Economia

Sururu: Patrimônio cultural imaterial de Alagoas desaparecido

O sururu desapareceu após fortes chuvas terem atingido o estado no primeiro semestre do ano

Por Esmerino de Lima e Lucas Maia - Estudantes - 7 Segundos 28/11/2017 10h10
Sururu: Patrimônio cultural imaterial de Alagoas desaparecido
Bem cultural imaterial de Alagoas, o sururu desapareceu após fortes chuvas - Foto: Lucas Maia

Sustento para várias famílias que vivem às margens da Lagoa Mundaú, desde maio deste ano o sururu desapareceu, deixando famílias inteiras de marisqueiros, pescadores e comerciantes sem o molusco mais representativo do estado de Alagoas. Os ribeirinhos afirmam que a escassez do marisco tem prejudicado a renda das pessoas que dependem dele para sobreviver.

Bem cultural imaterial de Alagoas, o sururu desapareceu após fortes chuvas terem atingido o estado no primeiro semestre do ano. Segundo o Biólogo e Técnico de Gerenciamento Costeiro do Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA), Juliano Fritscher, a salinidade adequada para que o Sururu possa sobreviver e reproduzir é entre 12 e 30 mil PPM (partes por mil), porém, com as chuvas, a concentração de sal nas lagoas chegou a zero, tornando a água completamente doce e impedindo a reprodução desses animais.

O sumiço do sururu tem deixado a população ribeirinha desesperada. Segundo moradores, mais de cinco mil famílias dependem direta ou indiretamente do marisco para sobreviver. Além das pessoas que trabalham diretamente com o molusco, esse problema tem afetado também os feirantes, peixeiros, bares e restaurantes que comercializam o que é a iguaria mais tradicional de Alagoas.

?Nas melhores épocas, os marisqueiros chegavam a vender até 200 reais de sururu por dia. A orla da Lagoa Mundaú ficava abarrotada de gente buscando comprar o molusco que, para ser capturado, dava muito trabalho aos pescadores que levantavam ainda na madrugada para levar suas canoas até a lama onde mergulhavam de corpo inteiro para buscar o bivalve.

Pescadores e marisqueiras reclamam que estão desamparados, pois não recebem o seguro defeso, espécie de seguro desemprego pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social a pescadores artesanais em determinados períodos, onde a pesca é controlada. Segundo o presidente da Colônia de Pescadores Z-05, da região lagunar, já foram enviados projetos solicitando a inclusão desses trabalhadores na abrangência do seguro defeso, porém as solicitações não foram aceitas.

Trabalho


Marisqueira limpando sururu próximo à Lagoa Mundaú em fotografia de 2015 (Foto: Társila Santos)

Para muitos moradores do bairro do Vergel do Lago, a Lagoa Mundaú é uma mãe, da qual dependem para sobreviver, sobretudo do trabalho proveniente do sururu. Com o desaparecimento do animal, muitas famílias, para não passar fome, estão buscando fazer “bicos” na construção civil, vendendo produtos como ambulantes ou catando maçunim. Outras famílias, sem possibilidade de buscar trabalhos diferentes, estão sendo ajudadas por moradores da região para poder sobreviver.

?A poucos metros da Lagoa Mundaú, João Manoel e Ednalda Manoel dos Santos, conhecida popularmente por “Ninha”, estavam despinicando (limpando) o maçunim, molusco que prosperou condição atual das lagoas. O casal sobrevive diretamente da pesca do sururu e afirma nunca ter visto situação tão desesperadora como a que estão passando agora com a falta do sururu na lagoa.

?A marisqueira relata que desde criança trabalha com o sururu nas margens da lagoa. Agora casada, cria os filhos com o dinheiro e os esforços dela e do esposo para sobreviver e ter o que comer. 

Para Ninha, na maioria das vezes, os pescadores não sabem fazer outro trabalho a não ser pescar sururu e em uma situação como essa eles precisariam do seguro-defeso.

?“Não temos opção, temos que trabalhar com o maçunim porque o presidente da federação diz que tenta conseguir o seguro, mas todos nós pagamos a colônia, pagamos INSS, pagamos sindicato e não temos direito”, afirma Ednalda.

?Segundo o comerciante Petrúcio Alves de Mendonça que trabalha há mais de dez anos com a venda do sururu, o molusco era comercializado para vários lugares do Brasil, mas com a crise que assola a lagoa, estão indo buscar o animal em Salvador para ajudar os marisqueiros da região e manter a peixaria aquecida com o molusco.

?“Meu filho leva catadores de sururu daqui para Salvador. Lá eles conseguem pegar um pouco pra trazer. Em época boa, aqui era mais de 10 toneladas por mês, hoje temos que sair do próprio ambiente em que moramos, arriscando a vida para trazer sururu pro estado e comercializar sem muitos lucros”, afirma Petrúcio. (sic)


Petrúcio Alves junto ao seu comércio "Rei do Marisco". Título que adquiriu em épocas de abundância de sururu. (Foto: Lucas Maia)

Comércio

Apreciado pelos alagoanos e turistas que visitam o estado, o sururu é um dos moluscos mais consumidos em Alagoas. De acordo com o Presidente da Colônia de Pescadores, Manoel Messias Pereira Lopes, os catadores conseguem em época boa 30 toneladas por mês. Além de ter sua representação na cultura, o sururu é muito bem vindo à culinária.

Na orla da Lagoa Mundaú, o movimento de pessoas querendo comprar o animal é grande em época de pesca. Filas e mais filas de gente de todo o lugar querendo adquirir o molusco fresquinho. Sobretudo, o preço em conta. Nesse vai e vem de clientes, os vendedores são só alegria com o movimento.

O molusco em época boa é vendido pelos marisqueiros a R$ 6 o quilo, caindo o preço quando comprado em grandes quantidades. Elenilda Laurina, vendedora do mercado da produção, conhecida no local por Dona Vita, afirma que estava habituada a comprar o sururu na beira da lagoa, porém, com a escassez do molusco em Alagoas, os marisqueiros que estão trazendo de outro estado cobram mais caro para ela revender e consequentemente sai mais caro para o cliente final, dificultando muito a venda.

A dona de casa Juliana afirma que toda vez que vai ao mercado tem que comprar uma sacola de sururu para fazer no coco. “É tradição da minha família, como eu gosto bastante do molusco sempre faço na minha casa”, afirma 


Dona Vita, vendedora de pescados, em frente a uma bacia de sururu proveniente de salvador. O preço está tão alto que ela
prefere não colocar uma placa com o valor do molusco. Mercado da Produção, centro de Maceió. (Foto: Lucas Maia)

Meio Ambiente

O Biólogo e Técnico de Gerenciamento Costeiro do Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (Ima/AL), Juliano Fritscher, afirma que o sururu não se extinguiu, a espécie continua na lagoa em uma quantidade muito pequena.

De acordo com Fritscher, as chuvas do início do ano reduziram a salinidade da água a zero, impedindo a reprodução do sururu, mas para ele o animal ainda sobrevive em alguns locais específicos. Além disso, o que o biólogo percebeu é que devido ao aporte de sedimentos no fundo das lagoas Mundaú e Manguaba (chamadas tecnicamente de lagunas), a lama onde o sururu sobrevive acaba ficando sob bancos de areia fazendo ele perder espaço para outro molusco que tem se proliferado na região, o maçunim. Para Juliano essa é uma marca visível do desequilíbrio ambiental.

De acordo com informações do jornal Folha de São Paulo, na década de 90 foi utilizada uma draga para abrir espaço para a entrada de água salgada na lagoa. Mas segundo o biólogo, fazer uma interferência como essa no ambiente é muito arriscado pois seria difícil prever os danos que o procedimento poderia causar.

O lixo, o esgoto e sobretudo os sedimentos que se acumulam dentro da Lagoa Mundaú são fatores que causam desequilíbrio ambiental, fazendo com que algumas espécies de animais desapareçam, ao passo que outras prosperam.

Patrimônio Cultural

Em Alagoas, a luta pelo reconhecimento do Sururu como Patrimônio Imaterial do Estado vem de várias décadas, mas em 2014 houve um pedido formal para que esse símbolo alagoano fosse reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial de Alagoas. Apesar de toda a burocracia, o processo e o parecer técnico, os responsáveis decidiram pela continuidade do processo de registro.

A solicitação de registro foi elaborada pelo turismólogo Ernani Viana Neto e pelo professor e antropólogo Edson Bezerra, autor do livro “Manifesto Sururu: Por Uma Antropologia Das Coisas Alagoanas”.

Sendo assim, em 11 de dezembro de 2014, em reunião realizada com os proponentes no Museu da Imagem e do Som (Misa), o Conselho Estadual de Cultura decidiu pela aprovação do registro, tornando o sururu um patrimônio imaterial de Alagoas. Isso significa que o sururu passa a ser considerado oficialmente uma manifestação da identidade e diversidade cultural alagoana.

O sururu, que é um importante símbolo da alagoanidade, está presente em diversos aspectos da vida da população alagoana. Da culinária à poesia, da música ao artesanato, o sururu além de ser uma das representações mais importantes da identidade alagoana é também o sustento de centenas de famílias pobres e batalhadoras que vivem às margens do complexo Mundaú-Manguaba.