Saúde

Síndrome de Haff ou Doença da Urina Preta: professor da Ufal explica a causa

O Portal7Segundos conversou sobre a Síndrome de Haff com o professor da Ufal e Engenheiro de Pesca, Emerson Soares, formado pela UFRPE

Por 7segundos 08/08/2021 18h06 - Atualizado em 09/08/2021 14h02
Síndrome de Haff ou Doença da Urina Preta: professor da Ufal explica a causa
Professor da Ufal, Emerson Soares - Foto: Cortesia

Os casos da Síndrome de Haff, conhecida como Doença da Urina Preta, têm se tornado mais frequentes nos últimos tempos e deixado a população em estado de alerta quanto ao consumo de pescado.

Em julho de 2021 o Portal7Segundos publicou uma reportagem sobre duas pessoas que foram internadas em um hospital particular de Maceió com sintomas da Doença. As duas pessoas, que não tiveram a identidade revelada, teriam passado mal após consumirem peixe em um restaurante da região da Massagueira, em Marechal Deodoro-AL.

Também no mês de julho, uma jovem de 27 anos foi internada em uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva) de um hospital de Goiás, depois de comer peixe em um restaurante de comida japonesa localizado no município de Goianésia (GO)

Em março deste ano, em Recife-PE, a médica veterinária Priscyla Andrade, 31 anos, morreu após passar quase 15 dias internada em um hospital particular com sintomas provocados pela Síndrome de Haff, ou Doença da Urina Preta. A médica deu entrada no hospital após ingerir, em um almoço na casa da irmã Flávia Andrade, 36 anos, o peixe de espécie Arabaiana. À época, Flávia contou em um vídeo que ficou com a nuca e o quadril paralisados após consumir o peixe, chegando a ser medicada e liberada em seguida. Já Priscyla foi levada para a UTI, contou a irmã de Priscyla.

O Portal7Segundos conversou sobre a Síndrome de Haff com o professor da ufal (Universidade Federal de Alagoas) e Engenheiro de Pesca, Emerson Soares, formado pela UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco) com especialização em Gestão Pesqueira, Toxicologia e microparasitas de peixes, além de pós-doutourado pelo Instituto Oceanográfico de Vigo, na Espanha.

O professor Emerson Soares explicou que a Doença da síndrome de Haff é causada por toxinas que são lançadas geralmente por microalgas, que a gente chama de fitoplâncton, que são plantas microscópicas que ficam na água e que produzem, inclusive, oxigênio.

Microalgas marinhas. Foto: reprodução web

Essas microalgas também produzem alguns fenômenos interessantes que a gente já ouviu falar, como por exemplo, o fenômeno da maré vermelha, que é causado pela proliferação excessiva de algas, provocada por algum desequilíbrio ambiental, seja pela variação da temperatura, a mudança de algum nutriente da água, ou até mesmo a ausência do predador dessas microalgas.

"Acontece que algumas dessas plantas aquáticas produzem toxinas e algumas dessas toxinas são diarreicas. Dentre as classes de toxinas, existem também as toxinas paralisantes, as neurotoxinas e as amnésicas", explica o professor.

Emerson Soares disse que é importante ressaltar que os casos da Doença de Haff ainda são poucos no Brasil, mas no mundo já houve vários registros, como no Japão, por exemplo, e também no Caribe e em outras regiões do mundo. No Brasil ainda não é muito comum e no Nordeste isso é ainda mais raro porque esses fenômenos citados anteriormente são mais comuns em regiões de águas mais frias, mais temperadas. Porém, os casos, com alguma frequência, vem ocorrendo por aqui nos últimos tempos, principalmente do ano passado pra cá.

Professor e pesquisador da Ufal, Emerson Soares. Foto: cortesia 

O professor explica que os casos registrados no Brasil nos últimos 11 anos são poucos e estão mais relacionados com algumas espécies de peixes e crustáceos, seja de água doce ou salgada. Emerson Soares conta que os casos que ocorreram em Recife e em Alagoas recentemente surgiram após o consumo de espécies marinhas.

Rastreabilidade

O professor Emerson chama a atenção para a dificuldade de se detectar a origem do problema, ou seja, de se identificar o local onde os peixes foram pescados e também de saber as condições do lugar onde eles foram capturados.

“A gente não tem uma rastreabilidade do pescado e isso seria importante para se identificar se a região onde o pescado foi capturado possui características de uma área de proliferação de toxinas, mas, ainda não temos como localizar onde foi exatamente que ocorreu a contaminação, porque se a gente tivesse um sistema de monitoramento das espécies e se a gente tivesse um sistema de georreferenciamento com e observadores de bordo nesses barcos a gente teria como localizar de onde o peixe veio porque esses peixes migram também de região para região e a gente não sabe exatamente onde foi que esse animal se contaminou”, explica o professor, que também relata não ser possível identificar a olho nu se o peixe está ou não contaminado somente observando algumas características físicas do animal, a não ser quando são realizados exames em laboratório, e ainda assim, a identificação não se torna fácil porque existem vários tipos de toxina, complementa Emerson Soares.

“Lembro que quando as regiões da Europa são acometidas por essas toxinas que são diarreicas, que são paralisantes ou que são amnésicas, eles possuem um programa de rastreabilidade muito melhor, eles conseguem saber de onde estão pescando, de onde vem o produto, para onde vai, eles têm tudo isso mapeado, inclusive, chegam até a parar a produção quando isso acontece para evitar o consumo daquele produto contaminado.“Quando eu estive lá na Europa, estudando, eu mesmo já fui acometido por uma enfermidade após comer umas ostras. Eu peguei toxina diarreica e tive uma diarreia por dois ou três dias onde perdi de três a quatro quilos”.

Professor Emerson Soares em trabalho de pesquisa. Foto: cortesia

Sinais

Alguns sinais na água também indicar uma grande proliferação de algas, mudança na coloração, o odor, que indicam a presença das biotoxinas.

Emerson Soares disse também que a Síndrome de Haff é causada por uma palitoxina (substância aquática de alta toxicidade), que pode ser produzida por uma toxina de microalgas ou por um muco (secreção) de corais. Isso ocorre geralmente quando há uma proliferação de um certo tipo de microalgas ou outros organismos microscópicos como dinoflagelados (seres marinhos unicelulares), que vivem no ambiente aquático ou o próprio coral, o muco, quando ocorre algum desequilíbrio, seja de temperatura, ou ausência de predador para se alimentar, ou um “boom” de algas que pode ocorrer se produzindo em excesso e liberando essas toxinas, o movimento das correntes ou o aquecimento das águas oceânicas. “Todos esses fenômenos podem contaminar os peixes e isso está começando a acontecer com maior frequência”, acrescenta o professor.

Emerson Soares explica que não existe uma espécie específica de pescado mais ou menos vulnerável à contaminação pelas toxinas. Trata-se de uma cadeia alimentar: o peixe que está no topo da cadeia, o predador, se alimenta de um peixe que se alimenta dessas algas e esse peixe já está contaminado. Nesse caso, o peixe menor vai contaminar o seu predador, que pode ser pescado e consumido pelo ser humano. Quando uma pessoa se alimenta desse mesmo peixe que se contamina, a depender da quantidade de toxina presente no peixe e ingerida pelo ser humano, poderá sofrer algum distúrbio, geralmente gástricos ou intestinal, gerando crises de diarreia, ou até mesmo afetando as células do sistema nervoso, causando algum tipo de paralisia.

Alguns dos sintomas são vômitos, dores na região do abdômen e no tronco, tontura, rigidez muscular, dificuldades nas funções renais, inclusive provocando o escurecimento da urina, e também ataque cardíaco, isso tudo a depender do nível de contaminação. O professor explica que geralmente, os sintomas aparecem quando o pescado contaminado é consumido até 24 após o produto ser pescado.

O professor ressalta que as toxinas podem estar presentes tanto em organismos de ambientes marinhos, como nos corais de regiões costeiras, ou em seres aquáticos como a medusa e algas vivas, assim também como nos organismos de água doce. “Há registros dessas toxinas já terem sido encontradas em peixes como a Arabaiana, o Badejo, o Pacu, de água doce, o Tambaqui. Portanto, não há uma espécie específica. Vai depender se uma determinada espécie de peixe realmente está numa região de predominância daquela microalga ou aquele muco de coral que está produzindo a toxina e se ele se alimentou desses organismos vivos”, afirma Emerson Soares.

Professor Emerson Soares realizando análise laboratorial. Foto: cortesia

Conservação

Manter o pescado bem conservado ajuda a reduzir a probabilidade de contaminação porque ao retirar todas as vísceras, a incidência dessa toxina presente no peixe diminui, reduzindo também a quantidade de tempo em que o peixe está em contato com essa toxina, mas se o peixe já se alimentou há muito tempo e a toxina já foi incorporada no organismo, então a pessoa, ao consumir o pescado, a depender da quantidade, provavelmente vai ter algum tipo de problema. O professor Emerson lembra também que nem todos os casos são fatais, mas os poucos casos que acontecem, geralmente, provocam problemas sérios

“Não é para se assustar, nem para deixar de consumir pescado. Agora, o que devemos fazer é levantar a bandeira da rastreabilidade do pescado, do qual já falei, que é esse monitoramento, de onde se pesca, de onde vem o peixe, como ele é conservado, a região, alguns sinais característicos que são vistos quando há uma proliferação de algas, através do odor e da coloração da água, comenta o professor”


O professor Emerson Soares disse ainda que não se deve ter medo de consumir pescado, mas em alguns momentos é preciso estar atento porque em certos momentos essas mudanças de tempo, de temperatura, de movimentação da coluna d'água, de inversões de correntes, podem sinalizar a presença dessas toxinas que causam a Doença de Haff.

“Se a gente for avaliar, os peixes costeiros também possuem níveis altos de metais pesados, então, se formos por esse caminho, a gente nunca vai comer nada. O que se deve fazer é ter certos cuidados, principalmente conhecer a origem do peixe, se você conhece onde se pesca ou se o pescado apresenta uma boa condição de higiene, se você já tem uma confiabilidade naquela pessoa que captura o peixe pra você, enfim, é tomar algumas precauções em certos momentos para reduzir ainda mais a probabilidade de contaminação que já é baixa”, afirma o professor.

Emerson Soares orienta que se busque o máximo de informações a respeito do peixe que está sendo consumido, qual região foi pescado, como ele foi conservado, evitar o consumo quando algum caso acontecer, mas, nunca parar em definitivo de comer peixe trata-se de um dos alimentos mais ricos e saudáveis do mundo, conclui o professor.