Saúde

PL reacende debate sobre acompanhantes legais para autistas; entenda questão

A ideia é tornar direito da pessoa autista ter até dois acompanhantes, mas apenas em eventos culturais e esportivos

Por Wanessa Santos 13/10/2024 08h08 - Atualizado em 13/10/2024 08h08
PL reacende debate sobre acompanhantes legais para autistas; entenda questão
A mudança seria no sentido de ampliar a quantidade de acompanhantes que indivíduos com TEA teriam direito em eventos culturais e esportivos - Foto: Marco Antônio / Agência Alagoas

Foi divulgado, no último dia 03 de outubro, no portal oficial do Senado Federal, um Projeto de Lei (PL) que pretende alterar uma lei referente aos acompanhantes de pessoas dentro do Transtorno do Espetro Autista (TEA). A mudança seria no sentido de ampliar a quantidade de acompanhantes que indivíduos com TEA teriam direito em eventos culturais e esportivos.

A autoria do PL é do senador Jader Barbalho (MDB-PA). A ideia do senador é tornar direito da pessoa autista ter até dois acompanhantes nos ambientes acima mencionados. Atualmente a Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, garante, entre muitas outras coisas, o direito de uma pessoa autista a apenas um acompanhante legal em diversos ambientes, tais como em atendimento de serviços de saúde, em ambientes educacionais e em ambientes sociais e profissionais.

O senador Jader Barbalho é o autor desse projeto de lei. Foto: Edilson Rodrigues / Agência Senado

Entretanto, o que chama a atenção no PJ do senador Jader Barbalho é a especificidade dos locais os quais as pessoas com TEA poderão ter mais de um acompanhante legal, caso o projeto seja aprovado, ficando restrito apenas a eventos culturais e esportivos, quando, na realidade, os indivíduos autistas podem necessitar de acompanhantes, também, em outros lugares que acabaram ficando de fora do PL.

De acordo com o texto que discorre sobre a alteração da Lei nº 12.764, a justificativa seria o fato de que apenas um acompanhante para algumas crianças com TEA pode não ser suficiente para garantir o seu bem-estar durante eventos culturais e esportivos.

O texto ainda diz que “muitas vezes elas [crianças autistas] têm forte conexão emocional tanto com o pai quanto com a mãe, ou outro responsável, e a presença de ambos os cuidadores, simultaneamente, é crucial”.

A reportagem do portal 7Segundos falou com a Gerentes de Políticas Temáticas de Pessoas com Transtorno do Espectro Autista da Secretaria de Cidadania e da Pessoa com Deficiência do estado de Alagoas (Secdef), Vanessa Menezes. Ela, que também é mãe de criança autista e ativista da causa, analisou a proposta de alteração da lei com estranheza justamente pelo PJ estabelecer o aumento de acompanhantes somente em eventos culturais e esportivos.

Vanessa Menezes também é mãe atípica, da pequena Laura, de nove anos

“Acho válido, mas que seja ampliado pra outros ambientes também e que não se restrinja a pai e mãe”, pontuou Menezes. Já com relação à maior problemática do texto, a Gerente de Políticas Temáticas da Secdef exemplificou bem um dos ambientes onde pessoas com autismo geralmente necessitam de um número maior de acompanhantes legais, que são os ambientes hospitalares.

Ela explica que autistas de nível de suporte 3, por exemplo, é muito comum a necessidade de mais de um acompanhante; entretanto, só é permitido uma única pessoa nessas ocasiões, o que muitas vezes é insuficiente.

Menezes fala que PLs como esse são positivos, mas que há uma deficiência no debate com quem realmente é atingido por essas políticas públicas: a população que vive a realidade a ser impactada pela mudança na lei. O resultado disso é um projeto, muitas vezes, raso e insuficiente para a melhoria nas vidas da população.

"O grande problema desses PL é que eles só ajudam questões pontuais mínimas. Eles não enxergam o problema amplo, e a necessidade ampla. Porque eles discutem algo que, muitas vezes, é sobre uma pequena população que não é esclarecida, que leva essa demanda, dessa necessidade, mas não discutem com pesquisadores, não discutem com quem está ali na prática que tem um pouco mais de esclarecimento, então termina sendo uma PL que ajuda sim a comunidade, mas que não atinge na sua totalidade a necessidade”, disse.

Audiências públicas


Ainda de acordo com a especialista, uma maneira de tentar melhorar a questão do planejamento dessas propostas seria a convocação de audiências públicas, para que, tanto as famílias que vivem o autismo no dia a dia, quanto pesquisadores da área, possam contribuir efetivamente na elaboração dos PLs. Ainda assim, ela ressalta que as audiências precisam reunir essas pessoas que, de fato, conhecem o problema a ser sanado.

"Tem muita coisa que é discutida com um nicho restrito de pessoas, que, às vezes, não vivenciam outras realidades. Então são coisas que precisam ser bem amadurecidas. São projetos de leis que são interessantes, mas que precisam de uma ampliação de discussão pra poder realmente fazer uma diferença significativa nas vidas das pessoas", conclui Menezes.

Vanessa Menezes é mãe de Laura, de oito anos, autista não verbal nível 3 de suporte. Além de Gerente de Políticas Temáticas de Pessoas com Deficiência da Secdef, ela é graduanda em neuropsicopedagogia clínica e institucional e análise do comportamento aplicada ao TEA, Assistente terapêutica em ABA, possui cursos de aperfeiçoamento em ABA, comorbidades do TEA, avaliação e desenvolvimento infantil, psicomotricidade e autismo, intervenção precoce no TEA, educação, neuroeducação, PEI - Plano Educacional Individualizado, prática pedagógica e material estruturado para TEA, fornece mentoria de orientações para os familiares de pessoas autistas, aplicação de escalas m-chat, ATA e CARS, produz materiais pedagógicos adaptados, é palestrante, mãe atípica e ativista pela causa autista.