei pela Assembleia. "O regulamento será editado posteriormente à aprovação do referido projeto de lei, justamente com o objetivo de regulamentar o exercício dessas atividades, e na oportunidade será calculado o impacto orçamentário."