Acidentes

Após massacres, Estados pressionam Temer por ajuda em crise prisional

Brasil registrou a morte de 134 detentos em 15 dias; situação no Norte é a mais complicada

Por Folha de São Paulo com Folha de São Paulo 17/01/2017 05h05
Após massacres, Estados pressionam Temer por ajuda em crise prisional
Polícia tenta conter tumulto em presídio - Foto: Folha de São Paulo

Em meio ao agravamento da crise nos presídios brasileiros, com 134 mortes de detentos em 15 dias, os três Estados que tiveram massacres neste ano decidiram pedir uma ação mais ampla do governo federal para controlar a situação –resultado da disputa entre facções criminosas.

A principal reivindicação, alvo de resistência no governo Temer, é a liberação para que a Força Nacional atue diretamente dentro das prisões, e não só do lado externo.

O governo do Amazonas, palco da maior matança, num total de 67 vítimas em 2017, enviou ofício na sexta (13) ao ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, no qual diz que a ajuda federal disponibilizada, com envio das tropas para atuar apenas do lado de fora das unidades, é insuficiente para a retomada da ordem.

O mesmo pleito –para que haja intervenção dentro das prisões– foi formalizado pelo governo de Roraima na última semana, após 33 mortes.

A falta de controle dos agentes estaduais foi evidenciada no Rio Grande do Norte, que teve ao menos 26 mortes após rebelião iniciada no sábado (14). O motim foi retomado nesta segunda (16) pelos detentos –que subiram no telhado e expuseram a mensagem de guerra das facções.

O governo do RN também decidiu pedir a ampliação do efetivo de tropas federais, que estão por lá desde 2016, e a liberação federal para que um batalhão de pronta resposta intervenha dentro de Alcaçuz, onde houve a matança.

O Ministério da Justiça afirma que as solicitações dos Estados estão em análise. Mas a pasta já havia refutado a participação de agentes da Força Nacional na área interna dos presídios.

"A Força Nacional pode fazer barreiras, recuperação de presos, perímetro das penitenciárias e a custódia de deslocamento de presos. Mais do que isso, não pode. Não é que eu não queira, é que não pode", afirmou Moraes à Folha na semana passada.

IMPACTO NECESSÁRIO

No Amazonas, a Força Nacional, com 99 homens, tem controlado os acessos ao Complexo Prisional Anísio Jobim (Compaj), onde houve 59 mortes. Eles estão posicionados a 2 km do presídio.

O governador do Estado, José Melo (Pros), escreveu ao ministro que as atribuições dadas aos agentes "pouco desoneram" a atividade da PM e que isso "não gera o impacto necessário ao restabelecimento da ordem e disciplina do sistema prisional".

Melo pede que a Força Nacional tenha aval para policiamento nas muralhas dos presídios, segurança dos agentes penitenciários e pronta resposta em caso de rebelião.
O objetivo do Amazonas é liberar policiais para recapturar presos: dos 215 que fugiram, 134 continuam soltos.

Em Roraima, a solicitação ao governo federal inclui ainda revistas das instalações e policiamento das guaritas –os cem militares da Força Nacional atuam somente fora dos muros dos presídios.

Em relação ao RN, o governador Robinson Faria (PSD) deve se encontrar com Moraes e Temer para reforçar os pedidos nesta terça, quando o ministro vai também se reunir com secretários de Justiça e de Segurança Pública das demais unidades da Federação.

Na reunião, o governo federal deve cobrar agilidade na construção de presídios estaduais com recursos da União, sugerindo um regime diferenciado de contratação ou parcerias com a iniciativa privada como contrapartida ao investimento federal de R$ 870 milhões para 25 presídios.

O mesmo modelo será adotado pelo Palácio do Planalto para construir, ainda em 2017, cinco presídios federais de segurança máxima para chefes de facções criminosas.

Além da presença da Força Nacional, alguns Estados se queixam da falta de resposta a pedidos de transferência para penitenciárias federais.

No Paraná, por exemplo, a remoção de 42 líderes de facções criminosas, identificados numa megaoperação no final de 2015, até hoje aguarda posicionamento. Apenas quatro foram removidos. Outros sete fugiram neste fim de semana, em ação orquestrada com criminosos do lado de fora, que explodiram o muro da prisão.

FUNÇÃO

Com 1.265 homens, a Força Nacional atua hoje em sete Estados. Foi criada em 2004 como integração de polícias estaduais para ser usada em casos emergenciais e com tempo de atuação "episódico".

Em 2010, o texto que regulamenta sua atuação foi alterado para que ela não ficasse restrita à função de policiamento ostensivo e tivesse uma ação mais ampla.

Especialistas ouvidos pela Folha avaliam que, pela legislação, não há obstáculo para a ação das tropas dentro dos presídios. Consideram, porém, que houve banalização da atuação nos últimos anos.

Para Daniel Misse, professor do departamento de segurança pública da Universidade Federal Fluminense, a Força Nacional, criada para ser uma resposta emergencial a crises, não deveria ser utilizada pelos Estados como uma política contínua de segurança. "O problema é quando o uso paliativo da Força Nacional se torna política pública."

Para o analista criminal Guaracy Mingardi, a ação da Força Nacional tem que ser temporária. "Não vai resolver o problema. Vai segurar as pontas."

ESTADOS TRANSFEREM PRESOS E MUDAM SEGURANÇA

Depois da terceira grande rebelião no sistema prisional neste ano, Estados brasileiros aumentaram a segurança e intensificaram transferências para evitar novos motins.

Em Alagoas, o governo removeu cerca de mil presos nos últimos dois dias, para "prevenir conflitos e evitar mortes", colocou o Bope (Batalhão de Operações Especiais) dentro dos presídios e pediu a transferência de 20 líderes criminosos para penitenciárias federais.

Lá, membros do PCC e do Comando Vermelho rivalizam entre si. O governo estadual diz estar agindo para prevenir a "guerra declarada de facções que assola o país".

"O comentário é que havia uma possibilidade real de acontecer algo no domingo, mas o Estado agiu a tempo e fez um trabalho de inteligência", diz o advogado Ricardo Moraes, membro do Conselho Penitenciário Estadual e da comissão de Direitos Humanos da OAB-AL.

O Paraná, onde houve uma fuga de presos do PCC no domingo (15), com explosão de muro e perseguição policial, suspendeu as visitas em todas as unidades do Estado e intensificou as revistas. Não há indícios de rixa entre facções no Estado, mas o governo está em alerta.

"Há uma tensão porque o clima nacional é favorável a motins, coordenados ou isolados, ainda que por motivos diferentes", diz a advogada Priscilla Placha, da comissão de Prerrogativas da OAB-PR. "É uma nuvem que paira e que não há como descartar."

No Rio, a Secretaria de Administração Penitenciária transferiu cerca de 300 detentos dentro do Complexo de Bangu, ainda na primeira semana de janeiro, para evitar conflitos.

Segundo o presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários do Rio, Wilson Camilo, um racha na facção Amigos dos Amigos motivou a transferência. O motivo, segundo ele, foi discordância interna sobre a aliança da ADA com o PCC. A Seap não comenta o tema por motivos de segurança.

Vizinho ao Rio Grande do Norte, o Ceará também fez transferências no início do ano, um dia depois da rebelião em Manaus, para "desarticular lideranças e prevenir conflitos". Membros do PCC e do Comando Vermelho disputam espaço nos presídios estaduais, que abrigam 21 mil detentos –e têm apenas 13 mil vagas. O governo, porém, diz que não houve indícios de rebelião até aqui.

A Bahia afirma estar "em alerta". O Estado enfrentou uma fuga de presos nesse fim de semana, e convive com uma briga entre duas facções locais: o Comando da Paz e o Bonde do Maluco (aliados do PCC), segundo o Sindicato dos Agentes Penitenciários.

O governo mobilizou batalhões especiais da PM para monitorar o maior complexo penitenciário do Estado, em Salvador, a fim de evitar confrontos. Segundo a secretaria da Administração Penitenciária, até agora, não há indicativos de rebelião. "Mas o sistema penitenciário é muito sensível; estamos atentos e preocupados", diz o major Júlio César dos Santos, superintendente de gestão prisional.