Saúde

Ele teve traumatismo craniano e saiu de coma após uso de maconha medicinal

Paulo Henrique Costa, 65, sofreu traumatismo craniano após ser vítima de um assalto

Por Uol Notícias 30/05/2021 10h10 - Atualizado em 30/05/2021 10h10
Ele teve traumatismo craniano e saiu de coma após uso de maconha medicinal
Paulo Henrique Costa (centro) e a família ao redor - Foto: Arquivo pessoal

Paulo Henrique Costa, 65, sofreu um traumatismo craniano grave em agosto de 2018 após uma agressão durante um assalto na cidade de São José (SC). Após várias cirurgias, ficou em estado de coma: com ausência de interação, reação a estímulos ou controle de urina e fezes, além de se alimentar apenas por sonda.

Após sete meses de outra cirurgia e o início do uso da cannabis medicinal, tratamento que usa substâncias extraídas da planta da maconha, ele voltou a andar, falar e interagir. Hoje, Paulo se alimenta sozinho, vai ao banheiro, faz a própria barba e até realiza pequenos cálculos. Quem conta a história dele é a esposa Roseli Costa, 61.

"Paulo era funcionário público, uma pessoa muito saudável e estava feliz que iria se aposentar em setembro de 2018. Tinha muitos planos. Mas, infelizmente, aconteceu uma desgraça dessa.

Quando foi agosto, ele sofreu um traumatismo craniano após ser vítima de um assalto. Fez uma cirurgia quando foi socorrido, mas não foi bem-sucedida, então, quando voltou para a casa, foi ficando cada vez pior.

Meu marido ficou acamado, não mexia nada, não falava e não andava. A fisioterapeuta, inclusive, tinha dificuldades para fazer os exercícios com ele, pois o corpo estava rígido. Ele também ficava trêmulo e os médicos achavam até que poderia ser Parkinson.

A médica o examinou, pediu novas radiografias que mostraram que ele estava com hidrocefalia e uma infecção na calota craniana. Por isso, precisaria passar por uma nova cirurgia —isso já em 2019. Foi o que ocorreu e, depois disso, a neurologista sugeriu um tratamento oral com a cannabis medicinal, com extrato de CBD (canabidiol).

No começo, optamos pela cannabis porque ele tinha muitas crises de convulsão. E elas, de fato, diminuíram muito. Mas foi mais do que isso, auxiliou na melhora do corpo dele como um todo.

Foi assustador, mas abraçamos a ideia

A princípio, tomei um susto por ser um tratamento feito com cannabis. O médico que nos atendia anteriormente achava que não seria uma boa ideia. E foi assustador mesmo, mas abraçamos a ideia da nova médica, que dizia que não adiantaria fazer só a cirurgia, mas também o tratamento com a planta.

Gosto de relatar isso para que outras pessoas tenham essa oportunidade, que elas descubram os benefícios do tratamento. Quero que sintam a mesma alegria que eu ao ver um ente querido recuperado. Agora, por exemplo, ele está aqui na minha frente tomando café da manhã.

É muito triste ver um ente querido seu na cama, sem falar, interagir —não gosto nem de lembrar. Ele estava cada vez pior, passava o dia todo dormindo. A gente só via o Paulo indo cada vez mais para o buraco e não levantando. Então, graças a Deus temos esse medicamento.

Os resultados do tratamento foram muito rápidos. Em sete meses, ele começou a mexer tudo. Foi para a cadeira de rodas e, depois, passou a caminhar com ajuda do andador. Algo incrível de presenciar! Hoje, anda normalmente. Além disso, também consegue se alimentar sem precisar mais de sonda, faz a barba sozinho, conversa com a gente, coloca o próprio tênis.

Antes, Paulo tomava vários medicamentos, eram muitos. Agora, só precisa do óleo extraído da cannabis e um comprimido para arritmia cardíaca —uma das sequelas. Meu marido também realiza sessões de fisioterapia e fono, e faz neuropsicologia.

Uma outra sequela que ficou é o déficit de memória: no começo, não nos reconhecia, mas agora ele já se lembra de todos nós. Quando escuta nosso filho chegando e assobiando, já sabe que é ele. Isso não tem preço.

A evolução dele foi incrível, nem a médica esperava atingir esse grau. Ela se surpreendeu demais. Sou muito grata à cannabis e também a Deus, claro."

Caso surpreendente

Patrícia Montagner, neurocirurgiã pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), acompanhou Paulo um ano após o acidente, ainda em coma e com muitas convulsões. "Naquele momento, tomei uma conduta neurocirúrgica. Mas ele melhorou pouco, não de forma expressiva", explica a médica, também membro da SBN (Sociedade Brasileira de Neurocirurgia).

Outro médico que atendeu o paciente achava que era preciso de mais anticonvulsivantes, mas Montagner acreditava que a cannabis medicinal traria resultados mais significativos. "Ele melhorou acentuadamente: ficou mais alerta, interativo, as crises de convulsão diminuíram bastante", conta.

A neurologista considera o caso de Paulo um dos mais surpreendentes da vida profissional dela. "Hoje, recebo vídeos dele fazendo a barba. Hoje, converso com 'seu' Paulo, ele me conta piadas e falamos sobre futebol. É uma pessoa autônoma, independente."

Não confunda com os cigarros; entenda a cannabis medicinal

Segundo a médica também colaboradora da AMA+ME (Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal), os derivados de canabinoides (substâncias presentes na planta da maconha, a Cannabis Sativa) são antioxidantes, anti-inflamatórios e estimuladores da regeneração neuronal.

Por conta dessas características, conseguem "cicatrizar" os traumas deixados no cérebro —seja por um acidente, um AVC ou por conta de um tumor retirado.

"A base fisiopatológica é a mesma. O que acontece é muito semelhante: é a morte dos neurônios, a toxicidade nas células e a inflamação delas", explica.

Segundo Montagner, os pacientes geralmente apresentam problemas de memória, dificuldade motora, transtorno no humor e no sono, além de crises convulsivas.

Por isso, a cannabis medicinal surge como uma alternativa para esses pacientes —e aqui é importante ficar claro que não estamos falando do cigarro de maconha, que pode ser prejudicial, mas, sim, do seu uso para fins terapêuticos, em forma de óleos e ingeridos oralmente.

"Essa é a pior forma de explorar os potenciais dessa planta. A fumaça libera produtos tóxicos e inativa os canabinoides, além de não ter um padrão —a pessoa não sabe o que está fumando. Para o uso medicinal, há testes em laboratórios, o produto é seguro e precisa de uma estratégia terapêutica, com acompanhamento médico para saber a dosagem correta", esclarece a médica.
Tratamento exige acompanhamento médico

Extraídos da maconha, os tipos mais conhecidos são o CBD (canabidiol) e o THC (tetrahidrocanabinol). O primeiro se destaca pelo potencial analgésico, sedativo e anticonvulsivo —utilizado em pacientes que tratam ansiedade generalizada, pânico, Parkinson, epilepsia e dores crônicas. Já o THC age como antidepressivo, estimulador de apetite e anticonvulsivo.

Neste ponto, é importante ressaltar que o tratamento não é isento de efeitos colaterais. Por isso, é fundamental que o uso das substâncias seja feito após indicação e com acompanhamento de um médico, que irá saber a dosagem correta. O excesso de CDH e THC pode causar efeitos desagradáveis.

"Em doses elevadas, o THC pode causar o oposto do desejado: paranoias, alucinações auditivas e visuais, baixar a pressão, entre outros. Já o CDB pode causar diarreia, dor de cabeça e azia. Também é preciso tomar cuidado com a interação com outros medicamentos", explica a neurologista.

Como acessar a cannabis medicinal?

O tema é polêmico e pode dividir a opinião dos médicos em alguns casos. Em 2019, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou a venda de medicamentos à base de cannabis nas farmácias e drogarias do Brasil.

Para conseguir acesso aos produtos nesses locais, é preciso ter uma prescrição médica com todos os detalhes. Outro caminho é pela importação após solicitação e requerimento da Anvisa.

Lembrando que é preciso tomar cuidado com a procedência dos produtos. "Há muitas pessoas se beneficiando da fragilidade de doentes que procuram pelo tratamento. Por isso que os médicos precisam estar conscientes e ter conhecimento da cannabis medicinal. É uma forma de orientar melhor os pacientes", diz a médica que, inclusive, criou um curso sobre o tema para médicos.