Pandemia: “Ouço meus filhos brincando, mas sigo para quarto isolado”, afirma agente funerário
Mesmo com cuidados redobrados, funcionário de serviços funerários se isola em casa para evitar contágio
Quando se fala na linha de frente do coronavírus, a maioria das pessoas lembra dos profissionais que trabalham nos hospitais e nos postos de saúde, mas há ainda outros trabalhadores que, no dia a dia, também tem contato direto com a Covid-19. Os agentes funerários, que fazem o manejo dos corpos de pessoas que morreram com a doença, convivem com o medo de serem contaminados, ou de acabarem levando a doença para dentro de casa, para as suas famílias.
“A gente fica com o coração apertado, mas achamos que é mais seguro assim”, afirma o agente funerário do Memorial Luz da Vida, Leandro Rogério. Ele afirma que a empresa determinou que os cuidados e a utilização dos EPIs sejam redobrados, mas que mesmo assim, o medo de contaminação existe e, por conta dele, é que o agente passou a evitar o contato com a esposa e os filhos.
Depois de um dia de trabalho em que teve que lidar com o corpo de uma pessoa que morreu de Covid-19, Leandro Rogério chega em casa e segue direto para o banho em um chuveirão instalado na área externa. Do lado já tem uma bacia com água e sabão, para onde vai a roupa que ele chegou do serviço, e uma roupa limpa, para poder entrar dentro de casa. Após o banho, segue direto para um quarto isolado, sem ter contato com os filhos.
“Fico até emocionado em falar isso, porque antes estava acostumado a chegar em casa e abraçar, brincar com eles. Hoje a gente chega em casa triste, pensando naquela família que não pôde nem mesmo ver aquele parente que morreu, e também porque não vou poder ficar com meus filhos. Tem dias que fico ouvindo eles brincando, mas fico no meu quarto isolado”, relata.
O medo da contaminação, no entanto, não é reflexo da falta de cuidado. Pelo contrário. Tanto que mesmo lidando no dia a dia com corpos de pessoas que morreram de Covid-19, no Memorial Luz da Vida, nenhum funcionário foi contaminado, atesta a gerente Elisabeth de Lima. “Fazemos de tudo para que todos os funcionários possam trabalhar com segurança. Esse é um dos motivos de nossa assistência ser uma das mais procuradas de Arapiraca. Atualmente, com a pandemia, não podemos oferecer todos os serviços, até porque prezamos também pela segurança das famílias que utilizam nossos serviços”, destacou.
Cuidados redobrados
Em decorrência disso, o Memorial Luz da Vida redobra os cuidados exigidos pelos protocolos de manejo de vítimas do coronavírus, que foram repassados em reunião presidida pela Vigilância Sanitária.
“A gente sempre procura dobrar os cuidados, tanto para não levar o vírus para a nossa família, como também para os amigos do trabalho. Se é para usar macacão, a gente usa dois, um por cima do outro. Se é para usar luva, usamos logo três. Álcool em gel, usamos o tempo todo”, explica Leandro Rogério.
Quando os agentes funerários e auxiliares vão fazer o manejo de uma pessoa que morreu de Covil-19, ainda no hospital o corpo é colocado na urna e de lá segue diretamente para o sepultamento. “Nós colocamos o corpo dentro da urna, descartamos as luvas que usamos nesse procedimento e, com outras luvas, fazemos o fechamento da urna e isolamos com papel filme. E então seguimos direto para o cemitério, onde a gente tem a ajuda dos coveiros para sepultar. É um momento de muita dor para as famílias, que não podem se despedir, não podem nem chegar perto”, explicou.
Leandro Rogério afirma que em alguns casos, o sepultamento demora um pouco mais para acontecer devido às informações colocadas pelos hospitais na declaração de óbito (DO). Segundo ele, em alguns casos, a DO aponta como causa da morte insuficiência respiratória, mas sem constar suspeita ou confirmação de coronavírus.
“É complicado porque quando a família vê que o documento não tem a suspeita de Covil-19, quer um serviço de velório, mas não é possível”, disse. A realização de velório só pode acontecer quando há confirmação de que óbito teve outras causas, mas ainda assim, com várias limitações: o funeral não pode exceder o tempo máximo de três horas e não pode ter mais do que dez pessoas por vez, dentro da sala onde o corpo está sendo velado. “Às vezes a família quer estender um pouco mais, quer reunir mais pessoas, mas nós precisamos seguir todos os procedimentos à risca, para evitar aglomerações”, ressaltou.