Bloco de Carnaval vira ONG e oferece cursos profissionalizantes em Alagoas
Projeto ajuda moradores de Porto de Pedras com aulas e doações
Uma simples brincadeira entre amigos mudou a vida de centenas de pessoas em um povoado de Alagoas. Parece até roteiro de filme, mas essa é a história da ONG Filhos do Patacho. Hoje uma instituição que oferece doações, escolinha de futebol para as crianças e cursos profissionalizantes voltados para o turismo, o projeto social começou como um bloco de Carnaval para animar as ruas da cidade de Porto de Pedras, no litoral nordestino.
Já são pouco mais de dez anos desde quando Juciano Pinto, presidente da organização, se juntou a amigos para criar a instituição. De lá para cá, cerca de 80 profissionais foram formados pelo projeto e deixaram as salas de aula prontos para o mercado de trabalho do município de cerca de 9.295 habitantes, segundo dados de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Além da inclusão dos moradores no mercado de trabalho, a ONG Filhos do Patacho já doou centenas de cestas básicas e promoveu comemorações e acesso ao esporte para as crianças. A escolinha de futebol, mantida em parceria com a prefeitura, atende cerca de 100 jovens de 5 a 17 anos.
Início como bloco de carnaval
Antes de todo o impacto social, a Filhos do Patacho era apenas um lugar de diversão de foliões. Um ano antes de sua criação em 2011, os moradores do Povoado Lage ansiavam por diversão no carnaval. Na época, existia apenas um bloco para os quatro dias de folia. E, para piorar a situação, o cortejo saía às ruas em apenas um dia do feriado.
A falta de lazer no feriado levou Juciano e os amigos a pensarem “fora da caixinha”. Com a ajuda de patrocinadores, o grupo trabalhou por quase um ano, produziu cerca de 50 abadás e, em 2011, tirou do papel o então chamado ‘Bloco do Facão’, nome dado em homenagem a um morador local que ia para a roça com sua ferramenta e morreu no ano de estreia do cortejo.
Juciano conta ao Terra que logo no lançamento o bloco foi um sucesso. Com tantos abadás vendidos, a diversão foi garantida e, inclusive, sobrou dinheiro na mão dos organizadores. Sem saber o que fazer com a quantia, veio a ideia que mudou a vida do grupo: a doação de cestas básicas para os moradores do povoado.
“Como não tivemos outros gastos, o dinheiro sobrou. Ficamos sem saber o que fazer, e tivemos a ideia de fazer cesta básica e doar para o comunidade local. Buscamos os agentes de saúde – que sabem a necessidade de cada um – e fizemos uma seleção. Creio que foram 40 cestas básicas”, seguiu o presidente da ONG.
As doações, no entanto, mudaram a maneira com que os criadores do bloco enxergavam a comunidade local. Conforme Juciano conta, eles moravam na zona urbana e sequer imaginavam o tamanho da desigualdade nas áreas mais afastadas da cidade.
“Mesmo a gente sendo nascido e criado na comunidade, não tínhamos ideia de como nossa comunidade era sofrida. Morávamos na zona urbana, e lá tem muitos sítios e fazendas. Quando fomos de casa em casa, vimos que nosso povo era muito sofrido, que precisava de uma assistência de alguém. O poder público não chegava nesse povo”, relembra.
A indignação com o sofrimento dos conterrâneos foi um combustível para a continuidade do bloco e das doações de alimentos. “No seguinte, conseguimos mais 60 cestas básicas. A ONG iniciou de uma brincadeira, como diversão. Aí o negócio foi começando a ficar sério”, acrescenta.
Com o passar dos anos, Juciano e os amigos quiseram dar um passo a mais na ideia. Além das doações de cestas básicas, o projeto que viria a ser a ONG Filhos do Patacho começou a promover festas beneficentes na cidade.
“Com dois anos de atividade, começamos a fazer o Dia das Crianças na praça. Fazíamos brincadeiras tradicionais, para também não ter muito gasto, não tínhamos dinheiro para alugar brinquedo, esse tipo de coisa. Mas conseguimos fazer a alegria da criançada, distribuir brinquedos e alimentação. E foi surgindo uma coisa naturalmente, a ONG FIlhos do Patacho, que inicialmente tinha o nome de Bloco do Facão”, explica.
Virada de chave e início dos cursos
O bloco ainda desfila pelas ruas de Porto de Pedras e o grupo faz doações. Em 2020, porém, veio aquela que talvez seja a principal virada de chave da ONG: ao conhecer a assistente social Milâny Oliveira, que viria a se tornar sua esposa, Juciano teve a ideia de aproveitar o crescimento da rede hoteleira da cidade e criar cursos profissionalizantes voltados ao turismo.
Logo no primeiro ano de procura por ajuda, a ONG conseguiu recursos financeiros de um edital do Instituto Cooperforte, por meio do qual conseguiu viabilizar o curso de Atendimento e Informações Turísticas.
“Ficamos muito felizes, era justamente um curso de Atendimento e Informações Turísticas, tendo em vista que a cidade cresceu. As empresas foram chegando e a nossa comunidade não tinha qualificação para as funções. Mesmo essas profissões menos vantajosas financeiramente precisa ter uma qualificação”, afirma.
Quando tudo parecia correr como o esperado e a ideia estava perto de sair do papel, a pandemia da covid-19 atrapalhou os planos da ONG. A doença que devastou o mundo forçou o fechamento de lugares com aglomeração, inclusive salas de aula. O curso, então foi cancelado.
Mas, mesmo com a interrupção do sonho de criação dos cursos, o instituto ajudou com cestas básicas.
“Por termos sido contemplados, o instituto nos ajudou com a quantia para fazermos 900 cestas básicas. Foi um marco muito grande, porque conseguimos salvar a vida de muita gente”, celebra.
Depois da dor enfrentada durante a pandemia, o Cooperforte reabriu o edital em 2022 e, mais uma vez, a ONG FIlhos do Patacho conseguiu a contemplação. Desta vez, com uma diferença: os recursos que antes promoviam apenas um ano de curso, agora eram válidos para o triênio.
Além do curso de Atendimento e Informações Turísticas, o projeto presidido por Juciano fornece aulas de Culinária Comercial por meio de uma emenda parlamentar do senador Rodrigo Cunha (Podemos).
“A gente conseguiu executar o curso de Culinária Comercial, só para mulheres. É um projeto através do Ministério da Mulher. Em 2023, não conseguimos a emenda, então voltou só o de Atendimento e Informações. Agora, em 2024, conseguimos mais um ano da emenda e estamos rodando os dois cursos paralelamente”, diz o presidente da ONG.
Os cursos profissionalizantes
Com mais de 80 profissionais formados nos cursos de Atendimento Turístico e Culinária Comercial, a ONG não quer apenas qualificar os moradores. A ideia principal é empregar as pessoas da comunidade. Para isso, existem parcerias do projeto com empresários da região.
“A nossa meta é a empregabilidade, a gente não quer simplesmente qualificar. A nossa meta é empregar as pessoas. Em parceria com esses empresários, a gente já encaminha direto para o mercado de trabalho”, destaca Juciano.
Para participar de uma das turmas, também é simples. O morador de Porto de Pedras precisa ter entre 18 e 45 anos, estar desempregado ou trabalhando informalmente e ter o ensino fundamental completo.
Com os requisitos cumpridos, a inscrição pode ser feita tanto online como presencialmente. Quando o número de inscritos supera o número de vagas oferecidas, os organizadores fazem uma seleção entre os candidatos.