Caixa prepara festa para funcionários no estádio de futebol Mané Garrincha
Evento reunirá seis mil funcionários do banco, a maioria com despesas pagas pelo banco
Citada em escândalos de corrupção em ao menos quatro operações da Polícia Federal, a Caixa escolheu o estádio Mané Garrincha, em Brasília, símbolo do superfaturamento nas obras da Copa, para um evento festivo com 6.000 funcionários no próximo dia 16. A maioria viajará a Brasília com despesas pagas pelo banco.
Do nome ao cenário, o encontro "Seleção Caixa: em campo pelo Brasil", será repleto de alusões à Copa do Mundo, cuja próxima edição, na Rússia, começa em 14 de junho. Celebridades da bola, como ex-jogador Cafu e o narrador Galvão Bueno, foram convidadas para dar palestras motivacionais aos gerentes. Completa o time a badalada expert em tecnologia digital Martha Gabriel.
Os mestres de cerimônia serão o ator Luigi Barricelli, astro de novelas globais, e a apresentadora Renata Fan, do Programa Jogo Aberto, da Band.
A Caixa mantém em sigilo os custos do evento, bem como os valores dos cachês pagos aos convidados. Num site de agenciamento de palestras, por exemplo, o passe de Cafu está cotado a R$ 40 mil.
A Folha apurou que o contrato com Galvão Bueno ainda não havia sido assinado nesta quarta-feira (9). A condição para que ele participasse era a de que não fossem permitidas filmagens e fotografias. A ideia dos organizadores era que a presença do narrador fosse uma surpresa para os funcionários.
O propósito do investimento na "Seleção Caixa", segundo o banco, é divulgar suas "novas e desafiadoras metas" para 2018, entre as quais superar o lucro de R$ 8,6 bilhões em 2017.
Para órgãos de controle externo da instituição, outros desafios se impõem, como conseguir aumentar o colchão de garantias próprias para, com isso, continuar fazendo empréstimos sem descumprir as regras de solidez bancária previstas no chamado Acordo de Basileia 3, um sistema de regras financeiras internacionais criado para garantir solidez a bancos.
O MPF (Ministério Público Federal), que conduz inquéritos sobre pagamento de propinas a políticos, em troca de investimentos bilionários, cobra desde dezembro melhorias de gestão para blindar o banco da ingerência de partidos.
Mesmo após o afastamento de vice-presidentes investigados, a maioria das diretorias é composta por indicações políticas.
Ao fim das atividades no Mané Garrincha, os funcionários da Caixa vão pular com o cantor Saulo, ex-banda Eva, que entoa hits como "Nada lhe é Proibido", "Não Precisa Mudar" e "Não me Conte seus Problemas". O público foi selecionado nas unidades do banco em todos os estados e embarcará, na semana que vem, em ônibus e aviões.
O presidente Michel Temer -- que tem apostado na instituição para estimular a economia -- também foi chamado, mas ainda não confirmou presença. Ele e aliados foram denunciados pela Procuradoria-Geral da República por integrar uma organização criminosa que desviava recursos de vários órgãos públicos, incluindo a Caixa. A acusação contra o presidente foi barrada pela Câmara e só poderá prosseguir quando ele deixar o cargo.
Palco do evento da Caixa, o Mané Garrincha foi o estádio mais caro da Copa e, atualmente, está subutilizado, tendo em vista que a capital federal não tem grandes clubes de futebol e nem um fluxo de eventos que garanta ocupação frequente.
A ociosidade é tanta que, para fisgar o cliente e assegurar investimentos dos gerentes da Caixa na economia local, o governo do DF deu um desconto de 85% no valor do aluguel do estádio, que caiu para R$ 48 mil.A obra foi contratada por R$ 696 milhões, mas, ao final, custou mais que o dobro, R$ 1,577 bilhão.
INSTITUIÇÃO DIZ QUE EVENTO DEVE CUSTAR MENOS DE R$ 25 MI ?
Procurada pela Folha, a Caixa informou que o orçamento não está finalizado. Em nota, alegou que o valor deve ficar "bem abaixo" de R$ 25 milhões.
O banco disse que "os contratos com as personalidades participantes têm cláusula de confidencialidade". Sobre os custos com passagens, diárias e hospedagens, também justificou que o orçamento não está concluído.
?O banco alegou que o evento "será uma boa oportunidade para o comando da Caixa motivar e valorizar os seus gestores".
"A Caixa está seguindo a iniciativa de outros grandes bancos brasileiros, que também promoveram eventos da mesma magnitude voltados para a implementação de suas ações em 2018. Entre eles, o Banco do Brasil, que, em março passado reuniu 7.000 empregados no estádio do Palmeiras, em São Paulo", afirmou.
FGTS PODERÁ LIBERAR RECURSOS PARA BANCO EXPANDIR CRÉDITO IMOBILIÁRIO
No mesmo dia do evento no Estádio Mané Garrincha, o Conselho Curador do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) se reúne e pode decidir pela liberação de recursos para expansão do crédito imobiliário da Caixa.
O banco é uma das apostas do presidente Michel Temer para estimular a economia brasileira, através do aumento de financiamentos habitacionais em ano eleitoral.
Esse objetivo esbarra na necessidade de a Caixa manter a sua adequação aos níveis de capital próprio exigidos internacionalmente para se fazer empréstimos. A regra se tornará mais rígida a partir do ano que vem.
Apesar de ter tido um lucro líquido recorde de R$ 8,6 bilhões no ano passado, e ter se enquadrado com folga nas novas normas após um período de aperto, a avaliação de especialistas é que o banco não pode se dar ao luxo de exagerar nos empréstimos.
"A Caixa é um banco de políticas públicas, mas esse é um momento em que não pode acelerar muito a sua carteira de crédito", afirma o economista João Salles, da consultoria Lopes Filho.
Uma proposta em estudo, que pode ser decidida no dia 16, é a liberação de recursos do FGTS para ampliar o lançamento de unidades das faixas 1 a 1,5 do Minha Casa, Minha Vida.
São exatamente as faixas do programa habitacional com maior risco de inadimplência que requerem o maior nível de cobertura por parte do banco.
A faixa 1 é direcionada a famílias com renda de até R$ 1.800 mensais, e a 1,5 para renda de até R$ 2,6 mil.
Como divulgou a Folha, pessoas que participam das discussões entre a Caixa e o FGTS afirmam que o governo quer usar pelo menos R$ 3 bilhões do fundo para retomar os lançamentos do programa habitacional.
Outra possibilidade seria usar, nessa expansão do crédito, os dividendos que a Caixa deixou de pagar ao seu controlador, a União.
Neste ano, o banco quitou apenas os 25% mínimos de dividendos relativos a 2017, requeridos em contrato.