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Vitória – personagem de Fernanda Montenegro que morou em Maceió e expôs tráfico no RJ

Fernanda Montenegro volta aos cinemas brasileiros em 13 de março com a estreia de

Por Splash / Uol 27/10/2024 13h01 - Atualizado em 27/10/2024 13h01
Vitória – personagem de Fernanda Montenegro que morou em Maceió e expôs tráfico no RJ
Fernanda Montenegro e Alan Rocha - Foto: Suzanne Tierie / Divulgação

Fernanda Montenegro volta aos cinemas brasileiros em 13 de março com a estreia de "Vitória", filme em que ela interpreta a protagonista, uma idosa que registrou os passos do tráfico de drogas em Copacabana, no Rio de Janeiro. A história é real: dona Vitória, como ela ficou conhecida, era a informante de uma série de reportagens policiais publicadas pelo jornal Extra, em 2005.

Quem foi Vitória?

Identidade só foi revelada após sua morte. Vitória era, na verdade, Joana Zeferino da Paz, que morreu aos 97 anos em fevereiro de 2023, em Salvador (BA). O próprio repórter Fábio Gusmão, responsável pelas reportagens com as denúncias feitas por ela, noticiou a sua morte e revelou quem ela era no Extra.

Joana da Paz era moradora de Copacabana e via de sua janela traficantes vendendo drogas na Ladeira dos Tabajaras. Ela já havia denunciado à polícia o que acontecia desde o início dos anos 2000, mas a situação não se resolvia e, por isso, decidiu processar o Estado pedindo uma indenização pela desvalorização do seu imóvel tão próximo à favela e ao crime.

Resposta de um coronel da PM revoltou Joana. No processo, ele testemunhou que a massoterapeuta formada pela Policlínica Geral do Rio de Janeiro tinha mentido e que o batalhão da região sempre combateu a quadrilha local. Ela decidiu então provar que sua palavra era verdade: em 2003, ela foi a uma loja, comprou uma câmera Panasonic, parcelada em 12 vezes, e algumas fitas.

Joana entregou as filmagens à polícia. Em março de 2004, um policial —o hoje comissário Aurílio Nascimento— contou ao repórter Fábio Gusmão que uma senhora de cerca de 80 anos acabava de passar pela Coordenadoria de Inteligência da Polícia Civil, a Cinpol, e deixado uma sacola com oito fitas VHS com filmagens de traficantes. Fábio trabalhava para o Extra e passava pelo local em busca de uma boa história para contar na edição de domingo do jornal.

Repórter pediu para assistir ao resultado da vigilância de Joana. No início, ele achou que as imagens não eram surpreendentes, como contou mais tarde, em uma reportagem de 2023. Segundo ele, àquela altura se sabia que havia guerras de quadrilhas com fuzis e granadas no Rio. Mas o volume da TV na Cinpol estava baixo. Semanas depois, ele conseguiu a autorização para assistir a todo o conteúdo em casa e se surpreendeu com aquilo que ela conseguiu capturar —o envolvimento até de policiais no crime.

Fábio marcou um encontro com Joana em seu apartamento. O repórter foi conhecê-la no imóvel onde ela viveu por 36 anos na praça Vereador Rocha Leão, em Copacabana. Lá, percebeu a proximidade da janela de Joana com o ponto de venda das drogas: cerca de 150 metros de distância — e o quanto a idosa estava em perigo ao realizar os registros. Especialmente porque, em algumas imagens, ela aparecia até gritando com os traficantes, que, segundo ela, achavam que fosse louca.

Ao repórter, Joana contou tudo o que sabia do caso e também dividiu sua vida. Em meio a cafés com biscoitos, ela revelou estupros que sofreu de um fazendeiro casado em Alagoas, e que resultaram em uma gravidez. O homem a obrigou a deixar sua cidade, Quebrangulo, e a mandou para Maceió. Sozinha, ela acabou retornando para casa meses depois e fez sua primeira denúncia: contra o seu estuprador. Mas perdeu o filho por uma doença cardíaca antes de completar dois anos.

No Rio, idosa fazia questão de filmar seu próprio rosto durante os flagras da ação dos traficantes. Ela não queria se esconder e desejava um dia ter o reconhecimento do público por ajudar a combater o tráfico de drogas. O jornal não aceitava revelar sua identidade e a pauta foi parar "na gaveta" em novembro de 2004, quando decidiram dar uma pausa na negociação para que ela pudesse refletir sobre a decisão. Fábio conta que ela se irritava com o fato de a denúncia ainda não ter sido publicada, mas os jornalistas temiam uma retaliação do tráfico contra a vizinha.

A publicação e a entrada no Programa de Proteção à Testemunha

O jornal voltou a procurá-la em março de 2005. Fábio e a equipe do Extra fizeram a proposta de levar o caso à Secretaria de Segurança Pública e Joana aceitou. A denúncia seria feita, mas a idosa teria que entrar no Programa de Proteção à Testemunha. Suas 22 fitas, com 33 horas de imagens registradas ao longo de dois anos, chegaram então às mãos do então secretário Marcelo Itagiba, que deu ordem para o avanço das investigações.

Em 24 de agosto de 2005, as imagens e todas as informações obtidas por Joana foram publicadas no Extra. Na ocasião, o repórter Fábio Gusmão apontou ao então editor-executivo do jornal, Octavio Guedes, que ela "merecia ganhar um nome que traduzisse o que ela fez". Octavio a batizou com o codinome "Vitória" para substituir o uso de iniciais, comum em reportagens em que as identidades das fontes precisam ser protegidas.

Um dia antes da publicação, o mesmo em que ela "desapareceu" do Rio, a apuração de Joana já rendeu frutos. Dois policiais militares foram presos pelo envolvimento com o tráfico. No dia seguinte, outros sete policiais foram detidos pela 12ª DP de Copacabana. Além disso, as imagens obtidas por "dona Vitória" foram usadas pela polícia para conseguir autorização para monitorar os celulares de traficantes da Ladeira dos Tabajaras. As escutas renderam mais provas que, meses depois, resultariam em mandados de prisão para mais de 30 criminosos.

Sua coragem virou notícia no mundo inteiro. A denúncia foi parar em jornais como El País, da Espanha, Le Monde, da França, El Clarín, da Argentina, e The Independent, da Inglaterra.

A vida no anonimato

"Dona Vitória" viveu em anonimato por mais de 17 anos após expor o tráfico do Rio. Ao jornal O Globo, Gusmão relatou que ela passou inicialmente apenas oito meses no Programa de Proteção à Testemunha. Em abril de 2006, ela decidiu se desligar e visitar um sobrinho que morava na Itália.

De volta ao Brasil um mês depois, se mudou para Alta Floresta, em Mato Grosso. Ela passou um mês com o irmão mais velho, que não via há quase 40 anos. O repórter então foi encontrá-la e a convenceu a retornar para o programa — que a levou para Salvador, na Bahia. Lá, ela comprou um apartamento e fez amigos com que conviveu nos anos seguintes.

Joana teria morrido em decorrência de um "acidente vascular encefálico", segundo a reportagem do Extra. Ela passou dez dias internada no Hospital Geral do Estado. Em março de 2023, o Ministério Público da Bahia abriu uma investigação de sua morte, mas apesar do pedido da promotoria, a apuração não evoluiu e o caso foi arquivado. O atestado de óbito aponta morte por "traumatismo cranioencefálico, instrumento contundente, queda", de acordo com o livro "Dona Vitória Joana da Paz", de Fábio Gusmão, que será lançado em 29 de novembro.

Sua trajetória, retratada por Fernanda Montenegro como "Vitória", ainda tem Alan Rocha no papel do repórter. Linn da Quebrada, Laila Garin e Thawan Lucas completam o elenco. A direção é de Andrucha Waddington ("Eu, Tu, Eles").