Brasil

Ex-jogador do Corinthians deixa futebol feminino, se assume trans e sonha em quebrar barreira

O maior impasse de Marcelo era continuar jogando futebol no feminino ou fazer a transição hormonal.

Por ESPN 29/01/2020 15h03
Ex-jogador do Corinthians deixa futebol feminino, se assume trans e sonha em quebrar barreira
O maior impasse de Marcelo era continuar jogando futebol no feminino ou fazer a transição hormonal. - Foto: Reprodução

Um dos grandes destaques do Corinthians oficializou sua saída do time em setembro de 2019, às vésperas da grande final do Campeonato Brasileiro contra a Ferroviária. Marcela precisaria voltar a sua cidade natal, Sete Lagoas, no estado de Minas Gerais, para resolver questões pessoais, sem mais detalhes.

Nesta quarta-feira (29), Dia Nacional da Visibilidade Trans, Marcela apresentou-se com sua nova identidade: Marcelo. Em carta aberta ao GloboEsporte.com, o ex-jogador do time feminino do Corinthians afirmou ter sofrido muito para se aceitar, mas decidiu passar por transição sexual em agosto de 2019.

“A decisão pegou todos de surpresa. Hoje, é libertador poder falar sobre isso, mas o primeiro mês foi devastador. Eu só sentia tristeza. Mas não queria que continuassem vendo uma menina jogar”, escreveu Marcelo, de 31 anos.

O maior impasse de Marcelo era continuar jogando futebol no feminino ou fazer a transição hormonal. Desde 2015, quando ele descobriu a palavra ‘transgênero’, entendeu o que estava passando. Quando criança, a mãe insistia que ele usasse roupas de menina, algo que nunca o fez feliz. No vestiário, tinha uma sensação de não pertencimento. Quando mais novo, jogava com os meninos e não tinha problemas com isso, era bem aceito, mas recebia apelidos maldosos das meninas - algo que ele gostava, já que eram todos relacionados ao sexo masculino. Mas só mais tarde ele entendeu o que se passava.

Com a carreira indo bem, titular absoluto do Corinthians e com o sonho de chegar à seleção brasileira, onde já passou, mas no futsal e ainda conquistou três títulos, ele passou a sofrer depressão e ‘travou’.

“Pode chamar de surto, nem sei explicar o que senti, mas não estava bem, tinha pensamentos suicidas, e às vezes o pânico me dava certeza de que eu iria morrer. Em outubro, me entupi de remédios e de álcool. Desapareci. O técnico do Corinthians, Arthur Elias, e minha companheira e amiga de time, Gabi Zanotti, decidiram me internar em um hospital psiquiátrico. Todos temiam pela minha vida”, contou.

A maior dificuldade da vida de Marcelo era ter que escolher em torna-se o que sempre sentiu que, de fato, era, e continuar seguindo no futebol feminino, ou se assumir trans. Mas quando decidiu seguir no esporte, apesar de ter sido uma espécie de refúgio desde a infância, onde esquecia os problemas de álcool do pai ou os abusos sexuais que sofreu do avô, sua saúde mental foi fortemente afetada.

Com passagens pelo XV de Piracicaba, Santos e Corinthians, onde conquistou o título brasileiro em 2018, Marcelo anotou um gol na final e aparece sorrindo nas imagens. Mas afirma: “Se você olhar para a foto do título, vai ver um sorriso de satisfação. Mas pode acreditar: por dentro, eu estava destruído”.

Pouco antes da Copa do Mundo feminina, Marcelo teve outra crise e achava que teria que vestir a camisa da seleção na França, mas à medida que seu futebol no Corinthians ia decolando, sua saúde mental estava cada vez pior. Foi quando decidiu passar pela transição.

“A decisão pegou todos de surpresa. Hoje, é libertador poder falar sobre isso, mas o primeiro mês foi devastador. Eu só sentia tristeza. Mas não queria que continuassem vendo uma menina jogar”, disse o jogador.

Ele está prestes a chegar na quinta sessão de hormonização e diz que já sente sua voz diferente. Para não parar de praticar atividades físicas, Marcelo vai à academia, ao crossfit e joga uma pelada com amigos duas vezes por semana.

Ainda não há um caso de transgênero no futebol masculino, mas Marcelo acredita que pode ser o primeiro. A Fifa disse ao GloboEsporte.com que os casos devem ser analisados e avaliados um por um. Já a CBF, afirmou que seguirá as determinações da Fifa, mas que não existe nada no regulamento que impeça a inclusão.

O que importa no momento é que Marcelo se sente em paz e pronto para seguir sonhando. “Por enquanto, só quero que todos saibam que eu não desisti de nada. Meu nome é Marcelo, e minha vida está apenas começando”, finalizou.