“Talvez fiquemos até mais egoístas pós-pandemia”, avalia Fábio Porchat
O ator faz críticas ao mundo depois da pandemia
Os entrevistados são dos mais diversos tipos. De políticos como FHC, Marina Silva e Ciro Gomes a cantoras pop como Anitta e Sandy. Os assuntos, também. Para Fábio Porchat, a ‘chave’ do bom desempenho de público das lives diárias que tem feito durante a pandemia é justamente a diversidade de personagens e a capacidade de ouvir quem entrevista sem julgamentos. “Eu deixo a pessoa falar. Não me coloco como inquisidor”, explica à repórter Marcela Paes.
O ator, que não diminuiu o ritmo de trabalho na quarentena – além das entrevistas, continua escrevendo e grava remotamente o humorístico Porta do Fundos com o resto dos integrantes – se sente um privilegiado, mesmo no momento sombrio. “Tenho uma casa espaçosa, tenho recursos, possibilidade de trabalhar remoto”. Mas teme pela democracia no momento político do País e discorda de quem vê a pandemia como uma oportunidade de crescimento como sociedade. “Acho que sairemos pior disso”. Leia abaixo a entrevista completa:
Como está passando a quarentena no geral?
Eu estou bem, né? Eu sou um privilegiado nesse momento. Tenho uma casa espaçosa, tenho recursos, tenho possibilidade de trabalhar remoto. É claro que eu sinto um pouco porque queria estar fazendo as coisas, mas estou bem. Sou de uma pequena parte da população que não tá sentindo tanto o baque assim. Fico, obviamente, abalado com o número de mortes. Tento fazer minha parte, tenho doado bastante, mas não só isso. Tento dar visibilidade para quem precisa, conversando com pessoas de todos os campos, falando o máximo que posso. É a hora de ajudarmos todo mundo que está a nossa volta, da gente se conectar.
A ideia das lives surgiu assim?
Mais ou menos. Eu sempre quis algumas pessoas que não teriam tempo de ir gravar o programa ou nunca dariam, não fosse pela situação, uma entrevista pelo Instagram. Fui um dos primeiros a começar com as lives e está sendo muito legal e positivo, porque estou conseguindo falar com gente interessante. São diárias, todo dia, às 19h, eu estou entrevistando alguém.
Você tem entrevistado muitos políticos. É difícil entrar nesse assunto que não é necessariamente sua área?
Enveredei pelo lado da política e isso tem funcionado. Estava com medo do público ir contra, de não querer misturar, mas acho que o Brasil está tão político que no fim das contas tudo termina em Bolsonaro um pouco, né? Tenho feito esses bate-papos com políticos de todas as alas, todos os lugares e orientações, justamente pra ouvir. Como eu não sou jornalista, não tenho muito essa obrigação de saber. Quando o jornalista vai entrevistar a pessoa, ele tem que saber o que tá acontecendo, tem um compromisso com o dado, mas eu posso ser um ignorante, entendeu? Eu, como o Fábio, posso dizer ‘não entendi, me explica isso’.
Acho que isso também é positivo para o público, porque fica mais didático.
Talvez. Por exemplo, o meu papo com (João) Amoêdo foi um pouco assim, ‘me fala aí o que é que você acredita’… E não é um debate também, não quero ficar só contrapondo, eu deixo a pessoa falar. Às vezes, lógico, tem gente que eu tenho mais afinidade. O (Marcelo) Freixo é um cara, por exemplo, que eu admiro muito, assim como a Marina (Silva), em quem eu já disse publicamente que votei. Ao mesmo tempo, tento também falar aquilo que me vem na cabeça, a sensação que dá é que eu pergunto aquilo que me vem ao coração.
Sonia Racy
15 de junho de 2020 | 00h40
FÁBIO PORCHAT – FOTO: PEDRO DIMITROW
Os entrevistados são dos mais diversos tipos. De políticos como FHC, Marina Silva e Ciro Gomes a cantoras pop como Anitta e Sandy. Os assuntos, também. Para Fábio Porchat, a ‘chave’ do bom desempenho de público das lives diárias que tem feito durante a pandemia é justamente a diversidade de personagens e a capacidade de ouvir quem entrevista sem julgamentos. “Eu deixo a pessoa falar. Não me coloco como inquisidor”, explica à repórter Marcela Paes.
O ator, que não diminuiu o ritmo de trabalho na quarentena – além das entrevistas, continua escrevendo e grava remotamente o humorístico Porta do Fundos com o resto dos integrantes – se sente um privilegiado, mesmo no momento sombrio. “Tenho uma casa espaçosa, tenho recursos, possibilidade de trabalhar remoto”. Mas teme pela democracia no momento político do País e discorda de quem vê a pandemia como uma oportunidade de crescimento como sociedade. “Acho que sairemos pior disso”. Leia abaixo a entrevista completa:
Como está passando a quarentena no geral?
Eu estou bem, né? Eu sou um privilegiado nesse momento. Tenho uma casa espaçosa, tenho recursos, tenho possibilidade de trabalhar remoto. É claro que eu sinto um pouco porque queria estar fazendo as coisas, mas estou bem. Sou de uma pequena parte da população que não tá sentindo tanto o baque assim. Fico, obviamente, abalado com o número de mortes. Tento fazer minha parte, tenho doado bastante, mas não só isso. Tento dar visibilidade para quem precisa, conversando com pessoas de todos os campos, falando o máximo que posso. É a hora de ajudarmos todo mundo que está a nossa volta, da gente se conectar.
A ideia das lives surgiu assim?
Mais ou menos. Eu sempre quis algumas pessoas que não teriam tempo de ir gravar o programa ou nunca dariam, não fosse pela situação, uma entrevista pelo Instagram. Fui um dos primeiros a começar com as lives e está sendo muito legal e positivo, porque estou conseguindo falar com gente interessante. São diárias, todo dia, às 19h, eu estou entrevistando alguém.
Você tem entrevistado muitos políticos. É difícil entrar nesse assunto que não é necessariamente sua área?
Enveredei pelo lado da política e isso tem funcionado. Estava com medo do público ir contra, de não querer misturar, mas acho que o Brasil está tão político que no fim das contas tudo termina em Bolsonaro um pouco, né? Tenho feito esses bate-papos com políticos de todas as alas, todos os lugares e orientações, justamente pra ouvir. Como eu não sou jornalista, não tenho muito essa obrigação de saber. Quando o jornalista vai entrevistar a pessoa, ele tem que saber o que tá acontecendo, tem um compromisso com o dado, mas eu posso ser um ignorante, entendeu? Eu, como o Fábio, posso dizer ‘não entendi, me explica isso’.
Acho que isso também é positivo para o público, porque fica mais didático.
Talvez. Por exemplo, o meu papo com (João) Amoêdo foi um pouco assim, ‘me fala aí o que é que você acredita’… E não é um debate também, não quero ficar só contrapondo, eu deixo a pessoa falar. Às vezes, lógico, tem gente que eu tenho mais afinidade. O (Marcelo) Freixo é um cara, por exemplo, que eu admiro muito, assim como a Marina (Silva), em quem eu já disse publicamente que votei. Ao mesmo tempo, tento também falar aquilo que me vem na cabeça, a sensação que dá é que eu pergunto aquilo que me vem ao coração.
Tudo parece bem espontâneo. Existe um roteiro programado?
Lógico, eu conheço a pessoa, dou uma olhada, dou uma estudada, mas eu não tenho exatamente uma pauta, para justamente seguir meio no fluxo, no flow. Quando eu conversei com (Fernando) Haddad, eu pensei ‘então vamos falar de PT, de escândalo, de corrupção, de Bolsonaro’, e deixar a coisa correr tentando não ser um completo alienado que fica concordo com tudo, dizendo que tudo que o cara fala é legal. Mas não me coloco como inquisidor, como uma pessoa que cobra.
Qual a principal diferença das entrevistas feitas na televisão e as das lives?
As lives viraram uma forma de comunicar e de chegar no público tão eficiente quanto a televisão. É lógico que a televisão é um canhão e o Instagram é um 38, mas o que as pessoas perceberam é que elas conversam com públicos que não necessariamente estão na televisão. Os políticos todos reforçaram que era bom conversar com o meu público, que não necessariamente assiste à Globo News, lê o Estadão. As pessoas estão se disponibilizando a participar porque perceberam a força das redes sociais.
Sente mudança no comportamento dos entrevistados pelo fato deles estarem em casa?
Total. Eles estão um ambiente confortável, à vontade, seguros, então se soltam muito mais. Não tem plateia, câmera, maquiador, não tem a pressão de estar na televisão. Um exemplo disso é uma live que fiz com a Sandy e o filho dela começou a cantar. Ela jamais levou o filho em nenhuma emissora e ele apareceu ali pra cantar. O Bial botou a filha no colo, deu um beijo. A Eliana também. É legal porque você vê um pouco da intimidade da pessoa, a pessoa se abre mais.
Você tem um público cativo e o sucesso das lives mostra isso também. Acha que, assim como o Felipe Neto disse, os influenciadores têm obrigação de se pronunciar politicamente?
Acho que quanto mais gente na luta contra o fascismo, melhor. Ter um Felipe Neto no Roda Viva é ótimo porque as pessoas debatem. Neste momento em que estamos vivendo, em que estamos caminhando pra um lado muito sombrio politicamente, com um presidente que está matando as pessoas com os atos dele, eu acho difícil se manter calado. Ele (Bolsonaro) está induzindo pessoas a tomar remédios que a medicina diz que não servem, está saindo sem máscara, está indo a aglomerações que defendem o fechamento do STF, defendem o AI-5.
Se preocupa que os desdobramentos dessa política sejam ainda mais graves?
Eu nunca imaginei na minha vida que eu ia ter que voltar tanto na luta que a geração do meu pai travou, que a geração dos meus avós viu tão de perto. É muito maluco isso. Por isso acho tão importante que as pessoas nesse momento se posicionem a favor da democracia, a favor de estarmos atentos. A ditadura não vem do nada, não chega um dia em que você acorda e diz ‘meu Deus, estamos na ditadura’. Ela vem vindo. É uma ondinha, daqui a pouco a onda vai aumentando e a gente vai deixando… Quando a gente vê, a onda já nos afogou. É preciso alertar as pessoas, falar, conversar racionalmente. Não é jogando bombas nem inventando fake news.
Você continua fazendo o Porta dos Fundos com o resto do elenco virtualmente. É mais difícil produzir conteúdo humorístico no momento difícil que estamos vivendo?
Todo momento é pesado aqui. No Brasil temos em média 70 mil homicídios por ano, somos o País que mais mata transgêneros, o País em que a polícia mais mata. É que a gente vê o coronavírus e fala, ‘meu Deus, tá matando gente’. Precisamos lembrar que o Brasil é um País racista, desigual, assolado por corrupção e que, hoje em dia, flerta com o fascismo. Acho que o humor é um ponto de fuga, é um ponto de alívio de stress emocional. Faz com que o mundo veja que estamos vivendo todos a mesma situação. O humor é feito pra gente lembrar de determinadas coisas e também pra esquecer de outras. É um momento em que mais do que nunca precisamos fazer humor, levar alegria para as pessoas.
Você fala sobre racismo num momento em que vemos uma crescente de movimentos antirracistas no mundo. Por que no Brasil, mesmo com a morte de crianças como João Pedro, não vemos isso acontecer com tanta força?
O Brasil precisa se assumir racista, os brancos brasileiros precisam entender que cresceram num racismo estrutural e se beneficiaram e se beneficiam deste racismo. Precisamos diariamente lutar contra o racismo dentro de cada um. Não adianta cobrar isso dos negros porque eles são as vítimas, eles sofrem. São os brancos que têm de usar seu privilégio para combater o racismo.
Recentemente o Porta foi criticado por ter feito um vídeo gordofóbico. Mesmo com todo cuidado é difícil no mundo do humor se manter longe desses deslizes?
Estamos todos evoluindo enquanto sociedade, os comediantes e humoristas também. É importante saber que estamos do lado certo da história, de um humor sem preconceitos. Estamos aprendendo. Reafirmar preconceitos e questões que machucam o outro é muito perigoso. Muita coisa que está entranhada sai e precisamos estar atentos para aprender, mudar e evoluir.
Muita gente fala que sairemos da pandemia melhores e que existirá um ‘novo normal’. Você concorda?
Eu acho sairemos pior disso. Acho que o novo normal só significa que usaremos máscara por algum tempo. Não acredito muito que isso vá fazer com que sejamos pessoas melhores, acho que talvez até o contrário. Talvez fiquemos até mais egoístas, acumulando ainda mais coisas por não sabermos se virá um outro vírus. No fim das contas, saímos com mais mortos, com muita gente falida, com as pessoas ainda com muita raiva, com muita dor. Talvez, se isso durasse uns cinco anos, a humanidade teria um tempo para pensar e talvez melhorar, mas tomara não leve mais do que dias para isso passar e que a gente descubra a vacina o quanto antes.