Hillary chega ao dia da eleição com dianteira frágil sobre Trump
Escolha para a presidência dos EUA acontece hoje (8), após 17 meses e mais de R$2 bi arrecadados
Um dos dois, a democrata Hillary Rodham Clinton, 69, ou o republicano Donald John Trump, 70, será escolhido nesta terça-feira (8) como o 45º presidente dos Estados Unidos da América, após 17 meses, mais de US$ 2 bilhões arrecadados e um sem-fim de insultos numa campanha que ameaça como poucas a coesão projetada 240 anos atrás no nome da nação.
Ela chega com um favoritismo frágil. Na média de pesquisas, está três pontos à frente dele, margem mais estreita do que os sete pontos que os separavam há 20 dias, mas acima dos dois pontos de distância no começo do mês.
Os maiores campos de batalha são Estados ainda indefinidos e que, em projeção do site Real Clear Politics, somam 171 votos no Colégio Eleitoral —o sistema que aponta o presidente e é composto por 538 delegados, incumbidos de representar os eleitores dos 50 Estados americanos.
Um candidato precisa ter apoio de ao menos 270 deles (metade mais um). Espere emoção: Hillary está à frente nos maiores Estados ainda em jogo, Flórida e Pensilvânia (juntas, 49 delegados), mas dentro da margem de erro das pesquisas.
Ou seja, ainda que venha a ser estreita na votação popular, a vantagem de Hillary pode se tornar bem mais larga no Colégio Eleitoral, caso ela consiga vencer num Estado de peso como a Flórida.
A força da democrata vem das minorias, sobretudo a latina. Em ascensão demográfica, o eleitorado costuma ser mais desmobilizado do que outros grupos, mas poderá votar em peso contra o homem que promete construir um muro "muito lindo e muito alto" na divisa com o México.
Trump aposta na "maioria silenciosa". Evocada por Richard Nixon em 1969 e popular entre conservadores, a expressão é um apelo a um país que se contrapõe às demandas de grupos minoritários.
Trump ganharia se o ano fosse 1919, último antes da incorporação do voto feminino na Constituição americana: hoje o empresário acusado de assediar ao menos 11 mulheres tem dez pontos de vantagem entre eleitores homens.
A fonte de energia do republicano são brancos sem diploma universitário, vindos de uma classe operária nostálgica por um passado de glória industrial e ressentida com um governo que estaria pondo minorias na frente da fila.
Para se tornar a primeira mulher presidente dos EUA, Hillary precisa convencer seu eleitorado a ir às urnas num país onde o voto é facultativo.
Seu nome não entusiasma tanto quanto o de Barack Obama numa das bases mais sólidas dos democratas. Pesquisas apontam que 9 em cada 10 negros, 12% da população, a preferem.
Números da votação antecipada, contudo, mostram retração desse grupo. Para ajudá-la, o presidente resgatou em comícios um personagem de sua campanha de 2008: o "preguiçoso" primo Pookie, que adora reclamar da vida, "mas ficou no sofá vendo futebol em vez de votar nas cinco últimas eleições".
O sucessor de Obama terá o desafio de reconciliar essa América partida, após um pleito que potencializou uma polarização há anos em marcha.
A Folha conversou com assessores das duas campanhas, e todos concordam num ponto: com índices recordes de rejeição, acima dos 50%, tanto Hillary quanto Trump terão dificuldade em cicatrizar as feridas eleitorais.
Se a presidente do Partido Democrata, Donna Brazile, aponta para uma "corrida que rachou todos nós", o ex-pré-candidato republicano Ben Carson só vê uma salvação: "Sair da estagnação econômica vai ajudar os EUA a fazerem jus ao 'unidos' do seu nome. Quando a economia vai bem, todo mundo fica feliz".
Katrina Pierson, porta-voz da campanha republicana, lembra: "Hillary chamou metade dos nossos eleitores de deploráveis". Já o chefe do time democrata, John Podesta acusa o empresário de "ir para lugares sombrios e rejeitar nosso histórico de transições pacíficas". Trump disse não saber se vai aceitar o resultado das eleições. Só em um caso, disse: "Se eu ganhar".
SEM CENTRO
Suas vozes refletem um fenômeno mais acentuado, mas não inédito na política americana.
Nas últimas décadas, posições mais ao centro saíram de moda, segundo sondagem com 10 mil adultos feita pelo Centro de Pesquisas Pew. Hoje, 38% dos democratas se dizem liberais convictos, contra 8% em 1994. Entre republicanos, conservadores de carteirinha eram 23% há 22 anos e hoje são 33%.
"A esquerda está indo para a esquerda, e a direita para a direita. Isso é coerente com a polarização religiosa, com os 'nones' [que não se filiam a nenhuma fé] e os evangélicos a caminho de se transformarem nas duas maiores demografias religiosas dos EUA ", diz David French, articulista da revista "National Review".
A polarização já foi fatal. No século 20, ataques mataram (John F. Kennedy) ou paralisaram (George Wallace, na campanha presidencial de 1972) políticos.
Em 1856, um senador da Carolina do Sul quase matou com bengaladas um colega abolicionista de Massachusetts que acusara um primo dele de ser um "cafetão para a escravidão". O episódio ajudou a detonar a Guerra Civil dos EUA.
Meio século antes, o vice-presidente abateu o secretário do Tesouro num duelo com armas, episódio central no maior hit da Broadway hoje, "Hamilton".
Hillary e Trump dão um fôlego final, passando por três Estados ela, e cinco ele, na véspera do pleito. "Foi uma campanha e tanto", ele disse na Flórida. Na Pensilvânia, ela pedia: "É hora de curar este país".
HILLARY FAZ CAMPANHA EM SHOW DE ROCK AO LADO DE OBAMA E BILL CLINTON
Hillary Clinton concluiu sua campanha na Filadélfia em ritmo de rock, num comício ao ar livre que teve apresentações de Bruce Springsteen e Bon Jovi, diante de milhares de pessoas na noite desta segunda (7).
O maior comício de Hillary na temporada eleitoral contou também com as grandes estrelas do Partido Democrata, seu marido, o ex-presidente Bill Clinton, e o atual mandatário, Barack Obama, acompanhado da primeira-dama, Michelle.
Após uma das disputas presidenciais mais sujas e polarizadas da história dos EUA, Hillary tentou encerrar a campanha com uma mensagem de otimismo, mas sobretudo de incentivo a seus seguidores a irem votar nesta terça (8). Um dos temores dos democratas é um possível baixo comparecimento dos potenciais eleitores de Hillary, sobretudo os negros, o que poderia colocar em risco a vitória em Estados-chave como a Pensilvânia, onde fica a Filadélfia.
"Quero que vocês possam dizer a seus filhos que votaram por inclusão e um país de mente aberta em que todos caminham juntos", disse Hillary, reforçando que pretende defender o legado de Obama se chegar à Casa Branca. "Esta eleição é o teste de nossa era".
TRUNFO PRESIDENCIAL
Com a popularidade em alta, o presidente foi um dos grandes trunfos de Hillary na campanha. No último dia antes da eleição, ele fez participou de três atos de campanha de sua ex-secretária de Estado, o último na Filadélfia, onde foi apresentado por sua mulher diante de um público estimado em cerca de 40 mil pessoas.
"Vocês não devem só votar contra alguém", disse Obama, depois de repetir várias vezes que o candidato republicano, Donald Trump, não tem qualificação para ser presidente. "Vocês têm uma candidata extraordinária".
Talvez até mais que Obama e Hillary, Michelle foi quem incendiou o público ao subir ao palanque, na mesma Filadélfia em que fez um dos discursos mais marcantes da campanha, durante a convenção democrata, em julho. Considerada por muitos a figura política mais popular do país, ela exaltou sua emoção pela possibilidade de ajudar uma mulher a chegar pela primeira vez na história à Presidência dos EUA.
"Quando as coisas ficam difíceis, Hillary é a pessoa que queremos ao nosso lado, porque ela nunca desiste, nunca deixa ser nocauteada", disse Michelle, que também falou em tom de despedida do posto de primeira-dama, que deixará em janeiro. "Agradeço o apoio e as preces. Todos os dias, vocês nos inspiraram com sua coragem e sua decência."
CAMPANHA POSITIVA
Mais cedo em Ohio, outro Estado-chave Hillary havia repudiado a campanha negativa de Trump.
"Quero uma América em que todos têm um lugar, onde todos são incluídos", disse a democrata num evento em Clevelend, Ohio, um dos Estados-chave para o desfecho da eleição.
"Sei que há muita frustração, até raiva, nesta temporada eleitoral. Eu vejo e ouço, sou alvo disso. Mas a raiva não é um plano. Raiva não é algo que nos trará novos empregos".
No megacomício da Filadélfia, berço da independência dos EUA, Bill Clinton seguiu o tom de união da de Hillary, repetindo o slogan de sua campanha. "Ela já disse que não importa o que aconteça, juntos nós somos mais fortes", disse o ex-presidente.