Cultura: conheça a origem do Xangô Rezado Alto
O Xangô Rezado Alto acontece em memória ao ‘Quebra de Xangô’
Nesta sexta-feira (1°), a partir das 14h30, na Praça Dom Pedro II, localizada no Centro, será realizada a oitava edição do Xangô Rezado Alto, evento organizado pela Prefeitura de Maceió, por meio da Fundação Municipal de Ação Cultural (Fmac). A celebração contará com a participação de 15 grupos culturais selecionados através de uma chamada pública lançada pelo Município em dezembro do ano passado.
A programação será iniciada ao som da Orquestra de Tambores, que antecede a tradicional caminhada em direção à Praça dos Martírios. Durante o percurso, o cortejo cultural irá passar por quatro tablados posicionados na Rua do Comércio para que os grupos Taieiras Alagoanas, Baianas Ganga Zumba, Banda Afro Dendê, Coco Raízes Nordestinas, Banda Afro Zumbi e Banda Afro Afoxé façam suas apresentações.
O cortejo será encerrado na Praça dos Martírios, onde acontecerão as apresentações dos grupos Afoxé Oba Agodô, Maracatu Raízes da Tradição, Afoxé Odo Iyá, Afoxé Ofá Omim, Afoxé Ojum Omim Omorewá, Samba-de-roda K Posú Betá, Banda Afro Mandela e Companhia de Dança Aiê Orum.
O Xangô Rezado Alto acontece em memória ao ‘Quebra de Xangô’, ocorrido no dia dois de fevereiro de 1912 em casas de culto de matriz africana de Maceió e de outras cidades alagoanas. Durante o episódio, paramentos e objetos sagrados foram retirados de templos religiosos, expostos e queimados em praça pública. Passados 107 anos, o historiador e babalorixá Célio Rodrigues, conhecido como pai Célio, relembra a origem da manifestação cultural, enfatizando a importância desta celebração para o combate à intolerância religiosa.
Confira a origem do Xangô Rezado Alto na entrevista abaixo:
Ascom Fmac – Qual era o cenário político em Alagoas no período do Quebra de Xangô?
Pai Célio – Euclides Malta governou Alagoas durante um bom tempo e não havia mácula negativa para destroná-lo do poder, porém, um grupo que queria pleitear o governo começou a fazer uma pesquisa e percebeu que o grupo do governador tinha uma ligação religiosa com uma casa de axé em Maceió. Com o apoio da imprensa, publicaram diversas matérias nos jornais da época falando de forma negativa e pejorativa de Euclides Malta. Isso provocou uma grande repercussão negativa, que gerou a saída do governador da cidade de Maceió. À época, ele passou a morar em Olinda. Nesse período, quem ganhou a eleição foi Clodoaldo da Fonseca, que, com o apoio de Fernandes Lima, monta uma liga para combater a religiosidade de matriz africana.
Ascom Fmac – O que foi de fato o Quebra de Xangô?
Pai Célio – No dia dois de fevereiro de 1912, diversas casas de culto de matriz africana foram invadidas e tiveram seus objetos sagrados recolhidos. Religiosos foram agredidos e perseguidos por muito tempo. Alguns conseguiram fugir para outros estados. Esse fato por muitos anos foi silenciado, mas, recentemente , o segmento de matriz africana começou a se mobilizar e articular, com o apoio do Poder Público e da sociedade civil, o Xangô Rezado Alto, que desde 2013 é realizado pela Fmac. É um evento de suma importância e de celebração do ‘Quebra de Xangô’ para que aquele episódio não se repita. Então, esse evento é celebrado há vários anos com o intuito de mostrar à sociedade a intolerância causada naquela época em cima das religiões de matriz africana.
Ascom Fmac – Por que é preciso relembrar esse episódio?
Pai Célio – É um acontecimento que a sociedade alagoana já conhece e reconhece, mas por muitos anos foi esquecido. A própria escola, que é base fundamental da formação dos estudantes não tocava nesse episódio, mas, hoje, já é possível ver a escola convidando babalorixás e intelectuais para dizer o que foi o ‘Quebra de Xangô’ e isso é de suma importância porque nós entendemos que toda formação vem basicamente da educação. Então, dizer que hoje nós somos perseguidos e que por muitos anos fomos, também, perseguidos pelo próprio governo do estado é, de fato, extremamente importante. Inclusive, o ato de 2012, durante o centenário do ‘Quebra de Xangô’, foi um momento muito relevante porque o próprio governo do estado reconheceu a atrocidade e pediu perdão à comunidade da cultura afro-brasileira. Por isso, mais uma vez, vamos dizer não à intolerância religiosa celebrando a memória de 1912.
Ascom Fmac – Pode-se dizer que o Xangô Rezado Alto é um movimento de resistência?
Pai Célio – Essa celebração é, sim, uma forma de resistência e também uma forma de conscientizar as pessoas sobre a importância do dia dois de fevereiro, quando relembramos as atrocidades que ocorreram dentro da nossa sociedade em 1912. Além disso, a nossa Constituição Federal nos dá o direito de liberdade de culto e de crença e diz que o nosso país é laico. Por isso, nós temos, sim, o direito de usar a nossa roupa branca e nos apresentarmos como religiosos de matriz africana.