Entenda como a Receita fiscaliza transações e o que muda após revogação de norma do Pix
Recuo se deu após as redes sociais serem tomadas por uma onda de informações distorcidas e enganosas
O governo federal revogou a norma que atualizava os serviços de monitoramento da Receita Federal sobre transações financeiras nesta quarta-feira (15). O recuo se deu após as redes sociais serem tomadas por uma onda de informações distorcidas e enganosas - entre elas, a de que o Pix seria taxado.
Com isso, voltam a valer as regras em vigor até o fim de 2024.
"Vamos revogar ato da Receita que mudou valores para monitoramento de movimentações financeiras. Pessoas inescrupulosas distorceram e manipularam o ato normativo da Receita Federal prejudicando milhões de pessoas, causando pânico principalmente na população mais humilde", afirmou Robinson Barreirinhas, secretário responsável pelo Fisco.
O Fisco monitora transações há mais de 20 anos. O reporte das instituições financeiras à Receita Federal foi instituído no ano de 2001, por meio de uma lei complementar que dispõe sobre o sigilo bancário. De lá para cá, foram feitas atualizações no serviço para melhorar o "gerenciamento de riscos pela administração tributária", segundo o órgão.
Como era a norma que atualizava o monitoramento do fisco?
Até ser suspensa, a atualização do Fisco ampliava o serviço de monitoramento sobre movimentações financeiras. Antes, o órgão administrativo era notificado por bancos tradicionais caso transações TED e de cartão de crédito somassem R$ 2.000 ao mês, para pessoas físicas, e R$ 6.000, para jurídicas.
Os valores tinham subido para R$ 5.000 e R$ 15 mil, respectivamente, e a norma incluía os novos membros do sistema financeiro no reporte - notadamente o Pix, entre os meios de transação, e fintechs e bancos digitais, entre as instituições.
Na prática, nada mudaria para o contribuinte. A norma iria inclusive diminuir o número de transações reportadas ao Fisco, já que as réguas dos valores haviam subido.
"A norma resultou de um acordo entre a Receita, bancos, que já reportavam desde 2015, e meios de pagamento, que foram incluídos na regra, e na verdade vai diminuir a quantidade de dados de baixa renda disponíveis para tornar o sistema mais racional", afirmou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, antes da revogação da medida.
Por que a norma melhoraria a fiscalização sobre grandes sonegadores?
Ao subir a régua dos valores, a norma diminuiria a quantidade de dados reportados à Receita Federal e permitiria que movimentações suspeitas fossem identificadas mais facilmente.
"Quem precisa da atenção da Receita Federal é quem usa esses novos meios de pagamento para ocultar dinheiro ilícito, às vezes decorrente de atividade criminosa, de lavagem de dinheiro. O foco da Receita é para eles. Não é para você, trabalhador, pequeno empresário", disse o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas.
Segundo ele, mesmo em casos de movimentação atípica, como de empréstimo de cartão de crédito a um familiar, não há risco de autuação pela Receita por se tratar de uma prática comum entre os brasileiros. "Não é porque em um determinado mês você gastou um pouco mais que isso vai gerar algum problema com a Receita Federal," ressalta.
As movimentações suspeitas seriam identificadas através de um cruzamento de dados. A partir das informações que o Fisco já tem sobre os contribuintes - como declarações de Imposto de Renda, dados bancários, registros em cartório, entre outras-, seria possível identificar inconsistências entre o que é declarado e o que é, de fato, movimentado.
Por exemplo: uma pessoa declara receber R$ 5.000 ao mês e começa a depositar R$ 100 mil em sua conta bancária regularmente. Ao cruzar dados do contribuinte, a Receita poderia intimá-lo para prestar explicações, já que a movimentação poderia ser indício de lavagem de dinheiro ou outra atividade ilícita.
Por que o governo revogou a atualização?
A norma foi revogada por causa da forte repercussão negativa nas redes sociais sobre a medida, tanto por conta da desinformação sobre uma falsa taxação do Pix quanto pelo discurso da oposição de que o governo federal seria uma gestão que gosta de impostos e de taxar.
O tema também foi debatido no mundo político, e a oposição ao governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ganhou terreno no meio digital.
Nos últimos dias, viralizaram vídeos e publicações críticas ao governo quanto à medida do Pix.
O principal deles é o do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), em que ele afirma que o governo "só está pensando em arrecadar, sem te oferecer nada" e fala em "quebra de sigilo mascarado de transparência". O vídeo registra mais de 300 milhões de visualizações no Instagram.
"O estrago causado está feito por esses inescrupulosos, inclusive senador e deputado, agindo contra o Estado. Essas pessoas vão ter que responder pelo que fizeram, mas não queremos contaminar a tramitação da MP no Congresso", disse Haddad.
Dentro e fora do Palácio do Planalto, a avaliação é a de que o governo sofreu uma derrota para a oposição, após uma sucessão de erros. Entre os pontos criticados, está o fato de uma medida dessa magnitude ter recebido um tratamento burocrático da equipe econômica, sem a definição de uma estratégia de comunicação.
O que está valendo agora?
Com a revogação, voltam a valer as regras anteriores. A monitoração será sobre transações que, no mês, somam mais de R$ 2.000 para pessoas físicas e de R$ 6.000 para jurídicas.
Só bancos tradicionais seguem obrigados a repassar os dados à Receita, mas fintechs e instituições digitais, como o Nubank, podem enviar as informações voluntariamente.
O reporte ao Fisco não faz distinção entre modalidade de pagamento. Ou seja, serão repassados quaisquer transações que se enquadrem na norma.
O que muda para o Pix?
Nada muda para o Pix, que segue gratuito.
A MP publicada pelo governo nesta quinta "dispõe sobre medidas para ampliar e garantir a efetividade do sigilo e a não incidência de preço superior, valor ou encargo adicional sobre os pagamentos realizados por meio de arranjo de Pix instituído pelo Banco Central", diz o texto.
Segundo o ex-secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, o Pix já era indiretamente acompanhado pela Receita antes mesmo da atualização da norma.
"Os bancos são obrigados a informar movimentações acima de R$ 2.000 para pessoas físicas e R$ 6.000 para jurídicas, independentemente da modalidade de pagamento. Não é todo Pix que é monitorado: é só aqueles que batem nesses valores estipulados", afirma Cintra.
Por que a Receita fiscaliza transações financeiras?
A Receita monitora transações financeiras há mais de 20 anos como parte do esforço para identificar criminosos e sonegadores."A Receita Federal não tem nenhum interesse em saber o detalhamento, quantos Pix você recebeu e quem passou para você, onde você gastou o dinheiro. Nada disso é informado", diz Barreirinhas.
Quais dados são compartilhados com a Receita?
As instituições financeiras repassam apenas os valores consolidados das operações. Ou seja, não são identificadas a natureza, a origem ou a modalidade de cada transação, apenas o montante movimentado mensalmente por cada contribuinte.
Os dados são informados em um sistema informático conhecido como SPED (Sistema Público de Escrituração Digital), que existe desde 2007. O sigilo bancário, regulado pela Lei Complementar 105/2001, não é violado, já que a Receita não tem acesso aos detalhes das transações.
O sigilo bancário pode ser quebrado em casos específicos, segundo detalhado pela Lei Complementar, mas isso só pode ocorrer através de decisões judiciais.